Padre José Assis Pereira Soares
Paróquia de Fátima - Diocese de Campina Grande/PB
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Vamo-nos aproximando do final do Tempo Comum e com isso a conclusão do Ano Litúrgico. Celebramos, hoje, o penúltimo "domingo ordinário". A semana que vem, com a celebração de Jesus Cristo, Rei do Universo, se conclui, pois, o ciclo A. O tempo litúrgico do Advento é a espera do tempo novo e, portanto, o anterior se relaciona com o final dos tempos. Ou, ao menos, com nosso fim individual. Este penúltimo domingo nos coloca na esfera religiosa escatológica; motiva-nos a pensar nas últimas coisas da vida, essas realidades sobre as quais evitamos falar, porque nos parece que não fazem parte de nós mesmos; como se fosse outro mundo. Sem duvida, a liturgia nos recorda que são nossas, de nossa intimidade mais profunda à qual devemos somar com a fé e a esperança. Existem as últimas coisas, que chegam quando nossa vida, aqui, já se esgotou. Por isso, nos permitimos uma reflexão sobre o conceito bíblico de “parusia” que impregna o sentido da Liturgia da Palavra deste domingo.
A palavra grega “parusia” significava a visita ou a presença de um grande mandatário ou rei a uma cidade e para esta ocasião se fazia grandes obras, se preparavam festas e sacrifícios nos templos; a isto se chamava “parusia”. Daí a tomaram os cristãos e aplicaram à vinda de Cristo, a sua volta no final dos tempos. O cristianismo também reinterpretou um antigo conceito bíblico de caráter profético, escatológico e apocalíptico conhecido como o “dia do Senhor”. Este conceito, presente em quase todas as culturas religiosas tem dois aspectos: um positivo, de salvação, de libertação, de triunfo de Deus sobre o mal e sobre os inimigos; por outro lado, a partir da perspectiva da pregação profética, é o “dia do juízo,” dia terrível contra todo orgulho humano.
Reinterpretando tudo o que o Antigo e o Novo Testamento nos sugerem, devemos entender a “parusia”, não como um tempo ou momento cronológico, fechado num calendário. É uma nova situação que tem que ser aceita pela fé e esperança em Deus. É um conceito no qual a salvação de Deus anunciada pelos profetas e manifestada na vida de Jesus é uma realidade sem volta atrás. Por isso não é questão de ajustar o dia da “parusia”, “o dia do Senhor”, ou o dia da salvação, a um momento, uma hora, um dia, ou um ano. Trata-se de reconhecer a ação salvífica de Deus em favor da humanidade. E inclusive podemos afirmar que, a fé cristã, supõe reconhecer a ação pela qual Deus transformará a história. Daí que devamos entender e aceitar que a “parusia” começou com a Ressurreição de Jesus e não terminará até que todas as pessoas que existem e existirão serão ressuscitadas como Jesus. Este é o sinal definitivo, o dia por excelência, no qual a história, quer dizer, a criação de Deus terá chegado à sua plenitude.
Os primeiros cristãos estiveram como que obsessionados com a vinda do Senhor, a “parusia”. São Paulo na Primeira Carta aos Tessalonicenses (cf. 1Ts 5,1-6), no seu ensinamento valeu-se da linguagem profética vetero-testamentária, da literatura apocalíptica e disse: "Vós sabeis, perfeitamente, que o Dia do Senhor virá como ladrão noturno. Quando as pessoas disserem: paz e segurança!, então, lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores sobre a mulher grávida." (1Ts 5,2-3) Que quase sempre é um momento inoportuno. Mas, o objetivo de Paulo é liberar a tensão que pesa sobre o momento e a hora da vinda do Senhor e incidir na atitude que se há de ter, como o mais importante: esse deve ser um instante de luz porque é evento de salvação, para o qual se deve estar preparado. O texto, portanto, se transforma num cântico à Esperança surgido da fé em Cristo e por isso ele completa: "Vós, porém, meus irmãos, não andais em trevas, de modo que esse Dia vos surpreenda como ladrão; pois todos vós sois filhos da luz, filhos do dia. Não somos da noite nem das trevas. Portanto, não durmamos, a exemplo dos outros; mas vigiemos e sejamos sóbrios.” (1Ts 5,4-6) A Escritura, pois nos anima a essa vigilância ativa e alegre, não angustiosa e acabrunhada, porque o Senhor será muito generoso com quem se esforça no caminho, na medida das forças de cada um.
Como vimos em outro momento, São Mateus divide o seu evangelho em cinco discursos que reúne em cada um deles determinado ensinamento de Jesus. No quinto e último discurso, apresenta o seu discurso escatológico, ou seja, sobre as últimas coisas que acontecerão com as pessoas e como preparar-se para esse momento que Jesus disse ser o julgamento. São os textos adequados para estes últimos dias do Ano Litúrgico. Com eles veem à memória os “novíssimos”. Essa recordação saudável nos chega mediante a parábola dos talentos, que nos fala dos quatro momentos últimos para todo ser humano: a morte, o juízo final, o inferno e a glória.
O evangelho nos mostra uma parábola sobre a “parusia”, a “parábola dos talentos” (cf. Mt 25,14-30), e devemos entendê-la nesse contexto da escatologia cristã. A parábola é um tanto conflitiva nos seus personagens e nas suas reações. Três servos recebem de seu senhor “talentos”. O primeiro, cinco; o segundo, dois; o terceiro, um. Os primeiros estão contentes porque receberam mais, duplicaram o que receberam; o último, que é o que deve nos interessar, havia recebido menos que os outros dois e agiu por medo, segundo sua própria justificação, “enterrou seu talento” e não multiplicou seu valor.
”O que significam os talentos entregues aos três servos? Muitos com certeza responderam que se trata das qualidades que cada um de nós recebeu de Deus, qualidades que devem ser desenvolvidas, postas em ação, não escondidas. Esta resposta, porém, está errada e conduz à distorção completa do sentido da parábola... Em que consiste a riqueza entregue aos servos? Trata-se de tudo aquilo que Jesus deixou para a sua Igreja: antes de tudo o Evangelho, a sua mensagem de salvação, em seguida o Batismo, a Eucaristia e todos os sacramentos, o poder de curar, de consolar, o seu amor pelos pobres, para com os que sofrem na vida... (Todos devem estar se dando conta de que estes “talentos” correspondem aos vários ministérios que são desenvolvidos nas nossas comunidades.) A comunidade cristã organiza a sua vida, cresce, se desenvolve, produz uma profunda transformação no mundo, enquanto o seu Senhor não está visivelmente presente. Ele deixou este mundo e voltou ao Pai. Agora cabe aos seus discípulos trabalharem para que tudo o que ele lhes confiou produza frutos abundantes. Cada um deve assumir para si a responsabilidade de uma parcela destas riquezas e deve labutar para que produzam resultados. Consoante suas próprias capacidades, cada um deve desenvolver, dentro da comunidade, um ministério, deve empenhar-se em prol dos irmãos... Nenhum tesouro de Cristo deve permanecer inutilizado.” (Armellini, 1998.)
É claro que o senhor desta parábola não é uma imagem de Deus nem de Cristo, porque Deus não é assim com seus filhos e Cristo é o Salvador de todos. Este senhor não quer que enterrem, nem a ele, nem o que ele deu aos seus servos. O servo que “enterra” os talentos, pois, é o que interessa. A diferença de talentos não é uma diferença de oportunidades. Cada um, sendo o que é, deve esperar a salvação como a mulher forte dos Provérbios.
O livro dos Provérbios num poema canta as qualidades de uma mulher ideal (Cf. Pr 31,10-13.19-20.30-31). Podemos vê-la, como o exemplo positivo contrário ao exemplo do empregado negligente do evangelho. Esta mulher, boa administradora e empreendedora fazia tudo o que podia segundo sua capacidade, a fim de fazer crescer o patrimônio familiar. Como muitas de nossas mães, avós e irmãs, pessoas exemplares, inclusive impregnando de valores cristãos e religiosos toda a família, as mulheres são mais religiosas que os homens. Também hoje podemos perguntar-nos: “Quem encontrará a mulher talentosa?” (Pr 31,10) Esta pergunta do sábio no livro dos Provérbios lembra o filósofo grego Diógenes, que percorria as ruas de Atenas com uma lâmpada acesa em pleno dia, buscando um homem honesto, íntegro. Neste caso se trata de uma mulher. O sábio vai desfiar “um verdadeiro canto à capacidade criadora, à arte, à beleza das relações entre os seres humanos. O lar familiar é contemplado como espaço de amor, de ação criadora; a mulher – esposa, mãe, organizadora e provedora social, constitui seu centro imprescindível. Nela o mais importante não é a fugaz beleza juvenil, mas a beleza interior, cujos traços a fazem ser: temerosa de Deus: respeita-o, adora-o com sua vida, vive em sua presença. Fiel à sua aliança esponsal: seu marido confia nela. Ativa, trabalhadora, providente. Artista na arte de tecer, e o povo a elogia por isso. Uma pérola preciosa, única... É licito interpretar essa mulher como um símbolo do povo de Israel, esposa de Deus e amor criador, fecundo, produtivo. Esta imagem da mulher ativa é válida para todos os seres humanos.” (Paredes, 2011.)
Nossa vida não pode ser uma vida vazia. Tem de estar cheia de serviço aos outros, do trabalho bem feito. Nem um minuto pode tornar-se vazio, nem uma linha em branco. Deus nos dá muito, mais do que se pensa. Mas, também nos exige até o máximo. Tem direito a isso. E nós temos a obrigação de corresponder a sua expectativa. Não nos arrependeremos de fazê-lo. Pelo contrário, se não respondermos a essas divinas exigências, o pagaremos muito caro, com a condenação eterna. Vamos, portanto, lutar por dar fruto a isto que Deus nos dá.
O fim começa com a morte. Mas antes está a vida, essa entrega de tempo e de diversos dons com os quais temos de negociar durante um determinado período, não muito longo... Sim, quanto o temos recebido do Senhor, para que o façamos frutificar, para que procuremos servir aos outros e servir-nos desses bens recebidos. Não somos donos absolutos de nada. Só administradores, que um dia temos de prestar contas de nossa gestão. No dia da nossa morte, compareceremos diante do tribunal supremo cujo juiz é Deus mesmo. Um juiz ao qual não se poderá enganar. Ele tem "anotado" no livro da eternidade quanto temos feito de bom e de mal. Sua balança é fiel, não admite medidas falsas. Esse momento, esse ajuste de contas com o Senhor, é inexoravelmente imprevisível. Por isso temos que viver sempre atentos, preparados para cruzar a terrível fronteira. Esta realidade, esta verdade de fé, nos empurrará a trabalhar intensamente, a não desperdiçar nenhum instante de nossa vida. Tudo nos pode e nos deve servir para ganharmos o céu. O Senhor será exigente, não valerá a escusa do que enterrou seu talento para devolvê-lo ao final.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Armellini, Fernando. Celebrando a Palavra, Ano A. São Paulo, Ave Maria, 1998.
Paredes, José Cristo Rey García. A Liturgia da Palavra Comentada, Aos A,B,C. São Paulo, Ave Maria, 2011.
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