O
evangelho de São Lucas nos oferece (cf. 12, 32-48) qualidades que os discípulos
de Jesus devem ter para segui-lo no seu caminho para Jerusalém, onde sabemos
que acontecerá o desfecho final de sua obra e missão. Através de uma série de
elementos que estão também presentes no famoso sermão da montanha em Mateus,
Lucas nos apresenta um conjunto de ditos e parábolas sobre a vigilância e a
fidelidade ao Senhor.
Lucas,
vivendo no ambiente mercantilista do Império Romano, escrevendo em uma cidade,
Éfeso ou Corinto, vê constantemente o mal causado pelas falsas ilusões da
riqueza e bem estar, além do escândalo da fome (cf.16,19-31). Ele é um
evangelista que cuida, mais que nenhum outro, deste aspecto tão determinante da
vida social e econômica e como os cristãos deviam tomar uma postura frente à
injustiça e a divisão de classes. Se escrevesse hoje, não precisaria mudar
muito. Nesta realidade em que vivemos de uma sociedade consumista, diz-nos
Jesus, que a primeira coisa que temos que fazer é desapegar nosso coração do
afeto imoderado ao dinheiro: “Vendei vossos bens e daí esmola. Fazei bolsas que
não fiquem velhas, um tesouro inesgotável nos céus, onde o ladrão não chega nem
a traça rói. Pois onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.”
(Lc 12,33-34) Se para nós o mais importante na vida é o dinheiro, se temos
posto nosso coração no dinheiro, dificilmente poderemos entender a mensagem evangélica.
Cristo nos diz que devemos por o coração nos valores do Reino de Deus, nos
valores evangélicos. Isto não é nada fácil, porque o dinheiro e os prazeres
deste mundo nos tentam continuamente. Por isso, devemos estar sempre
vigilantes, para que não se introduza em nosso coração o apego ao dinheiro e
aos bens deste mundo. Cristo viveu totalmente desapegado do afeto ao dinheiro,
preocupado unicamente dos valores do Reino. Como cristãos, devemos fazer nós o
mesmo.
“Precisamos possuir alguns bens para viver, é certo; mas
não são a fonte da vida nem está neles a chave e o segredo para ser pessoa.
Porque somente quem ama e vive em solidariedade e abertura aos outros, dando-se
a Deus e ao próximo, tem uma vida autêntica e, em última análise, é feliz
porque entende a vida com sabedoria. O sem-sentido da vida aparece quando o
homem se fecha a Deus e aos irmãos, pois sem relação com os valores perenes que
Deus, Cristo e o próximo representam, as coisas e os bens carecem de referência
que lhes dê um valor que em si mesmos não possuem para a felicidade humana,
como demonstra a experiência.” (Caballero, B. 2000.)
Na teoria sabemos tudo isso! Que o mais importante não é
o dinheiro e sim Deus e as coisas de Deus, mas não é bem assim que se passa em
nossa vida, quando nos decuidamos e não vigiamo o dinheiro acaba se convertendo
no mais importante. Talvez o problema real está em discernir qual é o maior bem
para nós e que meios usamos para consegui-lo. E por isso Jesus pergunta onde
está o teu tesouro?
Que tesouro tenho eu e que posso compartilhar com os
outros? Essa é a força transformadora do amor, que nos transforma a nós e
transforma nossa relação com os outros. Quem descobriu este tesouro
do amor desprendido e o compartilha põe nele todo seu coração e se mantém
administrador vigilante e fiel.
“Qual
é, então, o administrador fiel e prudente que o senhor constituirá sobre o seu
pessoal para dar em tempo oportuno a ração de trigo? (Lc 12,42) “Ao fazer uso
da imagem do administrador, procura Ele (Jesus) representar aqueles que têm
alguma autoridade ou poder sobre outros. A aplicação incidia diretamente sobre
Pedro e os Apóstolos, que receberiam em suas mãos a instituição da Igreja e
também abrangeria os pais, tutores, etc. A primeiríssima obrigação do
administrador é a de não se apropriar de nenhum dos bens que o Senhor lhe
confiou e por isso não procurar seu prazer, sua glória e sua vontade, mas sim o
puro interesse de seu senhor. Em segundo lugar, deve ser prudente, discernindo
com senso de hierarquia como distribuir os trabalhos em proporção aos talentos
e às forças de cada um. Ademais, deverá prover às necessidades de todos,
oferecendo-lhes os meios e instruções, sustento, etc., para o desempenho das
respectivas funções. Procedendo com esse amor à perfeição, a autoridade, ao
encontrar-se como seu senhor, além da bem-aventurança, receberá a administração
de toda as suas posses.”(Clá, 2012.)
Todos
sabemos como é difícil administrar fiel e diligentemente uma empresa e
administrar bem, em geral, a vida dos outros. Que se pergunte a nossos
políticos e governantes. Mas, eu creio que governar bem nossa própria vida é
ainda mais difícil que administrar bem a vida dos outros. Porque o egoísmo, a
ambição, os aparentes interesses, a falta de sinceridade, nos cegam
tremendamente e nos impedem de ver-nos a nós mesmos com imparcialidade e
realismo. Muitas vezes nem reconhecemos nossa incompetência para administrar
nem a nossa vida, quanto mais a dos outros.
A
parábola do evangelho de hoje não é dirigida apenas aos governantes e
administradores em geral, mas também vai diretamente a seus discípulos, a “seu
pequeno rebanho”. A eles lhes diz Jesus, que devem estar sempre preparados para
que quando chegar o Senhor lhes encontre vigilantes, dispostos a abrir-lhe a
porta, porque, “na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem.” (Lc
12,40)
“O
Senhor virá. É absolutamente certa sua vinda... Poderá ser, portanto, num dia
inesperado; numa idade na qual nada havia para temer, quando os grandes planos
se multiplicavam, e, quiçá, as inclinações já se lançavam nos prazeres,
realizações, negócios...” (Ibid. Clá.) Um cristão, um discípulo de Cristo, deve
entender sempre sua vida como uma preparação para a vida eterna. Este mundo é
caminho para o outro, e cumpre ter bom tino administrativo para andar neste
caminho sem “errar”. O negócio mais importante de nossa vida é nossa vida mesma
e nossa vida aqui na terra, falando em cristão, deve conduzir-nos diretamente à
vida eterna. Porque, se administramos bem nossa vida, quando chegar o Senhor
“nos fará sentar a sua mesa e nos irá servir”.
Administrar
bem a nossa própria vida é viver de tal modo que sejamos dignos de receber a
vida eterna. O mais importante dessa mensagem é que cada um, assumindo o que
Deus lhe confiou, a sua responsabilidade de cuidar do mundo, de cuidar do bem
de todos os que estão em casa, conhecendo a vontade do Pai no dia-a-dia, está
preparando sua eterna e alegre companhia junto a Cristo.
Bibliografia:
Textos
e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Dias, Mons. João Scognamiglio Clá. O inédito sobre os
Evangelhos, comentários aos Evangelhos dominicais Ano C – Domingos do Tempo
Comum. Vol VI. São Paulo, Instituto Lumen Sapientiae, 2012.
Caballero, B. A Palavra de Cada Domingo, Ano C. Apelação
(Portugal), Paulus, 2000.
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