Desde o ano 2000 a Congregação do Culto Divino e dos Sacramentos mudou a denominação deste II Domingo de Páscoa, popularmente conhecido na liturgia como Domingo de São Tomé, já que nos três ciclos litúrgicos, o evangelho nos apresenta o encontro de Tomé com o Ressuscitado (cf. Jo 20, 19-31), para a expressão "Domingo da Divina misericórdia"; por expresso desejo do Papa João Paulo II, ele mesmo falecido na madrugada desse II Domingo de Páscoa, 3 de abril de 2005 e que hoje será beatificado pelo seu sucessor o Papa Bento XVI.
Celebramos também hoje o 1º de Maio, inicio do mês popularmente dedicado à Virgem Maria e São José operário, patrono de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Todas estas circunstâncias transformam este Domingo como o mais importante da história eclesial recente. Que cada um de nós, de tantas comemorações, tire o melhor ensinamento possível e que seu coração o leve a adorar o Senhor Ressuscitado por meio de qualquer destes acontecimentos contemplados hoje. Pessoalmente, entre outras coisas vou ficar com Tomé o discípulo que mais duvidou e fez a expressão da mais alta avaliação de Jesus, proferida no Evangelho: “Meu Senhor e meu Deus!” (cf. Jo 20, 28) E que Jesus em resposta à esta sua confissão de fé, proferiu um grande elogio: “Tu acreditaste.” (cf. Jo 20, 29) Como é difícil para os seguidores de Jesus de todos os tempos chegarmos a tal visão.
“Crer sem haver visto” é a exigência, a fidelidade à Palavra, o caminho, a meta e a esperança aberta. A comunidade cristã, fruto do Cristo Ressuscitado; foi se construindo pelo esforço de pessoas e do grupo dos que acreditaram e rastrearam com os olhos da fé os sinais que evidenciam a presença do Senhor. Mas, é, sobretudo, a ação do Espírito que torna possível.
A Liturgia da Palavra nos apresenta hoje um texto dos Atos dos Apóstolos (At 2,42-47), um dos famosos sumários, uma síntese, da vida da comunidade que Lucas, o seu autor, oferece de vez em quando nos primeiros capítulos de sua narração (cf. At 4,32-37; 5,12-16), para dar conta da vida da comunidade e para propor aos seus um ideal que deve ser o modelo da Igreja: “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações.” (At 2,42) Lucas tratou de enlaçar quatro ações próprias da comunidade cristã com outras atitudes religiosas e piedosas do judaísmo, como a assistência ao Templo contrastando com o "partir o pão nas casas.” (At 2, 46) Neste caso se pode pensar nas refeições fraternas que podiam terminar com a "fração do pão" ou como hoje chamamos “eucaristia”.
Este texto é especialmente significativo depois do acontecimento de Pentecostes e do discurso de Pedro (cf. At 2, 1-36). É uma consequência quase imediata para definir a práxis cultual e religiosa da comunidade que nasce em Pentecostes e propõe atitudes que caracterizam a comunidade cristã: aceitar o ensinamento dos apóstolos, a comunhão, a fração do pão e as orações, isso é todo um itinerário, um caminho. Tem várias interpretações, mas está claro, no principio, que o ensinamento dos apóstolos é a pregação, que move o grupo à "comunhão", à "eucaristia" e à "oração".
Por meio dos apóstolos o Senhor falará; eles são os enviados para cumprir a missão de ensinar. A eles lhes toca propor os conteúdos da fé porque foram testemunhas de tudo o que aconteceu em torno do Senhor. Pregavam com tanta autenticidade que “todo o mundo estava impressionado pelos muitos prodígios e sinais que faziam.” (cf. At 2,43) Também convém juntar à pregação a consequência de viver a Palavra: viver em intensa comunhão e perseverar nela; “punham tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades de cada um.” (At 2,44-45) As coisas que mais definiam a comunidade como cristã eram: a oração e a eucaristia; a fonte de graça e a presença do Ressuscitado. A vida da comunidade de per si se deseja como ideal: comiam juntos com alegria e de todo coração “louvavam a Deus, e gozavam da simpatia de todo o povo. E o Senhor acrescentava cada dia ao seu número os que seriam salvos.” (At 2,47)
Tem-se que sublinhar algo de especial, a afirmação de que não havia necessitados entre eles. É a consequência da comunhão, que não é somente algo espiritual. “Faz-se mister entendê-la como comunhão dos bens, que exprime e reforça a união dos corações, resultante da partilha do evangelho e de todos os bens recebidos de Deus, por Jesus Cristo na comunidade apostólica. O sentido do termo não se limita a ajuda social, nem a ideologia comum, ou a sentimento de solidariedade.” (Cf. Bíblia de Jerusalém) Este ideal Lucano é expressão do que significa uma Igreja de comunhão. Não podemos afirmar que Lucas esteja pensando em igualdade ec on�?mica, não é essa a abordagem. Sim, podemos falar de partilha e solidariedade como consequência da comunhão e renuncia aos bens de alguns em favor dos pobres.
Mas, na realidade viveu assim a comunidade primitiva? Sem duvida que sim, mas sem necessidade de chegar a pensar que tudo era perfeito e não havia problema algum. Os havia e grandes. Os “helenistas” (cf. At 6,1-6), se queixavam dos “hebreus” reclamando que pobres e viúvas estavam desassistidos. É possível que o "compartilhar", os bens estivesse mais claro que outros aspectos ideológicos que pouco a pouco vão surgindo.
A primeira carta de Pedro (1Pe 1,3-9) é um escrito para os que vivem na "dispersão" e na "perseguição”, essa é a situação que vive os cristãos aos quais se dirige este escrito. Em um tom solene o autor começa o texto que hoje serve de segunda leitura proclamando, antes de tudo, a ressurreição de Jesus: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, em sua grande misericórdia, nos gerou de novo, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para a esperança viva...” (1 Pe 1, 3) E é essa ressurreição a que fundamenta a “esperança” cristã. Não pode ser de outra forma, já que é a ressurreição o acontecimento que faz possível vencer a morte e vencer toda dificuldade na vida e na perseguição dos que haviam aceitado a Cristo.
Por isso, o chamado à fé, que é uma confiança no “poder” de Deus, determina o que se nos disse: “A ele, embora não o tenhais visto, amais; nele, apesar de não o terdes visto, mas crendo, vos rejubilais com alegria inefável e gloriosa, pois que alcançais o fim da vossa fé, a saber, a salvação das vossas almas.” (1Pe 1,8-9) Desta maneira, pois, se pretendeu enlaçar com o ensinamento final do evangelho (cf. Jo 20, 19-31) sobre Tomé e a bem-aventuran ça de “crer sem ver”.
A perícope evangélica é muito simples, tem duas partes unidas pela explicação sobre a ausência de Tomé na reunião. As duas partes se iniciam com a mesma referência sobre os discípulos reunidos “no primeiro dia da semana” (Jo 20,19.26) e em ambas, o Ressuscitado os saúda com a saudação de paz: “A paz esteja convosco!” (Jo 20,20.26) As aparições, são encontro real e novo de Jesus ressuscitado mas, que não podemos entender como volta a esta vida . Os sinais das portas fechadas por medo dos judeus e como Jesus as atravessa, o estar em lugares diferentes ao mesmo tempo nos mostram que nada mais limita Jesus, nem espaço, nem tempo. O Espírito do Ressuscitado rompe as barreiras e abre as portas para a missão. Em João, “Pentecostes” (cf. Jo 20, 22) é uma consequência imediata da Ressurreição do Senhor. Isto teologicamente é coerente e determinante.
A figura de Tomé, uma atitude de “anti-ressurreição”; quer nos apresentar as dificuldades a que nossa fé está exposta. Acreditar no Cristo Ressuscitado foi para os apóstolos e discípulos um processo difícil. Tomé, um dos Doze, deve enfrentar-se com o mistério da ressurreição de Jesus, a partir de suas seguranças humanas e de sua solidão, porque não estava com os discípulos naquele momento em que Jesus, depois da ressurreição, se fez presente, para mostrar-se como o “Vivente”. Este é um dado que não é nada secundário na hora de poder compreender o sentido do que se nos quer revelar esta cena: a fé, vivida a partir da experiência pessoal, está exposta as maiores dificuldades. A partir daí não há c aminho algum para ver que Deus ressuscita e salva. É na comunidade eclesial, nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de fraternidade, que encontramos Jesus vivo. Não é em experiências pessoais, intimistas, fechadas, solitárias e egoístas que encontramos Jesus Ressuscitado; mas encontramo-lo no diálogo comunitário.
“Porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram!” (Jo 20,29) Aqui o Senhor se dirige a toda a Igreja e chega até nós. O ensinamento é patente: crer não é assimilar uma doutrina, mas crer em uma pessoa. Jesus, morto e ressuscitado, que viveu uma experiência com os apóstolos e que eles nos transmitiram em um ministério que eles mesmos inauguraram e que chega até nós pela Igreja. Toda a vida da Igreja está cheia de sinais: uns escritos no livro e outros escritos pela vida de Jesus e seus crentes; “Os que crêem em mim farão as coisas que eu faço e ainda maiores”.
A rapidez do crescimento da primeira comunidade como sinal da força e ação do Espírito Santo nos chama atenção neste domingo, o fervor que se descobre nas primeiras comunidades aumentando o número dos prosélitos. Os Atos dos Apóstolos nos conta que a primeira comunidade crescia com rapidez.
Para o cristão o chamado a descobrir o poder transformador, no espírito do Cristo Ressuscitado é sempre atual. Nós cristãos do século XXI nos encontramo-nos frente a um mundo complexo no qual a verdade está em crise. Talvez seja bom nos perguntar se nos damos conta do perigo de descristianização que afeta nossa sociedade? Se sentirmos como dever próprio impregnar a cultura, a vida, o pensamento das pessoas da verdade cristã? Nossa missão, não é fácil, como também não foi fácil a missão dos apóstolos. Sem medo o cristão deve anunciar verdades que nem sempre são gostosas, a verdade sobre a pessoa humana, sobre o mundo, sobre a vida, sobre a eternidade. Só na fé em Cristo Ressuscitado, como os primeiros discípulos e discípulas, conseguiremos, anunciar e testemunhar esta verdade.
Mas, também seja bom nos perguntar se no coração de cada um de nós cristãos existe o desejo ardente de convidar outras pessoas a uma experiência de fé. Se realmente me interesso por levar aos outros o conhecimento e a experiência de Cristo. É essencial à vida do cristão a missão, o apostolado. O fazer crer a comunidade. São perguntas que devem mover-nos a uma ação mais decidida e generosa. Recordemos que a fé se acrescenta dando-a.
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