Paróquia de Nossa Senhora de Fátima
CATEQUESE QUARESMAL
1. O Mistério do pecado em face do amor de Deus
Org. Pe. José Assis Pereira Soares
- «Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós próprios e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele que é fiel e justo perdoar-nos-á os pecados.» (1Jo 1,8s).
Estas palavras inspiradas introduzem melhor do que qualquer outra expressão humana a reflexão sobre o pecado. Elas apreendem o problema do pecado, enquanto parte integrante da verdade acerca do ser humano, mas, inserem-no imediatamente no horizonte divino, no qual o pecado é confrontado com a verdade do amor de Deus, justo, generoso e fiel, que se manifesta, sobretudo pelo perdão e pela redenção. Por isso, o próprio São João escreve pouco depois que «se (o nosso coração) de alguma coisa nos acusa. Deus é maior do que o nosso coração.» (1Jo 3,20)
- Reconhecer o próprio pecado, ou melhor, reconhecer-se pecador, capaz de pecar e de ser induzido ao pecado, é o princípio indispensável do retorno a Deus. É a experiência exemplar de Davi, que depois de «ter feito o mal aos olhos do Senhor», repreendido pelo profeta Natan (cf. 2Sm 11-12), exclama: «Reconheço a minha culpa, o meu pecado está sempre diante de mim. Pequei contra vós, só contra vós; pratiquei aquilo que é mal aos vossos olhos.» (Sl 50(51), 5s.)
- O livro do Gênesis 1-11, contém as narrativas primordiais: Adão, Caim, Noé, Babel. Esses atos são símbolos de nossos grandes pecados. Não são relatos históricos, o seu sentido é muito mais profundo. Em narrações simbólicas, descreve-se o núcleo de toda a história humana, desde o início até o fim dos tempos. Adão é “o Homem”; Caim, dele se escreve nos jornais sensacionalistas, e pode ser encontrado em nosso próprio coração; Noé e os construtores da torre de Babel: somos todos nós.
- Mas Deus não entrega o homem à sua miséria. Já em Israel demonstra-se um Deus incompreensivelmente misericordioso. Também as narrativas primordiais deixam isso bem claro: depois de cada queda da parte do homem, um gesto de graça, da parte de Deus. Na fuga do paraíso, o próprio Deus fornece vestimenta e proclama solenemente, a promessa de que a descendência da mulher há de esmagar a cabeça da serpente. Caim recebe dele sinal indicativo de que não pode ser morto. Na história de Noé, predomina sumamente o elemento de “salvação”. E depois de Babel, a partir daí inicia-se imediatamente a história de Abraão, que significa o começo da grande restauração que o Filho de Deus há de trazer a toda humanidade.
- Se lermos a página bíblica da cidade e da torre de Babel à luz da novidade evangélica e a confrontarmos com a outra página da queda dos primeiros pais, podemos tirar daí elementos preciosos para uma tomada de consciência do mistério do pecado. Porque por dentro da realidade da experiência da liberdade humana agem fatores, pelos quais ela se situa para além do humano, na zona limite onde a consciência, a vontade e a sensibilidade do homem estão em contato com forças obscuras (cf. Rm 7,7-25; Ef 2,2; 6,12).
- Da narração bíblica relativa à construção da torre de Babel emerge um primeiro elemento, que nos ajuda a compreender o pecado: os homens pretenderam edificar uma cidade, reunir-se numa estrutura social, ser fortes e poderosos sem Deus, se bem que, talvez não contra Deus. Neste sentido, a narração do primeiro pecado no Éden e a narração de Babel, não obstante as diferenças notáveis, de conteúdo e de forma, têm um ponto de convergência: em ambas nos encontramos diante de uma exclusão de Deus, pela oposição frontal a um mandamento seu, por uma atitude de rivalidade em relação a ele, pela ilusória pretensão de ser «como ele» (Gn 3,5). Na narração de Babel, a exclusão de Deus não aparece tanto num tom de contraste com Deus, mas como esquecimento e indiferença em relação a ele, como se o mesmo Deus não merecesse nenhum interesse no âmbito dos desígnios empreendedores e associativos do homem. Mas em ambos os casos a relação com Deus é cortada com violência. No caso do Éden, aparece com toda a sua gravidade e dramaticidade aquilo que constitui a essência mais íntima e mais obscura do pecado a desobediência a Deus, à sua lei, à norma moral que ele deu ao homem, gravando-lhe no coração e confirmando-a e aperfeiçoando-a com a revelação.
- Exclusão de Deus, ruptura com Deus, desobediência a Deus: é isto o que tem sido, ao longo de toda a história humana, e continua a ser, sob formas diversas, o pecado, que pode chegar até à negação de Deus e da sua existência: é o fenômeno chamado ateísmo.
- Desobediência do homem, que – com um ato da sua liberdade – não reconhece o senhorio de Deus sobre a sua vida, pelo menos naquele momento determinado em que viola a sua lei.
- Nas narrações bíblicas acima recordadas a ruptura com Deus desemboca dramaticamente na divisão entre os irmãos.
- Na descrição do “primeiro pecado”, a ruptura com o Senhor espedaçou, ao mesmo tempo, o fio da amizade que unia a família humana; tanto assim que as páginas do Gênesis que se seguem nos mostram o homem e a mulher, como que a apontarem com o dedo acusador um contra o outro; (cf. Gn 3,12) depois o irmão que, hostil ao irmão, acaba por tirar-lhe a vida. (cf. Gn 4,2-16).
- Segundo a narração dos fatos de babel, a consequência do pecado é a desagregação da família humana, que já começara com o primeiro pecado e agora chega ao extremo na sua forma social.
- Quem quiser indagar sobre o mistério do pecado não pode deixar de considerar esta concatenação de causa e efeito. Como ruptura com Deus, o pecado é o ato de desobediência de uma criatura que, pelo menos implicitamente, enjeita aquele do qual proveio e que a mantém em vida; é, portanto, um ato suicida.
- Com o pecado o homem se recusa a submeter-se a Deus, também se transtorna o seu equilíbrio interior; e, precisamente no seu íntimo, irrompem contradições e conflitos. Assim dilacerado, o homem produz, quase inevitavelmente, uma laceração no tecido das suas relações com os outros homens e com o mundo criado. É uma lei e um fato objetivo, que têm confirmação em muitos momentos da psicologia humana e da vida espiritual, como aliás, na realidade da vida social, onde é fácil observar as repercussões e sinais da desordem interior.
O caráter mistérico do pecado.
- O pecado é mistério que nos é revelado como incluído no mistério do Cristo Redentor. È mistério, porque a ação e a atitude livre da pessoa, em resposta ao apelo de Deus, não é jamais totalmente conceitualizável. Não se poderá, pois falar do pecado senão em relação ao mistério do relacionamento do homem dom Deus em Cristo.
- O mistério de Cristo, assim como ele se realiza na história revela qual é a estrutura fundamental e o sentido último da vida do homem. Esta aparece como ser que vive necessariamente em diálogo com Deus e com os outros homens; existe, pois, em virtude dos outros, com os outros e para os outros.
- A misteriosa profundidade do pecado aparece mais claramente revelada no evento pascal. Na morte de Cristo, de fato, o pecado aparece, ao mesmo tempo, como negação de Deus, negação dos outros e negação de si mesmo. Negação de Deus, porque Jesus Cristo é Deus que morre pelo pecado dos homens. Negação dos outros, porque Jesus Cristo, que morre pelo pecado, é irmão de todos os homens, sendo todos criados à imagem dele e sendo todos solidários com ele. Negação dos outros, porque a recusa de Cristo com o pecado é recusa da aliança à qual são chamados todos os homens, é recusa e negação do Reino, do novo futuro prometido por Deus a todos os homens. Negação, enfim, de si mesmo, porque Jesus Cristo é a Palavra de Deus que nos põe na existência e nos convida à construção de nós mesmos numa comunhão de vida sempre mais perfeita com ele e com os irmãos.
- A morte de Cristo nos revela nosso pecado como ação e atitude livre e responsável de cada homem: porque Cristo morre pelos nossos pecados, por cada um de nós.
- Mas o não do homem foi superado pelo sim definitivo de Deus na ressurreição de Cristo. Nela Jesus Cristo venceu definitivamente as potências adversas, o príncipe deste mundo, isto é, libertou definitivamente o homem da escravidão do pecado que existe no mundo. Com a sua ressurreição reconciliou todo homem com o Pai e oferece a todos os pecadores esta superabundante justificação. Porém, na visão cristã do homem e da história, o pecado é momento negativo a superar mediante a inserção livre e voluntária, na fé e nos sacramentos, no mistério pascal de Cristo.
- O mistério do pecado é formado por esta dupla ferida, que o pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo. Por isso pode falar-se de pecado pessoal e social: todo o pecado sob um aspecto é pessoal, e todo o pecado sob outro aspecto é social enquanto e porque tem também consequências sociais.
Como foi possível que o pecado entrasse na obra de Deus?
- Deve ter havido um primeiro momento em que começou o pecado. A entrada do pecado no mundo relaciona-se com a liberdade humana; na humanidade crescia a liberdade e, com ela, nasceu o pecado.
- O pecado só pode ser cometido, se se possui certo grau de liberdade – sem isso, nunca pode haver pecado! E liberdade significa que o homem tinha a capacidade de não o fazer.
- Mas, o que é o pecado?
Muitos cristãos se reconhecem hoje como pecadores, mas frequentemente, não sabem bem que coisa seja o pecado ou têm dele sentido vago e impreciso. Por isso e pelo fato de que os nossos contemporâneos não se põem mais a fazer a contabilidade exata de seus “pecados”, alguns observadores dizem que estes perderam o sentido ou a consciência do pecado. Mas pode-se perguntar o que se entende por sentido ou consciência do pecado e o que se entende por pecado?
- O pecado o Catecismo da Igreja assim o define:
"O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a consciência reta; é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana. foi definido como uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna." (CIC 1849)
- "O pecado ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os nossos corações. Como o primeiro pecado, é uma desobediência, uma revolta contra Deus, por vontade de tornar-se 'como deuses', conhecendo e determinando o bem e o mal (Gn 3,5). O pecado é, portanto, amor de si mesmo até o desprezo de Deus. por esta exaltação orgulhosa de si, o pecado é diametralmente contrário à obediência de Jesus, que realiza a salvação." (CIC 1850)
- “O pecado é um ato pessoal. Além disso, temos responsabilidade nos pecados cometidos por outros, quando neles cooperamos: participando neles direta e voluntariamente; mandando, aconselhando, louvando ou aprovando esses pecados; não os revelando ou não os impedindo, quando a isso somos obrigados; protegendo os que fazem o mal.” (CIC 1868)
- “O secularismo que, pela sua própria natureza e definição, é um movimento de ideias e de costumes, o qual abstrai de Deus totalmente, concentrado só no culto do empreender e do produzir e arrastado pela embriaguez do consumo e do prazer, sem preocupações com o perigo de “perder a própria alma”, não pode deixar de minar o sentido do pecado. Reduzir-se-á este último, quando muito, àquilo que ofende o homem. Aqui se impõe a amarga experiência que o homem pode construir um mundo sem Deus, mas esse mundo acabará por voltar-se contra o mesmo homem. Na realidade, Deus é a origem e o fim supremo do homem e este leva consigo um germe divino. Por isso, é a realidade de Deus, que desvenda e ilumina o mistério do homem. É inútil, pois, esperar que ganhe consciência um sentido do pecado, no que respeita ao homem e aos valores humanos, quando falta ao sentido da ofensa cometida contra Deus, isto é, o verdadeiro sentido do pecado.
- A perda do sentido do pecado, portanto, é uma forma ou um fruto da negação de Deus. Se o pecado é a interrupção da relação filial com Deus para levar a própria existência fora da obediência a ele devida, então pecar não é só negar Deus; pecar é também viver como se ele não existisse, bani-lo do próprio quotidiano.
- Até mesmo no campo do pensamento e da vida eclesial, algumas tendências favorecem inevitavelmente o declínio do sentido do pecado. A confusão criada na consciência de muitos fieis pelas divergências de opiniões e de ensinamentos da teologia, na pregação, na catequese e na direção espiritual, acerca de questões graves e delicadas da moral cristã, acaba por fazer diminuir, quase até à sua extinção, o verdadeiro sentido do pecado.
- Restabelecer o sentido do pecado é a primeira forma de combater a grave crise espiritual que impende sobre as pessoas do nosso tampo. Mas o sentido do pecado só se restabelecerá com uma chamada a atenção clara para os princípios de razão e de fé, que a doutrina moral da Igreja sempre sustentou. (RP n. 18)
O pecado como ação humana
- O pecado é ação humana. Mas não existe ação em si. Existe a pessoa que age. Uma ação humana é o modo de existir, num momento determinado, de uma pessoa que fez uma escolha. E, assim, um pouco paradoxalmente, pode-se dizer que não existe o pecado, mas o pecador, a pessoa que peca.
- O pecado, como ação humana, é tomada de posição consciente e livre da pessoa; esta age de tal maneira que o modo atual de existir lhe pertença real e responsavelmente.
- Existe dois elementos muito importantes da estrutura do pecado:
· A intenção, a opção da pessoa o que dá sentido a cada ação. De fato, com cada uma de suas ações livres a pessoa quer desenvolver-se e se construir nesta ou naquela direção.
· Cada ação humana é, porém, incluída na história da pessoa, no seu tornar-se livre e responsável. Por isso não se pode “coisificar” o pecado, considerando-o isoladamente do tornar-se vital no qual está inserido. Para se emitir juízo sobre uma ação particular da pessoa é preciso considerá-la à luz da direção fundamental do futuro da pessoa, tendo presente de onde vem e para qual direção quer andar.
O pecado como ação humana má
- O pecado é ação humana má: isto significa que o pecado é a pessoa humana que se faz existir a si mesma, livremente, em forma má. Mas em que consiste a malicia desta tomada de posição? A verdadeira essência do pecado consiste na negação ou recusa a Deus, recusa aos outros, recusa à autêntica construção de si mesmo.
CATECISMO DA IGREJA CATOLICA. São Paulo: Loyola, 2000
Gostei e muito, eu até imprimir pra mim!Gostaria de saber se vais publicar a Pregação de Padre Raniery do dia 27/02, "Pecado e culpa", aguardo resposta, um abraço e fique com DEUS!
ResponderExcluir