ARTIGO DE PADRE ASSIS!
08|Setembro de 2013
A desconcertante humildade
O
encontro com a misericórdia do Pai
15| Setembro de 2013
No Evangelho de hoje (cf. Lc
15,1-32) Jesus nos mostra com imagens cotidianas as feições do amor que Deus
tem por cada um de nós e o medo de nos perder. Ele se apresenta como um
“pastor” (15,4-7)
preocupado por todas e cada uma de suas ovelhas, que se põe a caminho para
recuperar a “ovelha perdida”; como uma “mulher” empenhada em conservar até a
última moeda de seu patrimônio, que procura atentamente uma “drácma” perdida (15,9-10); ou ainda como
um pai amoroso que não se resigna com a perda do filho (15,11-32) e se alegra com a sua volta e
busca a reconciliação com o outro filho que não se sente mais de casa. Isto é o
que quer significar estas parábolas, todos e cada um de nós, filhos e filhas,
somos importantes, valiosos e amados individualmente pelo Deus-Pai que se
afeiçoou a nós com um amor tão absoluto que estremece de medo de nos perder ou
de nos condenar para sempre, como quem ama tem medo de perder a pessoa amada.
Estar longe deste Deus-Pai e dos outros por razões
humanas é perder tempo, é perder Deus. Então deveria nascer espontaneamente em
nós a necessidade de pedir perdão, pois só o amor gratuito e livre é capaz de
perdoar.
Jesus começa estas “parábolas da misericórdia” porque está sendo questionado em sua atitude
frente aos pecadores: “Este homem acolhe pecadores e come com eles.”(v. 2) “Para bem
compreendermos o Evangelho de hoje é necessário partir do enquadramento da cena
nos versículos 1-3 e das personagens presentes em primeiro plano: de um lado,
‘publicanos’ e ‘pecadores’ quer se aproximar de Jesus para o ouvirem; e do
outro, os ‘fariseus’ e os ‘escribas’ que murmuraram, julgam e, de certo modo,
condenam Jesus (15,1-2).
As parábolas apresentam então, uma intenção polêmica em relação a estes
últimos, mas a finalidade primeira é a de mostrar a publicanos e pecadores a
infinita misericórdia de Deus, a importância da conversão para a salvação, a
alegria no Céu por um pecador que se arrepende.” (Casarin, 2010.)
Os fariseus e escribas
criticam Jesus porque ele sai da ordem estabelecida na sociedade judia da época
porque mantém relações de proximidade com cobradores de impostos, prostitutas,
enfermos, que se acreditavam assim por causa do seu pecado, ou com os que a sua
própria origem ou profissão lhes fazia indignos da relação com eles e inclusive
sem possibilidade de salvação divina, os não pertencentes ao povo judeu:
samaritanos, pagãos, romanos etc. a todos esses Jesus, com a parábola do “filho
prodigo”, lhes faz saber que também são
amados por Deus. Que a graça
de Deus e o amor do Pai são tão grandes, e sua misericórdia tal, que não leva
em conta quanto imperfeitos ou importantes tenham sido nossos pecados aos olhos
das pessoas, pois somos dignos de implorar seu perdão, ser humildes para
reconhecer nossos erros e voltar à sua casa.
Os pecadores aproximavam-se de Jesus porque Ele lhes apresentava um Deus
do qual não lhes falavam os escribas e doutores da lei. “O verbo ‘aproximar-se’
evoca distância. Somente a distância pode ser cenário do aproximar-se. Para se
aproximar alguém precisa se sentir distante. E como se trata de Deus e do ser
humano, sabemos que foi este a se afastar de Deus. Adão fugiu da presença do
Senhor (Gn 3,8). Desde as primeiras páginas da Sagrada Escritura se fala de Deus que
procura encurtar as distâncias e desce, ao jardim, à brisa da tarde, chamando o
homem que havia se escondido. ‘Adão, onde estás?’, pergunta aquele que criou o
homem para que lhe seja interlocutor e habite em sua casa todos os dias da vida
(Sl 27,4). O pecador se
afasta de Deus, porque o pecado consiste exatamente em errar de direção, em
caminhar no sentido contrário, de modo que a meta acaba ficando para trás. No
nosso contexto, aproximar-se significa kairós,
isto é, que o tempo está próximo (Ap 22,10), que os tempos messiânicos estão à porta.
Este é o tempo favorável. Os pecadores aproximam-se de Cristo, mas porque ele
se aproxima deles... Deus entrou no pecado dos pecadores para desfazer qualquer
distância, para fazer reviver a proximidade idealizada na criação, entra bem aí
onde a pessoa está convencida de que pode se esconder de Deus, vem e encurta
essa distância, entregando-se, de modo que a pessoa o possa descobrir,
libertando-se em Cristo, o possa aproximar.” (RupniK, 2005.)
Só um amor muito forte explica
e justifica esta proximidade de Deus e este medo de perder a humanidade tão
amada por Ele, fazendo-se próximo em Cristo, o perdão e a misericórdia. De um
amor infinito é natural que saia um infinito perdão. Esse amor, tão retratado
ao longo do Antigo Testamento, culmina em Jesus e é colocado por Ele como
centro da sua atividade e pregação. Este amor misericordioso de Deus é o
protagonista destas três parábolas: está representado no pastor que vai atrás
da ovelha perdida, na mulher que encontra a moeda e no pai que espera a volta
do filho menor, que pede sua herança
com toda liberdade, para abandonar seu pai e sua casa. O jovem menor pagará
caro sua insensatez, sentirá a amargura da solidão e o abandono dos que lhe
festejavam quando tinha dinheiro e lhe deram as costas quando tudo se acabou.
Na lama, entre porcos, ruminou sua dor, sua fome e sua vergonha; chorou em
silêncio ao recordar o pão da casa de seu pai, cujos trabalhadores viviam mil
vezes melhor que ele. Como é grande o número de pessoas que não se sentem amadas
por ninguém, para as quais não se tem um olhar a não ser para o que elas
possuem; muitas pessoas sabem que quando não forem mais úteis, ninguém mais se
interessará por elas. Esta descoberta fez o filho menor descobrir a humildade e
esperança de seu perdão, mesmo que não seja mais considerado como filho, decide
voltar para casa. Cada entardecer, certamente, aquele pai olhava para o caminho,
esperando que seu filho perdido retornasse. Por isso quando o vê se aproximar
corre ao seu encontro, se alegra e festeja. Mas, “o filho mais velho, trabalhador,
obediente às regras, revela-se também desordenado, porque diante da festa do
pai que recuperou o filho não quer entrar, não quer tomar parte numa alegria
que deveria ser também sua, pois o irmão voltou são e salvo... que atitude é
essa do ser humano que não lhe permite alegrar-se com o bem do outro?... Parece
até que o pai, apesar da dupla descendência, não tinha nenhum filho verdadeiro.
Um deles foi embora, o outro viveu em casa como servo, estranho aos sentimentos
do pai... A resposta do pai é tão desconcertante, que levaríamos uma vida toda
para compreendê-la. ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu’ (15,31)”. (Ibid. RupniK.)
Um Deus como este Pai, preocupado com cada um dos seus dois filhos e que
não se senta à mesa enquanto os dois não tenham entrado em casa. Um Deus assim merece confiança. É curioso
que isso o tenha que fazer agora as terapias psicológicas ou as experiências
com deuses e deusas das religiões orientais, como com o “misericordioso Buda” e
não esteja presente em nossa experiência com o Deus-Pai dos cristãos. O que
Deus faz segundo Jesus é ter paciência, compreender e respeitar a liberdade. A
melhor maneira para abandonar a vida sem sentido não é falar de um Deus
castigador implacável, sem misericórdia, senão do Deus real de Jesus, que
espera, vem ao nosso encontro para perdoar-nos cheio de alegria pela volta,
pela recomposição da existência e da dignidade pessoal convida-nos para a festa
da comunhão.
Como é grande a experiência de
se saber amado e perdoado! Mas faz falta a humildade para prostrar-se primeiro
diante dele e reconhecer-se pecador. Não acontece assim com o irmão maior.
Encontramo-nos frente a quem se sente perfeito diante de Deus. Cumpridor de
todas as normas, obediente aos preceitos, mas que, é incapaz de levá-los a cabo
com amor, não sentindo compaixão pelo sofrimento de seu irmão que regressa. É
incapaz, portanto, de mostrar misericórdia.
Ao lado do amor incondicional
do Pai nossos “amores” se parecem tão cheios de medos e prudências, com
interesses ambíguos e mesquinhos que nos dão até vergonha de dizer que é “por
amor” que agimos e o mais terrível é sentir-se satisfeito e se crer bons.
As respostas do pai a
reclamação do filho maior: “Filho, tu estás sempre comigo”, lhe dá a chave:
está fazendo o que se espera dele, mas sem “viver com o pai” sem sentir de
verdade a salvação, sem sentir o Reino, sem sentir o pai. Talvez encontremos
aqui um paralelismo com a atitude comum de cifrar a boa conduta com o
cumprimento de certas práticas religiosas, como a comunhão ou confissão
frequente, a missa dominical, e evitar depois o encontro sincero e o diálogo
com os irmãos e irmãs que vivem situações sociais de marginalização, defendem
posicionamentos ideológicos e políticos discordantes, ou que afrontam
orientações sexuais divergentes, entre outros. Não existe verdadeira
experiência humana sem intercâmbio, diálogo e confidência, verdadeiro amor
recíproco.
Não tem cabimento, à luz desta
parábola, rancores nem ressentimentos na comunidade cristã. Só a alegria e a
festa cada vez que um de nós busca reconciliar-se com o Senhor. Não haverá
reconciliação verdadeira sem essa aproximação primeira, sem a atitude de
reparação do dano, onde se inclui a proximidade e a reconciliação com o resto
de nossos irmãos. A atitude do filho menor é humilde, com disposição de entrar
e servir: “trata-me como um dos teus trabalhadores”. E o ambiente que alardeia o
pai diante tal atitude é de alegria e festa.
Cabe, pois nos perguntar qual
é nossa atitude. Primeiro frente ao pecado pessoal: arrependimento verdadeiro,
sem condições, atitude de reparação, pondo-nos a serviço, implorando
misericórdia. Em segundo lugar nossa atitude como irmãos maiores da parábola,
como cristãos implicados na construção do Reino: como pomos em prática a
correção fraterna em nossos grupos e comunidades, para procurar um melhor
ambiente e viver uma contínua festa de reconciliação? Como levamos a cabo a
acolhida que Deus-Pai nos pede que tenhamos ante quem se aproxima de nossas comunidades
querendo viver uma experiência de Deus, a partir de suas realidades?
Bibliografia:
Textos e referências
bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado.
Lisboa (Portugal), Paulus, 2010.
Rupnik, Marko Ivan. “Abraçou-o e o cobriu de
beijos”, lectio divina sobre a
parábola do pai misericordioso. São Paulo, Paulinas, 2005.
Jesus e os vínculos
familiares
No evangelho de Lucas deste domingo (cf. Lc 14,25-33) Jesus continua compartilhando seus
ensinamentos a caminho de Jerusalém. De uma maneira concisa e clara, oferece as
condições imprescindíveis para um verdadeiro discipulado ou seguimento de Jesus. Viver como
cristão, seguir a Jesus Cristo não é fazer passeata com o Senhor. Sua palavra é
clara, Lucas nos apresenta hoje um conjunto de ditos e parábolas que nos
revelam que Jesus não ocultou as dificuldades para aquelas pessoas que querem
segui-lo: Construir, lutar e renunciar.
“Se alguém vem a mim e não odiar seu
próprio pai e mãe, mulher, filhos irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode
ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não vem após mim, não pode ser
meu discípulo.” (vv. 26-27)
Trata-se aqui de uma das
afirmações mais radicais do evangelho. Nenhum outro mestre ou rabino fez este
tipo de exigência tão radical para quem queria ser seu discípulo. Jesus se
atreve a colocar-se acima dos laços sagrados da família, dos pais e os filhos. “Ele
relativiza os vínculos familiares na perspectiva do Reino. Também o fez noutras
ocasiões: perda no templo, chamados vocacionais, escuta da palavra, relações
com os seus parentes e com Maria, sua mãe. Diante da primazia do Reino perdem
lugar os afetos de família e os laços de sangue e raça, nação e grupo cultural.
Contudo Jesus não menospreza estes vínculos de parentesco na sua vertente
humana e religioso-moral. Pelo contrário, reafirmou as relações paterno-filiais
reguladas pelo quarto mandamento da lei de Deus quando condenou as tradições
judaicas contrárias ao mesmo (cf. Mc 7,10). (Caballero, 2000.)
No texto, todas as expressões
estão subordinadas à frase principal do conjunto: “se alguém vem a mim”, ser
seu verdadeiro discípulo ou discípula deve centrar sua vida nele. Cristo
reclama para si, um amor maior que a própria família, pretende açambarcar
afetos humanos tão profundos e vivências tão pessoais.
A ruptura com a ideologia familiar, em
principio não tem nada a ver com a parábola do homem que quer construir uma
torre ou com a o rei que deve ir à guerra (cf. vv. 28-32). Mas, as duas parábolas ilustram um pouco o
empenho de construir e lutar, que deve haver ante estas propostas tão radicais.
Concluindo com a máxima: “Portanto, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o
que possui, não pode ser meu discípulo”. (v. 33)
Talvez sejam necessárias algumas
explicações exegéticas para poder medir o alcance deste evangelho de hoje.
“Lucas é o evangelista da misericórdia de Deus, mas também das exigências
radicais. É verdade, o ensinamento de Jesus apresenta absolutos irrenunciáveis
em todos os evangelhos, mas em Lucas eles são evidenciados com maior frequência
e vigor. Assim no caso presente: enquanto no texto paralelo de Mateus, inserido
no discurso missionário, se afirma ‘quem ama o pai ou mãe mais do que a Mim,
não é digno de Mim’ (Mt 10,37); no texto de
Lucas, ambientado na catequese sobre o discipulado, proclama-se de modo claro e
paradoxal. ‘Se alguém vem ter comigo e não Me preferir [odiar, no texto
original] ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos... não pode ser Meu discípulo.’ (Lc 14,26) Como se vê, Lucas conservou o semitismo do
verbo ‘odiar’ (que no entanto tem o significado de ‘amar menos’), para
sublinhar a necessidade de uma opção radical, sem meias medidas nem
compromissos. Este ‘ódio’ diz respeito a todas as pessoas e realidades mais
queridas, mais intimas, e até à ‘própria vida’. Negativamente, trata-se de
eliminar para sempre tudo o que poderia impedir a sequela de Jesus; positivamente,
pede-se que ‘se leve a própria cruz’ (Lc 14,17); não só ‘tomá-la’, como afirma (Mt 10,38) ‘todos os dias’ (cf. Lc 9,23), seguindo o
Mestre. Quem não coloca Jesus e o Reino de Deus no centro da sua vida e acima
de tudo não pode ser Seu discípulo.” (Casarin, 2010.)
Deixar a família de origem
pela família cristã, como exige Jesus, era uma decisão que custaria muitíssimo
tomar. Inclusive
a maioria dos autores pensa que Jesus nunca mandou seus seguidores odiarem seu
pai, sua mãe ou seus irmãos. Alguns profetas levaram até o extremo a renuncia
ao status familiar e falaram de odiar, com todo o semitismo que isso comporta.
Mas, Jesus não pode ter pedido para “odiar”, quando exigiu amar inclusive aos
inimigos (cf Lc 6,27; Mt 5,44). Isto está
hoje bastante bem assumido, sem que denote “adoçar” a radicalidade do Reino e
do seguimento de Jesus.
Logo, ser discípulo de Jesus significa um
valor absoluto como alternativa a todo projeto deste mundo inclusive o familiar.
É verdade que Jesus põe em evidência a pobreza dessa expressão: amar menos,
“odiar”. Por isso, muitos traduziram o odiar pelo "preferir".
Efetivamente, se alguém quer ser discípulo de Jesus, mas prefere as chaves
familiares, os interesses de família, as ataduras sociais e culturais desse
mundo, então não pode ser um autêntico discípulo de Jesus. As famílias (em
sentido geral e cultural) transmitem amor; mas às vezes as famílias, os clãs,
os grupos, transmitem outros valores muito negativos (inclusive preconceitos e
até o ódio de umas famílias contra outras), que um discípulo de Jesus não pode
assumir, nem respeitar.
Decidir-se por Jesus deve ser primordial. E
em momentos determinados da vida, talvez em situações limites ou concretas,
devemos preferir a radicalidade do evangelho, que é a radicalidade do Reino de
Deus (da vontade de Deus) às imposições religiosas, sociais e políticas das
“nossas famílias”. Isso não significa odiá-las, mas não podemos ter problema de
consciência, em nome do evangelho, de “separar-nos” de seu mundo e de suas
imposições. Isso é o que deve significar hoje, sem duvida, o “odiar”:
separar-nos de seus critérios, de suas imposições injustas e de seus caprichos
ou de “tradições ancestrais e sagradas”, às vezes, que não se pode manter se
não dignificam ou libertam de verdade. Isto, para a atitude dos cristãos no
mundo contra a injustiça, a guerra, a globalização sem misericórdia, deve ser a
verdadeira alternativa de identidade. Se não o fazemos, por não trair o entorno
“dos nossos”, teremos perdido nossa identidade como seguidores de Jesus e de
seu evangelho.
A família fornece ao primitivo
cristianismo uma de suas imagens básicas para definir a identidade e coesão
social cristã. Neste marco social e ambiental se entendem melhor as palavras de
Jesus e as consequências que se seguem para os que as aceitam e tratam de
vivê-las. Na antiguidade, a família numerosa tinha muita importância. Não só
era a fonte do próprio status comunitário, mas também funcionava como uma
empresa familiar, a principal rede de relações econômicas, religiosas,
educativas e sociais. A perda de conexão familiar significava a perda dessas
redes vitais, assim como a perda de conexão com o país. Mas a comunida cristã
podia ter as mesmas funções que a família de origem. A comunidade cristã, faz
as vezes de família, é o lugar próprio da boa nova. O Apóstolo Paulo na carta a
Filémon (cf. Fl
9b-10.12-17), preso em Roma, tenta por meio de uma carta pessoal ao seu
amigo mudar a mentalidade de um cristão, ele diz: “Eu Paulo, prisioneiro por
amor de Cristo Jesus, rogo-te por este meu filho Onésimo, que eu gerei na
prisão... não já como escravo, mas como irmão muito querido. É isto que ele é
para mim e muito mais para ti...” Onésimo, um escravo fugitivo a quem são Paulo
batizou em Roma durante o cativeiro, ele o chama de filho e o entrega a
Filémon, convidando-o a recebê-lo não como escravo, mas como irmão na
comunidade. Nisso consiste o especifico do ato cristão, pensar de uma forma
totalmente nova os laços familiares e uma sociedade onde não existe mais
escravo nem livres, porque somos todos irmãos.
O discípulo, como o homem que constrói uma
torre, ou o rei que deve ir a uma guerra, deve pensar e avaliar o que pretende
no compromisso do seguimento. As
duas pequenas parábolas que ilustram a exigência radical de Jesus tratam de empreendimentos
muito difíceis e problemáticos e, por isso mesmo, tem-se que enfrentá-los com sabedoria,
seriedade e não às pressas. Assim é como quem tem que enfrentar a difícil
missão de ser discípulo ou discípula de Jesus. Assim Ele quer evidenciar que
fazer-se seu discípulo é uma coisa seria: melhor não se apressar se não se está
disposto a ir até o final.
Por último, Lucas tirou uma conclusão: “quem não renunciar a tudo que possui, não
pode ser meu discípulo” (v. 33) Lucas quer nos
ensinar que tudo deve se por em comum, como sinaliza em Atos 4,34, para que não
haja necessitados ou indigentes entre os cristãos; ou seja, a razão de
renunciar aos bens é para que não haja pobres e inclusive para que haja justiça
no mundo. É verdade que não devemos atenuar a força do texto, e a leitura que
podemos fazer do evangelho terá distintos tons segundo o contexto cultural e
social onde se vive.
Jesus fala na renuncia a todos os bens para ser seu discípulo, não nos
pede que cumpramos os mandamentos, que sejamos bons. Pede-nos que sejamos
absolutamente disponíveis e que não tenhamos a obsessão do dinheiro. Devemos ser
conscientes de que a pobreza e a riqueza existem personificadas: há ricos,
poucos; e muitos pobres. Mas, há bens suficientes no mundo para que todos tenham
o necessário. O mundo é injusto por causa dos que amam as riquezas e o poder;
em muitos casos esses “amores” esses “apegos” quem nos transmite é a família, o
clã, os nossos, os interesses de classe e de grupo. Esse mundo se desmorona
ante a radicalidade do Reino e da vida de Jesus. Buscar a segurança nos bens
deste mundo é por o coração naquilo que nos distancia de Deus (por no deus
dinheiro). A renúncia à família e aos bens tem sua lógica e sua espiritualidade
profética. Supõe, é verdade, certo escândalo: o escândalo do Reino de Deus.
Esse é o sentido de saber e poder “levar
sua cruz” seguindo a Jesus. É um separar-se, uma ruptura a que se propõe. Por
isso, o discípulo, como o homem que constrói a torre, ou o rei que deve ir a
uma guerra, deve pensar e avaliar o que pretende no compromisso do seguimento.
Esse é o sentido de saber e poder “levar sua cruz” seguindo a Jesus. É um
separar-se, uma ruptura a que se propõe.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de
Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin,
Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado, Tempo Comum semanas XVIII-XXXIV. Lisboa
(Portugal), Paulus, 2010.
A desconcertante humildade
DATA: 01| SETEMBRO 2013
As realidades mais belas Jesus
as proclamou, as ensinou e as realizou à mesa, numa refeição. Lucas reuniu em seu evangelho alguns dos
ensinamentos de Jesus, através de conversas ao redor da mesa.
Na mesa se compartilha a vida, a amizade e os ideais, por isso sempre
teve importância compartilhar a refeição com alguém. Os comensais que compartilham a
mesa ficam unidos; "comer com outros" foi sempre símbolo de
solidariedade, estima, amizade, comunicação interpessoal e festa. O alimento se
converte em algo mais do que repor as forças e alimentar-se: É o contexto mais
espontâneo da acolhida e da hospitalidade, mais ainda para os orientais do que
para nós.
A literatura bíblica nos
demonstra que o povo judeu entendeu e praticou de maneira excelente esta
linguagem simbólica da refeição. Além da ceia pascal, os judeus tinham várias
outras refeições religiosas e festivas, como a refeição relacionada com o início
do sábado, as refeições de fraternidade, as refeições familiares etc.
Assim como para os judeus a refeição tem um sentido sagrado, para Jesus
a mesa tem um lugar importante em seus ensinamentos. Ele “se serviu da
linguagem do ‘comer com’ em seu anúncio do Reino... Como Ele aparece no
evangelho compartilhando a mesa com outros: na casa de amigos, como Lázaro ou
Mateus, ou de fariseus como Simão, e também de publicanos como Zaqueu, causando
escândalo aos fariseus que entendem muito bem esta linguagem como aproximação
de Jesus aos marginalizados e ‘pecadores’ da sociedade. Jesus não quer excluir
ninguém da salvação e da comunhão com Deus, e o simbolismo do compartilhar com
eles a comida é o mais expressivo na hora de proclamar a boa-nova. Multiplica
pães e peixes, converte água em vinho, aceita convites ou se autoconvida Ele
mesmo: está anunciando com ações simbólicas o perdão e o amor de Deus. Quando
fala do Reino, frequentemente o faz em chave de banquete festivo ao qual Deus
nos convida, como nas parábolas do filho pródigo ou do banquete do Reino. O gesto
da refeição é, para Jesus, uma ação profética com a qual quer dar a entender que
o Reino vem, que já está aqui, e que vem para todos.” (Aldazabal, 2002.)
As refeições com Jesus marcaram, portanto, a sensibilidade dos
discípulos, tanto as anteriores à Última Ceia como as posteriores com o
Ressuscitado; acabaram centrando todo o novo Povo de Deus em torno de uma mesa:
a mesa da Eucaristia, continuação das refeições com o Senhor, onde Ele mesmo,
de maneira sacramental é o alimento e o assunto da conversa. Jesus à
mesa define o rosto da nova comunidade, convocada em torno da mesa eucarística.
O evangelho de hoje (cf. Lc 14, 1.7-14) nos situa
neste ambiente da refeição, na
casa de um fariseu, num dia de sábado. (v.1) Trata-se certamente de uma das
refeições de fraternidade das comunidades dos fariseus chamadas “haburoth” (“haber” = companheiro). Para essas refeições tinham as “comunidades
farisaicas” o cuidado de não convidar ninguém que não cumprisse com as normas
estritas de comportamento, de preceitos etc. Não era admitido qualquer um a
estas ceias que tinham duas funções principais: eram lugares para o debate e
a controvérsia sobre diversos temas de interesse, e serviam aos anfitriões para
demonstrar seu status, para competir em prestígio e reconhecimento social com
seus convidados. Este último é o motivo pelo qual os convidados buscam
reclinar-se nos lugares mais próximos do anfitrião. E é o que Jesus vai
censurar, através de duas parábolas (vv.8-14).
Na primeira Jesus se dirige
aos comensais a propósito do lugar que devem ocupar quando são convidados:
“Quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar... quem se exalta será
humilhado e quem se humilha será exaltado”. (v. 10-11) e na segunda parábola se dirige a
quem convida para que faça uma boa escolha dos convidados: “Quando ofereceres
um banquete convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos, e serás feliz
por eles não terem com que retribuir-te.” (v.13) Claro, que nada é lógico nestas
parábolas, porque acontece que quando somos convidados a um banquete gostaríamos
de ser os principais; e quando convidamos gostaríamos de fazê-lo levando em
conta a importância dos convidados. Mas, não é isso o que se propõe nestas
parábolas. Na verdade, “Lucas relata este episódio porque sabe que nas suas comunidades há
discórdias. Sabe que, não obstante as exortações do Mestre, os anciãos, os
dirigentes dos diversos ministérios, se deixam levar pela ambição de ocupar ‘os
primeiros lugares’. Trata-se do eterno problema da Igreja: todos deveriam
servir, mas, na realidade, muitos buscam gananciosamente títulos honoríficos e
procuram aparecer nos primeiros lugares; alguns se incham de vaidade até mesmo
na celebração da mesa eucarística.” (Armellini, 1998.)
“Na verdade os ‘pensamentos’ do Senhor
não são os nossos pensamentos, a Sua sabedoria não é a nossa, os Seus projetos
são muito diferentes dos nossos (cf. Is 55,8-9). Por isso,
todas as vezes que nos aproximamos do Senhor, escutamos a Sua Palavra e
observamos o Seu comportamento sentimos a necessidade de converter o nosso
coração e de mudarmos de comportamento.
Todos procuramos ser grandes,
colocarmo-nos no centro, ocupar os primeiros lugares, ao passo que Jesus, que é
o Mestre e Senhor, escolhe para Si o último lugar e propõe a mesma opção para
os Seus discípulos (cf. Jo 13,12-15). Embora de
condição divina, Ele privou-se de Sua glória, ‘assumindo a condição de Servo e
tornado-se semelhante aos homens; por isso, foi exaltado e diante d’Ele se
dobra todo o joelho’ (cf. Fl 2,6-11). É esta a
lógica desconcertante de Deus e do messianismo insistentemente reafirmado por
Jesus e acolhido com compreensão total, não só pelas pessoas, também pelos
discípulos e pelos próprios Doze: o Filho do homem terá de ‘sofrer muito’ para
entrar na Sua glória (cf. 9,22.44; 12,50; 17,25; 18,31-33)... Perante
um Deus que se faz pobre e acolhe o último lugar é necessário que os nossos
banquetes de festa, e, sobretudo a mesa eucarística, na qual se deve inspirar
toda a vida dos crentes, executem concretamente o revolucionário projeto do
Deus que convida a que se coloquem no último lugar para servir, como fez
Jesus.” (Casarin, 2010.)
O evangelho como já percebemos,
se nos propõe a humildade. Alguém já afirmou que os cristãos dizem que a humildade
é uma virtude sobrenatural, mas é uma disposição não natural, quer dizer,
contra nossas naturais tendências. Por que, para ser um bom seguidor de Jesus é
necessário ser o último?
O que as pessoas consideram como
primeiro, para o cristão é último e vive-versa. Então estas diferenças
determinam também as escolhas concretas. Os que veem as coisas com os olhos de
Deus sabem que devem esforçar-se para ser o primeiro justamente no que os
outros consideram último. Na sociedade cada um se considera melhor que os
outros. O cristão sabe que Deus dá precedência aos pecadores que se arrependem.
Por isso quer considerar-se o último dos pecadores, mas que perdoado é
transformado no primeiro.
Na sociedade há uma luta pelo poder. O
primeiro é o que impõe sua vontade aos demais, o último é o que vai fazer o que
lhe ordenam e que, portanto, não poderá jamais ter um posto de honra no mundo.
Os cristãos veem o mesmo problema com olhos diferentes. Sabem que o primeiro ao
que é dado todo poder nos céus e na terra é Cristo que alcançou este lugar de
um modo especial, submetendo-se aos outros. Os cristãos seguem seu caminho e
aprendem de Jesus a ser “manso e humilde de coração”. (cf. Mt
11,29)
Aqui, a mim me parece, não cabe
outra explicação para a humildade que o próprio mistério da humildade divina,
que sendo o “todo poderoso”, se fez um de nós. ”Talvez a humildade seja então
algo diferente do que nós pensamos habitualmente. E, de fato, é o que
descobrimos, se olharmos melhor a obra de Jesus. O que Jesus fez para ser humilde?
Jesus se abaixou, desceu: não com palavras, ou com os sentimentos, mas com os
fatos. Começou quando... ‘humilhou-se e foi obediente até a morte’ (cf. Fl 2,6-8).
Durante a vida, depois, foi sempre coerente com esta escolha: Ele, o Mestre,
abaixa-se para lavar os pés dos discípulos, comporta-se como ‘aquele que
serve’; desce, desce, desce até que – tendo chegado ao ponto mais baixo, no
túmulo – chega o Pai para o apanhar, o eleva acima dos céus e o estabelece
chefe do universo, colocando tudo sob os seus pés. Eis como Deus mesmo realizou
sua Palavra: aquele que se humilhar será exaltado. Doravante, ser humilde
significa algo muito simples: ter os mesmos sentimentos de Cristo Jesus (cf. Fl 2,5),
comportar-se como Jesus se comportou.
Abre-se hoje uma porta para
que se compreenda de um modo novo o que é a humildade evangélica, a humildade é
antes de tudo uma questão de fatos, de escolhas, de atitudes concretas, não uma
maneira de sentir e de falar de si.
A palavra usada no Novo
Testamento para indicar o ato de humilhar-se significa literalmente:
abaixar-se, tender para baixo, fazer-se pequeno. Humildade é disponibilidade a
descer de nós mesmos, abaixar-se para os irmãos, é vontade de servir por amor,
não por algum cálculo ou vantagem ou glória que possam advir para nós mesmos. A
humildade é gratuidade”. (Cantalamessa,
2012.)
A parábola dos primeiros e dos
últimos lugares em um banquete e, sobretudo a da gratuidade do convite para o
banquete, em que se convidam os pobres porque eles não podem retribuir o convite,
não podem responder a nossa generosidade, serve a Jesus para revelar a
humildade.
O que é humilde é generoso,
misericordioso com os outros. Essa é a razão pela qual a humildade cristã é
atitude sábia e princípio de amor.
Bibliografia:
Textos e referências
bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Aldazábal, José.
A Eucaristia. Petrópolis, Editora Vozes, 2002.
Armellini,
fernando. Celebrando a palavra, Ano C. São Paulo, Editora Ave Maria, 1998.
Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado,
Tempo Comum, semanas XVIII-XXXIV. Lisboa (Portugal), Paulus, 2010.
Cantalamessa, Raniero. O verbo se faz Carne,
reflexão sobre a Palavra de Deus – Ano A,B,C. São Paulo, Ave Maria, 2012.
Uma porta aberta a todos
25|AGOSTO DE 2013
“A liturgia deste domingo fala-nos claramente da caminhada que todos
devem fazer para entrar em comunhão com Deus. Não é dada como privilégio a
ninguém. Ninguém, nem sequer aqueles que comem e bebem com Ele têm o exclusivo,
senão entrando num relacionamento vivo com Jesus e aceitando a lógica da cruz e
da ressurreição.” (Casarin, 2010.)
São Lucas nos apresenta no Evangelho de hoje (cf. Lc 13,22-30) Jesus que
caminha para Jerusalém. È uma viagem prolongada a que o terceiro evangelista se
refere em mais de uma ocasião. Neste detalhe muitos exegetas viram a intenção
de apresentar toda a vida pública de Jesus Cristo como um longo itinerário até
a Cidade Santa, o lugar do sacrifício supremo do Senhor, e também da vitória
total sobre a morte e seus inimigos. Jesus avança, dia a dia, até a imolação de
sua vida na cruz, caminha sem trégua até a entrega decidida e generosa à vontade
do Pai. É um itinerário longo, e penoso às vezes, que conduz, sem duvida, ao
triunfo e a glória. Um recorrer às etapas que conduzem à salvação, um exemplo
claro para que também nós façamos de nossos dias um caminho, que nos leva até
Jerusalém, até a cruz e a salvação.
Jesus percorre cidades e aldeias ensinando, a salvação é para todos. Possivelmente
a propósito deste ensinamento um ouvinte lhe pergunta: “Senhor, é pequeno o
número dos que se salvam?” (v.23) Ainda que pareça estranha esta pergunta temos que levar em conta que ela
era normal no ambiente farisaico daquele tempo e se segue repetindo de
diferentes maneiras e tons no tempo presente. Também em nossos dias são
numerosos os que querem ter uma resposta precisa e definitiva sobre o número
daqueles que entrarão no céu e por isso se discute tanto sobre a sorte dos que
morrem sem estar batizados, dos infiéis, dos hereges e dos pecadores.
À pergunta que lhe fazem Jesus não quer dar uma resposta dizendo o
número dos que vão se salvar, se muitos ou poucos. Não era sua missão
satisfazer a curiosidade das pessoas neste sentido. Mas, sim indicar uma porta,
um caminho para fazer parte de sua comunidade. Jesus responde a seu ouvinte
apresentando-lhe a exigência do reino: “Esforçai-vos por entrar pela porta
estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão estrar e não conseguirão”.
(v.24)
“A imagem da porta estreita
usada por Jesus é muito ilustrativa. Quando começava a escurecer, fechavam-se
os portões da cidade e dos palácios e abria-se uma pequena porta, por onde só
passava uma pessoa por vez, podendo-se assim controlar quem entrava e quem
saia. Além de a porta estreita sugerir a penitência, sugere também que a
passagem para o Reino é um assunto individual: cada um, com os próprios pés e
na própria vez, entra ou sai. Não se entra por delegação. Não posso mandar
outro a participar do banquete do Reino no meu lugar. Não posso tomar o lugar
de outro. A salvação é uma decisão intransferível.” (Neotti, 2003.)
A porta sugere a ideia de
passagem, do limiar entre o conhecido e o que está por trás da porta, o
desconhecido. Ela se abre para um mistério; ao mesmo tempo leva psicologicamente
a uma ação: abri-la, fechá-la ou ultrapassá-la. Passar para o Reino, para dele
participar exige esforço, luta, conversão. Jesus faz-nos um convite irrecusável: “esforçai-vos
para entrar pela porta estreita” ou o
que é igual, tem que fazer-se própria a opção por Jesus e pô-la em prática em
um mundo no qual os valores evangélicos não prevalecem. Para Jesus a questão
não é, portanto, salvar-se, pois para isto, como Ele disse ao jovem rico, basta
cumprir os mandamentos que olham o próximo, mas sim aderir-se ou não à sua
mensagem para transformar o mundo, suplantando a injustiça que tem nele.
A salvação, segundo Jesus, começa pondo em prática os valores
evangélicos, e não por pertencer a um determinado povo. Qualquer um, “do oriente
ou do ocidente, do norte ou do sul, tomarão lugar à mesa do Reino de Deus” (v.29), pois o Reino é uma comunidade de “porta
estreita”, à que se entra negando os valores do mundo que se opõem ao Evangelho,
mas aberta para quem deseja aderir a sua mensagem humanizadora.
Esse universalismo da salvação, Israel descobriu na dolorosa experiência
de sua deportação para a Babilônia, ao viver entre os gentios-pagãos. O livro
de Isaías se encerra (cf. Is 66, 18-21) profetizando, abrindo o horizonte a uma
visão ecumênica e missionária: O Senhor reunirá todas as nações e todas as
línguas para que venham contemplar a sua glória e anunciá-la entre as nações. Utilizando
todos os meios humanos de transporte as nações do mundo reconduzirão a Jerusalém
os filhos de Israel que estavam dispersos. E esta grande repatriação será como
uma oferenda ao Senhor e um reconhecimento de que Ele é o Senhor e Deus das
nações. Em recompensa, o Senhor escolherá também dentre os gentios, sacerdote e
levitas. De agora em diante, todos serão um só povo eleito.
Mas, de outro modo, a lógica do judaísmo contemporâneo de Jesus e a
visão interna da maior parte das grandes religiões compreendida também a
católica, tem intentado sempre responder a pergunta: quem ou quantos se salvarão?
Um judeu normal teria respondido: se salvam os verdadeiros judeus e se condenam
os gentios. Um católico de antes do Concílio: se salvam os que fazem parte da
Igreja e se condenam os que estão fora dela. Certamente este estar fora se
interpreta com as devidas distinções e matizes. Não faltarão judeus que afirmam
que um bom gentio faz parte implícita da comunidade de salvação, assim como
também os católicos também falam de uma pertença ou um tipo de catolicismo ou
cristianismo implícito. Estas respostas, no fundo, constituem uma escolástica
vazia, já que todos sabem que os caminhos de Deus na história são sempre um
enigma.
Eu penso que temos que centrar-nos na palavra do Evangelho. O importante
não é a sorte dos outros, mas sim a exortação que Jesus nos dirigiu a cada um
de nós: “esforçai-vos por entrar pela porta estreita”. A salvação não é um tema
de curiosidade, mas sim de compromisso. Jesus acrescenta alguns conselhos
preocupantes para nós.
Há pessoas que se consideram com direitos sobre o Reino: são aqueles que
se aproximam da porta e pedem que se lhas abra. Suas razões parecem evidentes
ao menos para eles: “Nós comíamos e bebíamos em tua presença, e tu ensinaste em
nossas praças”. (v. 26) Comeram com o Senhor e escutaram suas palavras. Evidentemente são amigos
e podem ter o luxo de dizer: “Senhor, abre-nos a porta!” Mas, o Senhor
responde: “Não sei de onde sois; afastai-vos de mim, vós todos, que cometeis
injustiças!” (v. 27) Ainda que pareça que sejam amigos na realidade são inimigos. Jesus não
os reconhece porque praticam iniquidades.
Os que comeram com Jesus a quem chamam seu Senhor e sem duvida são estranhos
são em primeiro lugar os judeus que não se converteram escutando sua Palavra,
mas também são os cristãos que também comeram com Jesus (eucaristia), escutaram
sua Palavra e lhe chamam de Senhor em suas orações, mas praticam a injustiça, não
põem em prática a Palavra de Jesus, não aceitando a mensagem do seu Reino e,
portanto, ficam de fora. Visto em si mesma a mensagem de Jesus deve ser apresentada
em forma de convite à conversão ou penitência e à confiança absoluta e não como
ameaça. Tal é o sentido da palavra salvadora. Vista em relação com aqueles que estão
fora é um motivo de esperança.
A justiça de Deus se traduz em forma de salvação para os povos porque
aqueles mesmos que buscam com temor a própria salvação esforçando-se por entrar
pela porta estreita, devem admirar a providência salvadora de Deus que chamará
a seus filhos do Oriente e do Ocidente, do norte e do sul de toda a terra. “Eis
que há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos”. (v.
30) Daí que os primeiros – os que
desde sempre, pertencendo ao povo de Israel gozaram de ser “o povo eleito”, mas
recusaram a mensagem de Jesus – serão últimos – como os pagãos tinham sido –, e
haverá últimos – os pagãos, excluídos segundo os judeus do Reino de Deus – que serão
primeiros, a condição é de que aceitem por norma de vida a mensagem de Jesus.
Deus oferece sua salvação a todos por igual. Já não bastará pertencer a
um povo, a uma raça, a uma cultura para considerar-se salvo, nem a salvação
será a questão mais importante a debater. A entrada no Reino ou comunidade
cristã, que é porta de salvação, se realizará pela opção pessoal e pela adesão
individual a mensagem vivida na prática de cada dia. Quem assim o fizer,
pertençam ou não ao povo de Israel, já estão salvos em vida, pois aprenderam
que a verdadeira vida começa quando, como Jesus, nos comprometemos a dá-la para
que os outros tenham vida abundante.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de
Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe.
(org.) Leccionário Comentado, Tempo Comum semanas XVIII-XXXIV. Lisboa
(Portugal), Paulus, 2010.
Neotti, Frei Clarêncio. Ministério da Palavra, Ano C.
Petrópolis, 18|AGOSTO DE 2013
Maria, a mulher bendita por todas as gerações
“Vem! Vou mostrar-te a Esposa, a mulher do Cordeiro!” (Ap 21,9) Com essas palavras de um anjo do
apocalipse ao vidente João, somos nesta liturgia convidados a contemplar a
Virgem Maria, que como ao pé da Cruz era símbolo da Igreja nascente e
peregrina, agora no céu, na nova Jerusalém é a primeira desta Igreja
glorificada.
As comunidades eclesiais sempre se
identificaram com Maria, pois ela além de ser a Mãe do Salvador é também a irmã
que vive os dramas de toda a comunidade cristã, que acompanha os irmãos e irmãs
de fé nos momentos difíceis. Aclamada de geração em geração, nela as
comunidades descobrem a raiz do seu ser Igreja e de sua missão no mundo. Esta
experiência das comunidades cristãs com a Virgem Maria, mulher profundamente
identificada com Deus nos é descrita no Apocalipse de São João (cf. Ap 11, 19a.12,1-6a.10) como “um sinal grandioso que
apareceu no céu”. Trata-se de uma mulher, a Igreja ou a Virgem Maria “membro
eminente e único da igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na
caridade.” (LG 53)
Ignoramos como e quando se deu os últimos dias e a morte da Mãe de
Jesus e a Sagrada Escritura nada afirma a esse respeito. Desde o final do século
IV temos referências a um túmulo vazio em Jerusalém e a celebração de uma festa
do “trânsito ou dormição de Maria”.
Pouco a pouco o tema da “dormição”
é substituído pelo da “assunção”. Mesmo
sem um consenso sobre o que teria acontecido com A Virgem Maria no final de sua
vida, a devoção a sua assunção ao
céu, glorificada junto de Cristo, sempre foi uma crença geral do povo
cristão.
Depois da definição do dogma da imaculada Conceição (1854), houve
um forte movimento mariano para que a crença devocional da assunção de Maria
fosse transformada em dogma. Em 1950 a Igreja proclamou o dogma da assunção e na
afirmação dogmática, Pio XII não entra em detalhes se Maria morreu ou não. A
grande razão teológica é que a Mãe de Deus, a Virgem Maria foi elevada em corpo
e alma à glória do céu, estando estreitamente unida a seu Filho e compartilhando
o seu destino.
“A palavra assunção significa ‘ser assumido(a) por alguém’. Na
teologia tradicional se distingue a ascensão de Cristo da assunção de Maria. O
Cristo glorificado, ao terminar sua missão na terra, volta para o Pai que está
no céu. Embora o texto de Lucas diga que Jesus é levado para o céu (Lc 24,51;
At 1,9), atribui-se
ao Filho de Deus encarnado e glorificado uma função ativa, pois ele retorna
para a condição de onde veio. Já para Maria, como criatura, atribui-
se uma função passiva: ela é assumida por Deus na sua glória.
Maria não entra no âmbito da eternidade por sua própria conta, mas sim devido à
ação salvifica de Deus...
À luz da antropologia e da escatologia cristãs, não se compreende
a assunção de Maria de forma literal, como se ela subisse ao céu com o corpo
que possuía aqui na terra, com ossos, pele, carne e sangue. A assunção é a
participação de Maria na ressurreição de Cristo. Não se trata de uma viagem, de
um mero deslocamento geográfico, e sim de uma transformação da realidade
humana. O corpo de Jesus ressuscitado, como o de Maria assunta ao céu, não é
como o de Lázaro (Jo 11,43-44) ou do filho da viúva de Naim (Lc 7,13-15). Essas pessoas, mais cedo ou
mais tarde, voltaram a morrer, e seus corpos se degradaram. O corpo de Maria,
ao contrário, foi transformado e assumido por Deus, embora não saibamos os
detalhes... Importante é crer que Maria já está glorificada junto de Deus, toda
inteira. Ela já está vivendo o que está prometido para cada um de nós:
participar do banquete da vida, levando consigo o amor e seus frutos cultivados
nesta existência.
Cremos que Maria está junto de Jesus, glorificada por inteiro.
Deus assumiu e transformou toda a sua história, suas ações e seu corpo.” (Murad,
2012.)
A assunção da Virgem Maria é, portanto, a imagem da Igreja que
chegará à sua plenitude nos tempos futuros. E já desde agora, Maria brilha
diante do povo de Deus peregrino neste mundo, como sinal de esperança. Sinal de
Deus para a Igreja, que caminha na história, em meio a tantos desafios externos
e conflitos internos. Como nos diz o Concilio Vaticano II no documento
conciliar Lumen Gentium: “Do mesmo
modo que a Mãe de Jesus, já glorificada no céu em corpo e alma, é a imagem e
primícias da Igreja, que há de atingir a sua perfeição no século futuro, assim
também já agora na terra, enquanto não chega o dia do Senhor (cf. 2Pd
3,10), ela
brilha, como sinal de esperança segura e de consolação, aos olhos do Povo de
Deus”. (LG n. 68)
“Ninguém sofreu tanto com Jesus como Maria e, por isso, ninguém é
mais glorificado com Jesus do que ela. Mas, em que consiste a glória de Maria?
Há uma glória de Maria que podemos ver com os nossos olhos na
terra. Que criatura humana foi mais amada e invocada na alegria, da dor e no
pranto, que nome aflorou com maior frequência do que o seu nos lábios dos
homens? E isso não é glória? A qual criatura, depois de Cristo, os homens
ergueram mais orações, mais hinos, mais catedrais? Que rosto, mais do que o
dela, procuraram reproduzir com sua arte? ‘Todas as gerações me chamarão
bem–aventurada’, tinha dito Maria de si mesma ou, melhor, tinha dito dela o
Espírito Santo. E vinte séculos cristão estão aí para demonstrar que era
verdadeira a profecia. Não é possível que uma pobre mocinha, desconhecida do
mundo inteiro, diga de si mesma uma coisa como esta, ou que outros digam dela, sem
uma intervenção de Deus. Ou se trata de um exaltado e de um louco, ou de alguém
que é inspirado por aquele que conhece o futuro...
Grande foi, pois, a glória de Maria na terra. Mas, por acaso, é
esta a glória de Maria, toda a sua recompensa por aquilo que sofreu com Cristo?
Nós somos prisioneiros de um conceito de glória que provém do paganismo antigo,
e do qual ainda não conseguimos libertar-nos. Conforme este conceito, glória, é
algo que diz respeito essencialmente ao conhecimento, à notícia, à opinião.
Glória é um claro conhecimento misturado com o louvor. Maria, porém está na
glória de Deus, não na glória dos homens. E o que é a glória de Deus, do qual
fala a Bíblia? Não diz respeito só à esfera do conhecimento, mas também à do
ser. A glória de Deus é Deus mesmo, enquanto o ser é luz, beleza, esplendor e,
sobretudo amor... A verdadeira glória de Maria consiste na participação nesta
glória de Deus, no ter sido envolvida por ela, no se ter abismado nela. No ser
de agora em diante ‘cheia de toda a plenitude de Deus’ (cf. Ef
3,19). Mais do
que isso não nos é licito saber ou dizer.” (Cantalamessa, 1992.)
Ao celebrarmos a glória de Maria, a mulher bendita entre todas as
mulheres, que Deus Pai associou à ressurreição de seu Filho, “a Igreja, rende
graças por todas e cada uma das mulheres: pelas mães, pelas irmãs, pelas
esposas; pelas mulheres consagradas a Deus na virgindade; pelas mulheres que se
dedicam a tantos e tantos seres humanos, que esperam o amor gratuito de outra
pessoa; pelas mulheres que cuidam do ser humano na família, que é o sinal
fundamental da sociedade humana; pelas mulheres que trabalham
profissionalmente, mulheres que, às vezes, carregam uma grande responsabilidade
social; pelas mulheres “perfeitas” e pelas mulheres “fracas” [...] A Igreja
agradece todas as manifestações do “gênio” feminino surgidas no curso da
história, no meio de todos os povos e nações; agradece todos os carismas que o
Espírito Santo concede às mulheres na história do Povo de Deus, todas as vitórias
que deve à fé, à esperança e caridade das mesmas: agradece todos os frutos de
santidade feminina”. (João Paulo II, “Mulieris dignitatem”,
1988)
Este tema da mulher na Igreja e de sua
responsabilidade eclesial esta na afirmação de Bento XVI: “A história do
cristianismo teria tido um desenvolvimento muito diferente, se não houvesse a
generosa contribuição de muitas mulheres... Além dos Doze, colunas da Igreja, pais do novo Povo de Deus, são
escolhidas no número dos discípulos também muitas mulheres... Mulheres que
desenvolveram um papel ativo no contexto da missão de Jesus.”
(Audiência Geral, 14.02.2007)
Ainda para Bento XVI, “não poucas
vezes é a mulher que, com a sua sensibilidade religiosa, com a delicadeza e a
doçura pode fazer o marido percorrer um caminho de fé. Penso com reconhecimento
em tantas mulheres que, dia após dia, ainda hoje iluminam as próprias famílias
com o seu testemunho de vida cristã.” (Audiência do dia 27 de Outubrode
2010)
O Papa Francisco já ressaltou que as
mulheres têm um papel essencial e especial na Igreja, no caminho da fé e no abrir as portas
ao Senhor... As mulheres são movidas por amor e estão prontas para aceitar este
anúncio com fé: acreditam, e imediatamente o transmitem, não o guardam para si
mesmas, transmitem-no... Nos Evangelhos as mulheres têm um papel primário,
fundamental são as primeiras testemunhas da ressureição. Isso mostra que Deus
não escolhe segundo os critérios humanos." (Audiência Geral, 03.04.2013)
Já na entrevista aos jornalistas na volta de sua viagem ao Brasil o Papa
Francisco questionado sobre o papel das mulheres na Igreja
afirma que: “Uma igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico sem Maria.
O papel da mulher na igreja não é só maternidade, a mãe da família. É muito
mais forte. A mulher ajuda a Igreja a crescer. E pensar que a Nossa Senhora é
mais importante do que os apóstolos! A igreja é feminina, esposa, mãe... Creio
que se deva ir adiante com esse papel. Não se pode entender uma igreja sem uma
mulher ativa... Acredito que, até agora, não fizemos uma profunda teologia
sobre a mulher. É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o
que eu penso.”
Realmente não
podemos ignorar o papel importantíssimo das mulheres levando adiante tantos
projetos pastorais e missionários e também sua contribuição de longa história à
Teologia nas principais faculdades de teologia e centros de formação do clero e
institutos de vida consagrada. Nossa gratidão a todas as mulheres Igreja, ao
contemplar a mulher bendita entre todas as mulheres da terra.
Bibliografia:
Textos e referências
bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Murad, Afonso. Maria
toda de Deus e tão humana, compêndio de Mariologia. São Paulo, Paulinas,
Santuário, 2012.
Cantalamessa,
Raniero. Maria um espelho para a Igreja. Aparecida (São Paulo, Santuário, 1992.
MANDO-NOS UM E-MAIL SI QUISEREM EM WORLD, JOSIELIODINIZ@HOTMAIL.COM
Parabéns pelo novo visual do site da Paróquia N.S. de Fátima. Agora é "gostoso" navegar nele e os artigos aparecem mais nítidos, com melhor evidência.
ResponderExcluirAgradeço a preciosa colaboração do padre Assis com a sua homilia dominical que reproduzimos em nosso site, junto com mais 200 outras homilias em língua portuguesa, italiana e em espanhol.
Um grande abraço - padre Félix - www.padrefelix.com.br