sábado, maio 07, 2011

Descubramos a Jesus

Padre José Assis - Pároco de Fátima
Seguimos avançando nestes domingos pascais cheios de alegria pela Ressurreição de Jesus. Os apóstolos anunciam sem nenhum medo este acontecimento. São testemunhas do Ressuscitado. Pedro, nas duas leituras da Liturgia da Palavra deste terceiro domingo da Páscoa, (cf. At 2,14.22-23;1Pd 1,17-21) faz mais que dizer que Deus tinha poder para transformar a morte em vida e assim o fez com Jesus. Nesse acontecimento, no fato da ressurreição temos que por toda nossa fé e nossa esperança, para que verdadeiramente mude nossa maneira de viver.
Os “discursos”, nos Atos dos Apóstolos, dão à narração toda a força catequética da mensagem: ”Homens de Israel, Jesus, o nazareno, foi por Deus provado diante de vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus operou por meio dele entre vós, como bem o sabeis. Este homem, entregue segundo o desígnio determinado e a presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o, pela mão dos ímpios. Mas Deus o ressuscitou, libertando-o das angústias da morte.” (At 2,22-24) Este discurso de Pedro no dia de Pentecostes é o protótipo do primeiro anúncio (kerygma) que os apóstolos proclamavam diante das autoridades judaicas e de todas as pessoas. Consistia em propor ao mundo a morte na Cruz e a Ressurreição de Jesus como o acontecimento mais importante da história da salvação. Proclamar a morte de Jesus, sem dúvida, não poderia fazer-se sem falar da vida de Jesus, aquele que por palavras e atos extraordinários fez presente o plano de salvação de Deus. A morte de Jesus é o resultado da recusa à sua pregação, ainda que isto ocorra “segundo o desígnio de Deus”. Mas este “desígnio” não se refere à morte na Cruz em si, mas ao valor dessa morte como causa de salvação para todos. A resposta de Deus à morte de Jesus, tendo em conta esse desígnio divino, é a ressurreição: “Deus o libertou das angustias da morte”.
Também na sua Primeira Carta, Pedro insiste no “kerygma”: “Sabeis que não foi com coisas perecíveis, isto é, com prata ou com ouro, que fostes resgatados da vida fútil que herdastes dos vossos pais, mas por sangue precioso... Por ele, vós crestes em Deus, que o ressuscitou dos mortos.” (1Pd 1,18-21) Pedro propõe que não é outro o poder que mudará a história, ainda que muitos considerem que é outra coisa que move o mundo. O poder, o dinheiro, a força das armas, trazem a tragédia ao povo, as guerras e a violência. Mas no mistério da Páscoa, que é o mistério do “sem poder”, se abre toda esperança e a vida que permanece para sempre.
O comentário das perícopes evangélicas da Ressurreição não é fácil porque todas elas abrem muitas possibilidades de interpretação. Por um lado fica claro que os seguidores e seguidoras de Jesus só se convenceram de quem era Ele quando Ressuscitou e se lhes apareceu. No domingo passado assistíamos à incredulidade de Tomé. E neste domingo, certamente, à incredulidade de Cleofas e de seu acompanhante (cf. Lc 24,13-35). Vou sopor conhecida a estrutura da narração da “aparição do Ressuscitado aos discípulos de Emaús”, e fixar-me no tema do encontro com Jesus.
A primeira parte da narrativa se dá no caminho. Caminho de Emaús, triste na ida e alegre na volta. Enquanto caminhavam, o Ressuscitado lhes sai ao encontro sem que o pudessem reconhecê-lo. Sabemos que Lucas é um verdadeiro catequista do caminho. Assim entende toda a vida de Jesus, e muito especialmente a sua decisão irrevogável de ir a Jerusalém (cf. Lc 9,51-19,24). E entende, por sua vez, que o discipulado cristão é um caminho que se há de percorrer com Jesus; não é um discipulado de tipo intelectual: se aprende caminhando, vivendo. Por isso, agora também, neste relato da experiência da ressurreição, esse mistério é um “itinerário” que há que percorrer, sobretudo, na leitura da Sagrada Escritura.
Jesus se faz peregrino no caminho com seus discípulos. Carregados de tristes pensamentos, com os olhos fixos no chão, não imaginavam que aquele desconhecido fosse precisamente seu Mestre, já ressuscitado. Para eles se lhes havia “feito noite”. “Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver!...” (Milton Nascimento) Também para nós às vezes “se nos faz noite”. Quando não sabemos que caminho tomar, quando nos encontramos sós e desanimados, quando tudo se nos volta contra nós, quando estamos desanimados, quando bate a solidão, a angustia, ou chega a enfermidade, quem sabe a morte... Os dois discípulos marchavam, ou melhor, fugiam do seu grupo, voltam, desanimados, a seu lugar de origem.
“A primeira coisa que surpreende nos discípulos de Emaús, é a atitude de fuga; tinham perdido Jesus e dispersam-se; deixam o grupo dos discípulos e voltam, cada um, ao seu antigo mundo, às suas ocupações passadas, como se todo o assunto de Jesus tivesse sido um parêntesis de ilusão e de fracasso no caminho das suas vidas. Eles fogem, mas Jesus sai-lhes ao encontro”. (Comentários à Bíblia Litúrgica) 
Quantas vezes nos sentimos sós no caminho de nossas vidas, porque temos empreendido uma louca fuga sem saber para onde. Como os discípulos de Emaús ombro a ombro caminharam com Ele nós não o reconhecemos, porque do nascimento à morte faz Ele seu caminho junto ao nosso e caminha silencioso e sem ser reconhecido. Ele nos disse que não nos deixaria órfãos, que estaria conosco até o fim dos tempos e porque não ouvimos suas pisadas acreditamos que nos enganou. E nós é que nos enganamos, porque não o buscamos onde Ele nos prometeu que estaria.
O ícone dos discípulos de Emaús nos serve para guiar-nos no longo caminho de nossas dúvidas, inquietações e às vezes amargas desilusões. Jesus segue sendo nosso companheiro para introduzir-nos, com a interpretação das Escrituras, na compreensão dos mistérios de Deus.
O peregrino, sem que o peçam, faz o caminho com eles e lhes explica as Escrituras; já não podem viver sem ele, sem sua palavra de consolo e de vida. Estamos diante de uma das novidades do cristianismo primitivo que Lucas plasma extraordinariamente neste relato. O ponto de arranque no processo de ler as Escrituras com olhos novos, a partir da Ressurreição de Jesus.
«Juntamente com este viajante que inesperadamente se manifesta tão familiar às suas vidas, os dois discípulos começam a ver as Escrituras de um novo modo. O que acontecera naqueles dias já não aparece como um fracasso, mas cumprimento e novo início. Todavia, mesmo estas palavras não parecem ainda suficientes para os dois discípulos. O Evangelho de Lucas diz que “abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-no” (24, 31) somente quando Jesus tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lho deu; antes, “os seus olhos estavam impedidos de O reconhecerem” (24, 16). A presença de Jesus, primeiro com as palavras e depois com o gesto de partir o pão, tornou possível aos discípulos reconhecê-Lo e apreciar de modo novo tudo o que tinham vivido anteriormente com Ele: “Não estava o nosso coração a arder cá dentro, quando Ele nos explicava as Escrituras?” (24, 32) Vê-se a partir destas narrações como a própria Escritura leva a descobrir o seu nexo indissolúvel com a Eucaristia.” (Bento XVI, Verbum Domini)
Como o Papa Bento XVI muitos têm reconhecido que Lucas neste relato de Emaús indica os dois momentos essenciais da liturgia cristã: a palavra e o sacramento, escuta das Escrituras e a liturgia eucarística. O texto é como se fosse a descrição de uma celebração eucarística, já no primeiro século, em um processo dinâmico: primeiramente os peregrinos de Emaús, vão escutando a interpretação das Escrituras no que se refere ao Messias, como uma catequese de preparação para o que vem a seguir quando sentaram-se à mesa no “partir do pão”. No entanto, é certo, que “não se pode afirmar, em estrita exegese bíblica, que aquela ceia com Jesus foi uma eucaristia; mas também não podemos prescindir da perspectiva eucarística que, evidentemente, subjaz ao texto. assim o entendeu desde o princípio a tradição e a práxis litúrgica da comunidade cristã, enriquecendo esta passagem com uma referência cultural nova e com fundamentos”. (Caballero, B. 2001.)
O que é certo é que a luz da Palavra dissipa a dureza de coração dos discípulos e “seus olhos se abriram”. Mas, sobretudo, “o reconheceram ao partir o pão”. «A Palavra de Deus, lida e proclamada na liturgia pela Igreja, conduz, como se de alguma forma se tratasse da sua própria finalidade, ao sacrifício da aliança e ao banquete da graça, ou seja, à Eucaristia”. Palavra e Eucaristia correspondem-se tão intimamente que não podem ser compreendidas uma sem a outra: a Palavra de Deus faz-Se carne, sacramentalmente, no evento eucarístico. A Eucaristia abre-nos à inteligência da Sagrada Escritura, como esta, por sua vez, ilumina e explica o Mistério eucarístico. Com efeito, sem o reconhecimento da presença real do Senhor na Eucaristia, permanece incompleta a compreensão da Escritura». (Bento XVI, Verbum Domini)
Não deve caber a menor dúvida ao falarmos que cada Eucaristia é um caminho de Emaús. Aqui o reconhecemos ao partir o pão. Com toda certeza Lucas quer ensinar-nos, catequeticamente, sobre o que acontece quando o Senhor Ressuscitado parte o pão com sua comunidade, com e na Igreja. Que, ainda que eles como nós, não podemos viver com Ele, nem conhecê-lo, na Eucaristia é possível ter esta experiência de vida. A Eucaristia, como a Ressurreição, é um mistério. Pouco a pouco, na medida em que vai fazendo-se a Eucaristia, como um peregrinar, a vida do ressuscitado se apodera de nossos corações. A Eucaristia é uma experiência profunda, espiritual, real sem dúvida, mas não para ver com os olhos corporais, e sim, com os olhos da fé.
“A assembleia da fé que escuta a Palavra de Deus e celebra a Eucaristia tem de ser um lugar de encontro com Ele para os que não conhecem Cristo nos dias de hoje. Isso convida-nos a refletir muito seriamente sobre a imagem que lhes oferecemos. Como são e como devem ser as nossas comunidades para poder aparecer como sinal de Cristo ressuscitado? Vivemos a experiência de que Ele está no meio de nós? É verdade que a eucaristia dominical ou diária é a fonte e cume de toda a nossa vida cristã?” (Ibid. Caballero.) Eucaristia é pão, é força, é alimento, nos repetiu o Senhor muitas vezes. Por que nós às vezes passamos dias, semanas, meses, anos sem comer deste Pão e queremos estar fortes? Se temos limitado nosso alimento aos domingos, pretendemos ainda ser cristãos fortes?
Que este encontro com o Ressuscitado mude nossas tristezas e decepções na alegria de saber que Ele está conosco e nos acompanha como divino peregrino no caminho de nossas vidas, por isso desde antiga tradição o pão eucaristizado é chamado “viático”, ou seja, pão para o caminho, para a viagem. Proclamemos alegres como suas testemunhas nossa fé e saiamos desta eucaristia contando a todos como “o reconhecemos presente na fração do pão.”    

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Vários autores. Comentários à Bíblia Litúrgica, Portugal, Gráfica de Coimbra 2
Bento XVI. Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini, Col. A voz do Papa 194. São Paulo, Paulinas, 2010.
Caballero, B. A Palavra de Cada Domingo. Apelação (Portugal) Paulus, 2001.

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