A vida com Deus se enche de vida.
Seguindo este ano a leitura do Evangelho de São Lucas, na perícope
evangélica deste domingo vemos uma narração peculiar a Lucas: a ressurreição do
filho da viúva de Naim (cf. Lc 7,11-17).
Lucas é como um pintor. Com poucas palavras ele é capaz de pintar um belo
quadro onde se revela a figura de Jesus como o grande taumaturgo, nosso Senhor
que se compadece ante o sofrimento e a morte.
O
contexto dos relatos evangélicos é sempre importante. Neste, encontramos
caminhando com Jesus, seus discípulos e numerosa multidão (v.11). Cabe uma leitura concreta do que quer dizer este
“caminho.” O caminho é nos evangelhos sempre uma disposição de ânimo, não só
movimento. Seguir a Jesus é deixar-se conquistar por essa disposição que nos deixe
surpreender pelo inesperado, que nos tire de nós mesmos; de nossos próprios
esquemas mentais e deixe Deus atuar com a plena liberdade. Trata-se em
definitivo de não por nossas idéias, nossas concepções, nossas palavras como
suas; não fazermos um Deus à nossa própria medida, mas sim deixar que Deus seja
Deus e nos leve por seus caminhos. Caminhar com Jesus é-nos por a caminho atrás
dele, optar pela mudança, pela conversão, pelo movimento, não pela quietude
estática do que fica igual ao que era antes... Como aconteceu com o Apóstolo
Paulo tal como ele nos fala de si mesmo em sua carta as Gálatas “Ouvistes certamente
(falar) da minha conduta de outrora no judaísmo, de como perseguia sobremaneira
e devastava a Igreja de Deus... Quando, porém, aquele que me separou desde o
seio materno e me chamou por sua graça, houve por bem revelar em mim seu Filho,
para que eu o evangelizasse entre os gentios”. (cf. Gl 1,11-19)
Lucas descreve um providencial encontro de duas multidões ou
procissões: a procissão da vida que entra na cidade, formada por aqueles que seguem
a Jesus, “seus discípulos e numerosa
multidão” (Lc 7,11), e a procissão da morte, que “levavam a enterrar um morto, filho único de mãe viúva; e grande
multidão da cidade estava com ela.” (Lc 7,12) “Naqueles tempos, a morte de um filho
único constituía para uma viúva a desaparição de seu esteio. A partir desse
momento, ela e suas possíveis propriedades ficavam à mercê da rapina geral –
abuso denunciado por Jesus mais adiante, em sua censura aos escribas (cf.
Lc 20, 47; Mc 12,40). Com
efeito, não faltava quem se regozijasse em tais circunstâncias, porque das
viúvas podiam arrancar tudo quanto elas possuíam, sem oposição de ninguém.” (Dias,
2012.)
As duas “multidões” se encontram à porta da aldeia de Naim. É fácil
perceber a quem representam estes dois cortejos que se cruzam na entrada da
cidade: o primeiro representa a comunidade cristã, radiante de alegria porque
está junto do seu Senhor, que a conduz para a Vida; o segundo é símbolo da
humanidade que ainda não encontrou Cristo: está caminhando para o cemitério,
lugar de morte e a considera como uma derrota irreparável. Nesse momento, Lucas
mostra a grandeza da compaixão e misericórdia divinas presente em Jesus.
O Senhor, ao ver aquela desolada mãe que chorava a morte de seu filho,
e “ninguém sente tanto a morte como aquela que gera a vida. O corpo da mulher é
chamado a ser o espaço milagroso no qual acontece a gênese de cada ser humano.
Os nove meses sagrados da gestação deixam marcado o corpo da mulher com uma
marca indelével: deixam-na caracterizada para sempre como ‘nova Eva’. Por isso,
também a mulher se sente morrer quando um dos seus filhos morre. A morte do
filho nega-lhe sua identidade, mata-a como mãe, destrói sua identidade mais
bela e milagrosa.” (Paredes, 2011.)
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