segunda-feira, outubro 31, 2011

O farisaísmo é imortal




<-- Pe. José Assis Pereira Soares
Pároco da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima
Campina Grande/PB


Seguimos avançando no Ano Litúrgico, já nos seus últimos domingos. Atrás os domingos onde Jesus polemizou com as lideranças religiosas dos judeus, hoje Ele denuncia com palavras duras os “fariseus”. (cf. Mateus 23,1-12). Jesus que amava a verdade tinha que se chocar necessariamente com eles. Ele conhece o interior do ser humano, e por isso se irrita com quem posa de pessoa justa e piedosa sem sê-lo. Os “fariseus” consideravam-se melhores que os outros e os desprezavam. Ensinavam a todos e não permitiam que ninguém lhes ensinasse. Daí não podia aceitar que Jesus, um aldeão de Nazaré pretendesse ensinar-lhes algo.
O farisaísmo, um elemento humano que nós espantamos, o percebemos muito frequente entre nós. Os fariseus estão bem vivos ainda hoje, são imortais. Temos que estar sempre vigilantes e lutar contra essa tendência. “Para descobri-los comecemos por responder a uma pergunta importante: A quem dirige Jesus os seus sete terríveis: "Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas...” (cf. Mt 23, 13-36)? logicamente... aos escribas e fariseus do seu tempo! Mas não é assim! Justamente, no primeiro versículo do Evangelho de hoje, Jesus se dirige “aos seus discípulos”. É para os discípulos que há o perigo de serem “fariseus”. Somos nós que nos devemos sentir atingidos pelas palavras do Mestre. Como descobrir se somos “fariseus”? É suficiente verificar quais são as suas características e conferir se por acaso elas se encontram dentro de nós.” (Armellini, 1998.)
“Os escribas ou letrados eram os doutores da Lei, profissionais da Lei de Moisés oficialmente reconhecidos. Homens de grande influência na sociedade pela sua tarefa específica de formar os outros, ditar sentenças nos tribunais e determinar o sentido da lei e as normas de conduta. Os fariseus não constituíam nenhuma classe especial. Para eles, a Lei era absolutamente válida e intocável. Estavam convencidos de que tinham nela, regulamentadas, todas as normas de ordem religiosa e civil, tanto no nível social como individual. Consideravam-se, a si mesmos como sendo os ‘puros’, separados dos outros, e formavam um grupo integrado, geralmente, por leigos piedosos, alguns dos quais chegavam a ser verdadeiros especialistas da Lei, interpretando-a à letra e considerando-a válida até nos mínimos e insignificantes pormenores. Segundo o estilo de Moisés, os escribas e fariseus interpretavam a Lei e julgavam os transgressores.” (Biblia Litúrgica) Eram, neste sentido, continuadores de Moisés, por isso se diz que eles “estão sentados na cátedra de Moisés.” (Mt 23,2)
“É fariseu, primeiramente, quem ocupa uma cadeira que não lhe pertence. O livro do Deuteronômio diz que os sucessores de Moisés, os encarregados de transmitir a palavra de Deus ao povo, são os profetas (Dt 18,15.18). O que fazem, ao invés, os escribas e fariseus? Ocupam um lugar que não lhes pertence. Substituem a mensagem profética por suas normas, por suas regrinhas, por suas interpretações rigorosas. Chamam de “palavra e vontade de Deus” as que somente são prescrições e argumentos dos homens.” (Ibid. Armellini.) É curioso e interessante ver como Jesus respeitou aos que se faziam de guias em seu povo, considera que o que ensinam é correto e, portanto, há que entendê-los e obedecê-los. Eles transmitiam a Lei de Deus e essa Lei permanecia em vigor pela vontade divina. Daí que não é certo interpretar Jesus como se ele fosse um rebelde ante a ordem constituída, que estava contra a autoridade de seu tempo. Sem dúvida, Jesus previne o povo que o escuta a respeito da conduta dos fariseus, que diziam uma coisa e faziam outra, pois não adequavam sua conduta com a sua doutrina. Eram uns hipócritas que desprezavam aos outros. Aliás, hipocrisia era um dos defeitos que chocava frontalmente com o estilo e o ensinamento de Jesus. “Fazei e observai tudo quanto vos disserem. Mas não imiteis suas ações, pois dizem mas não fazem.” (Mt 23,3)
Jesus reconhece que o ensinamento rabínico, dos fariseus e doutores da Lei abarcava todos os aspectos da vida tanto religiosos como civis, é uma interpretação ortodoxa da Escritura, mas é um ensinamento carente de vida e de compromisso pessoal com aqueles aos quais se dirige. Isso criava um distanciamento entre os doutores e o povo cada vez maior. Isto é o que denuncia Jesus e que é “a segunda característica do ‘fariseu’: a incoerência. Ele é uma pessoa que diz, mas não faz. Externamente se apresenta como um homem religioso, alguém que faz questão de proferir palestras bonitas sobre o amor, sobre a paz, sobre o respeito com os outros, mas depois, quando ninguém o vê...” (Ibid. Armellini.) Em contraposição o evangelho nos conservou algumas cenas e rasgos peculiares de Jesus e seu ensinamento. As pessoas se entusiasmavam quando ouvia Jesus falar porque ele fala com autoridade, não como os escribas (cf. Mt 7,29). Também Jesus se dirige a todos os cansados de carregar fardos pesados e lhes oferece sua ajuda para levar adiante suas cargas; pois ele declara que seu jugo é suave e sua carga leve (cf. Mt 11,28-30).
No entanto os fariseus “armaram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem com um dedo se dispõem a movê-los.” (Mt 23,4) “A terceira característica dos ‘fariseus’ é a de sobrecarregar pesos insuportáveis nas costas dos outros. Eles inventam uma religião cheia de leizinhas e de regrinhas: se alguém as observar, deveria sentir-se em paz com Deus. Na realidade elas servem somente para tornar a vida impossível, provocam ansiedade, tiram a liberdade e a alegria.” (Ibid. Armellini.)
Já no sermão da montanha (cf. Mt 6,1-18) Jesus denunciava a hipocrisia dos fariseus que se manifestava em três práticas particularmente cuidadas pelos fariseus: Primeiramente a oração, que a fazem ostentosa; com muito pouca intimidade que requer a verdadeira oração como diálogo do coração com Deus que vê em segredo. Em segundo lugar, a prática da esmola que calculam cuidadosamente quando e a quem daria porque o que pretendem é conseguir um prêmio pessoal ao aliviar uma necessidade do próximo. Em terceiro lugar, a prática do jejum que o realizavam meticulosamente várias vezes na semana, mas punham especial cuidado em que se notasse publicamente. Agora Jesus cita algumas práticas que completam o quadro do comportamento fariseu: “Usam largos filactérios e longas franjas. Gostam do lugar de honra nos banquetes, dos primeiros assentos nas sinagogas, de receber as saudações nas praças públicas e de que os homens lhes chamem ‘Rabi’”. (Mt 23, 5-7) Trata-se da “quarta característica dos ‘fariseus’: o exibicionismo. Eles querem que os outros saibam que são pessoas diferentes dos outros. Para conseguir o seu objetivo recorrem a muitos ‘truques’.” (Ibid. Armellini.) Os “filactérios” eram pequenos estojos que continham os principais preceitos da lei que se colocavam na testa e nos braços, que era para recordar constantemente ao israelita seus compromissos com Deus e a necessidade de pô-los em prática para seguir desfrutando da proteção e bênçãos divinas. As franjas do manto são borlas costuradas nas pontas do manto para recordar o caráter sagrado da comunidade. Jesus se acomodou a esses e outros costumes do seu povo, mas censurou a afetação em sua prática. Tudo faz parte da necessidade que tinham de honra e de reconhecimento, tão importante na sociedade daquele tempo e na de hoje que vive de exterioridades e superficialidades.
“Quanto a vós, não permitais que vos chamem ‘Rabi’, pois um só é o vosso Mestre e todos vós sois irmãos. A ninguém na terra chameis ‘Pai’, pois só tendes só Pai Celeste. Antes, o maior dentre vós será aquele que se vos serve.” (Mt 23,8-11) Provavelmente, Jesus quer corrigir a ostentação e o costume que tinham de chamar aos rabinos “meu pai” como um título honorífico. Jesus ensina que só há um “Abbá” = Pai, que está no Céu. Ele veio revelar que nosso “Abbá”, que é o seu, é o único que merece esse tratamento. Isto também significa que todos somos filhos do único Pai e, portanto, todos iguais e todos irmãos. Na escola de Jesus se aprende que não há lugar para honras nem para títulos de honra e sim, serviço. Ele o proíbe expressamente. “Se eu, o Mestre e o Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns dos outros. Deixo-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais.” (Jo 13,14-15)
Essas duras críticas de Jesus ao farisaísmo podem ter sido inspiradas nos profetas, como Amós, Isaías e Jeremias. Ele recorreu à linguagem do Antigo Testamento, porque se não, as pessoas não o entenderiam, falaria uma linguagem estranha para elas. Quando Jesus falava assim o povo certamente reconhecia a atualidade de oráculos como os de Malaquias (cf. Ml 1,14-2,1-2.8-10), o último dos profetas clássicos que denuncia a perversão da própria missão por parte dos sacerdotes da Antiga Aliança: “Vós vos afastastes do caminho, fizestes tropeçar a muitos pelo ensinamento; destruístes a aliança com Levi... vós não guardastes o meu caminho e fizestes acepção de pessoas no ensinamento.” (Ml 2,8-9) “A denúncia de Malaquias é severa. Depois do exílio, a vida do povo judeu foi reconstruída sobre o alicerce da religião. Esta deveria ser a identidade do povo, o modo como o povo se relacionava com Deus. Todavia, os sacerdotes se tornaram corruptos e violaram a aliança. A corrupção aparece no fato de eles discriminarem pessoas no ensinamento. Pesa sobre as autoridades religiosas a mesma denúncia que os profetas antes do exílio lançavam contra o poder político. E fica no ar uma pergunta: Qual corrupção é pior: a das autoridades políticas ou a das autoridades religiosas. Estas últimas têm a agravante de usarem o nome de Deus para justificar sua corrupção!” (Bertolini, 2006.)
Portanto, as autoridades religiosas nem sempre estão isentas de críticas. A “Igreja”, sempre foi e é severamente criticada pelos próprios cristãos no exercício da profecia. Mas, em muitas críticas, não estaríamos nos esquecendo que nós mesmos somos a Igreja? Corremos o risco de escutando este evangelho ou a profecia de Malaquias pensar exclusivamente nos agentes de pastoral da primeira linha: o Papa, os bispos os padres, os teólogos, os catequistas... e chegar à seguinte conclusão: É verdade, eles não fazem o que pregam, não põem em prática o que ensinam. Não se reflete em suas atitudes a fé que professam. Porque muitos cristãos consideram a autoridade da Igreja como algo alheio à sua vida, e consideram Igreja apenas a chamada “cúpula eclesiástica”. Se formos sensíveis às censuras de Jesus seremos menos redutivos aplicando esta mensagem unicamente aos pastores e haverá menos perigo de os cristãos considerarem “a Igreja” uma instituição alheia, com a qual eles não se identificam. Levarão em conta que somos um povo sacerdotal, no sacerdócio comum e somos chamados a assumir e testemunhar um novo estilo de “ministério” = serviço, na comunidade cristã. Cada um de nós deve hoje avaliar seu próprio “ministério”, para verificar com sinceridade e humildade se está de verdade servindo ao Senhor e o povo, como convém, na gratuidade e generosidade e autenticidade do amor cristão. 
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Armellini, Fernando. Celebrando a Palavra, Ano A. São Paulo, Ave Maria, 1998.
Vários autores. Comentários à Bíblia Litúrgica, Portugal, Gráfica de Coimbra 2      
Bertolini, José. Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C, Festas e Solenidades. São Paulo, Paulus, 2006.

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