terça-feira, abril 12, 2011

Eu sou a ressurreição e a vida. Crês isto?

Padre José Assis Pereira Soares - Pároco de Fátima
Completa-se hoje a simbologia dos três domingos desta quaresma batismal: a água, a luz e a vida. “Com a catequese deste domingo, os catecúmenos atingem o ponto mais alto da sua instrução. Eles devem se conscientizar que o dia do seu Batismo é o verdadeiro dia da sua ressurreição. É naquele momento que recebem a vida que não acaba nunca.” (Armellini, 1995.)

A água do Batismo pôs em cada um de nós uma semente de vida que não se limita a esta realidade terrena; é uma vida mais rica que a simples vida biológica. E esse espírito que recebemos nos foi dado como força, para viver como seguidores e seguidoras de Jesus, de modo que nossa existência, como a sua, seja para a glória desse Pai que está nos céus, pois “gloria Dei vivens homo” (a glória de Deus é a vida dos homens), como diz Santo Irineu (séc. III).

O sinal que aparece na Palavra de Deus deste quinto domingo da Quaresma é a Vida. Dar a vida é a finalidade da presença de Jesus no mundo. Assim ele mesmo o manifesta no evangelho de João: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância.” (Jo 10,10) Desta forma fica claro que, com Jesus, a morte não tem nenhuma força, já que ele veio derrotá-la. É o que fica claro em sua caminhada pela Palestina onde a morte foi derrubada de muitas maneiras: as curas das diversas enfermidades, o resgate de um pecador público como Zaqueu, o perdão à mulher adúltera, a acolhida a quantos marginalizados e desprezados na sociedade... Em todos eles e elas Jesus vai dando resposta à necessidade de vida das pessoas. Nessa resposta, a morte já está sendo derrotada.

Se algo fica claro na história de Israel é que Deus é sempre fonte de vida. É o que nos recorda o profeta Ezequiel. Entre os israelitas exilados na Babilônia em 597 a.C. está este profeta que vê o povo em situação de morte, simbolizada por uma montanha de ossos (cf. Ez 37). Parece que tudo terminou e já não há mais esperança. Israel é um cadáver sem vida, ou até pior, um esqueleto ressequido ou uma montanha de ossos. O Senhor, porém anuncia pela boca do profeta: “Eis que abrirei os vossos túmulos e vos farei subir dos vossos túmulos, ó meu povo, e vos reconduzirei para a terra de Israel... Porei o meu espírito dentro de vós e vivereis.” (cf. Ez 37, 12-14) O profeta, disse que o Senhor vai libertar os exilados e eles voltarão a ser um povo livre para louvar o seu Deus. É uma promessa de vida que lhes faz o Senhor para animá-los e para que recobrem a força espiritual de outros tempos.

Mas, as palavras de Ezequiel também podem ser aplicadas a todas as situações de morte, pois o tema da morte sempre tem rondado todas as situações humanas e todas as religiões. “A vida está cercada pela morte e sempre há junto às manifestações de vida sintomas de morte. Nunca dominamos a vida; ela nos escapa. Além disso, transitamos paradoxalmente por mudanças sucessivas que engendram mortes e nascimentos, a infância morre para dar lugar à adolescência, a adolescência sucumbe diante da juventude e a juventude termina com a maturidade e depois vem a velhice e finalmente a morte.” (Floristán, 1995.)

São muitas as circunstâncias que nos preocupam: o Tsunami recentemente acontecido no Japão com milhares de mortos, destruição e desolação. A central nuclear Fukushima como seria ameaça ao bem estar da humanidade, os conflitos da Libia e a tragédia do Rio de Janeiro com a morte de tantas crianças e adolescentes. A morte tem sido e será um grande enigma para a humanidade. A ciência, quando muito pode adiá-la, mas nunca poderá converter o ser humano em imortal ou num ente eterno. Entre outras coisas porque, se assim fosse, perderia o sentido de viver, o ímpeto de superação. Por que e para que trabalhar, desapontar-se, chorar ou sofrer, rir ou cantar, viajar ou descansar se vamos a estar sempre aqui e assim no mundo? Não seria um viver sem viver? Portanto, também a nós, cristãos deste século XXI, sujeitos a uma “cultura de morte”, deve nos servir de consolo as palavras do profeta Ezequiel. O Senhor quer infundir-nos seu Espírito para que mantenhamos firmes nossa fé e nossa esperança, nestes tempos de crise.

Às palavras de Ezequiel podemos associar algo importante; a vida está no Espírito. É verdade que esta nova vida não será como se descreve em Ez 37; os ossos não se recobrirão de carne, não teria sentido, porque seria para voltar a morrer; o mistério da morte, de nossa morte, somente pode ter solução a partir da experiência de uma nova vida pelo Espírito de Deus que transmite aos que estão mortos. O apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos (cf. Rm 8,8-11), repete a mesma idéia que estamos comentando: o Espírito de Deus nos dará Vida, nos vivificará, nos permitirá ressuscitar com Cristo. “E se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós. Aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais, mediante o seu Espírito que habita em vós.” (Rm 8,11) “Todos os homens vão morrer. A vida material que partilham com os animais não dura para sempre. Também Jesus, sendo homem como nós, morreu, tinha que morrer. Ele, porém, ressuscitou. O apóstolo Paulo nos ensina que isso aconteceu porque ele possuía em plenitude o espírito de Deus, isto é, tinha em si a vida de Deus.” (Ibid. Armellini.) O que temos que fazer é manter vivo em nós o Espírito de Cristo. Isto se consegue mediante a fé, a esperança e o amor a Cristo e por Cristo. Só se temos o Espírito de Cristo somos de Cristo, porque “quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a ele.” (Rm 8,9) No exame de consciência que devemos fazer cotidianamente, esta é a pergunta fundamental que devemos nos fazer: tenho vivido e atuado hoje movido pelo Espírito de Cristo? Porque dentro de nós também podem viver e atuar outros espíritos contrários ao Espírito de Cristo.

“O relato da ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11,1-45) é uma catequese essencial de João sobre a fé na ressurreição. Não é só a passagem mais longa de todos os evangelhos que narra um milagre, mas é dentre todos os ‘sinais’ operados por Jesus o mais importante. É o último dos sete sinais escolhidos por João para manifestar que Jesus é mais forte que a morte e que sua vida termina dando vida. Ele mesmo ressuscitará porque é ‘a ressurreição e a vida’.” (íbid. Floristán.)

Nos evangelhos há três relatos de ressurreição: a filha de Jairo, o filho da viúva de Naim e Lázaro. Porém só este último aparece no evangelho de João. Não são comparáveis estas ressurreições com a Ressurreição de Cristo. Nestas três, é melhor chamá-las, “reanimações", revivescências, volta à vida de antes neste mundo. Não se trata de uma ressurreição, como em Jesus, mas de uma revivescência. E a revivescência supõe uma volta de novo a este mundo, e neste mundo necessariamente se há de morrer. Em Jesus se trata de uma ressurreição, já que a ressurreição supõe a transformação total do ser corporal humano. Logo o milagre da revivescência de Lázaro é o símbolo da vida que Jesus adquire em sua ressurreição e que antecipa às pessoas que crêem.

Devemos nos dar conta do simbolismo com o qual providencia João a narração, em sua totalidade, para que não nos percamos e nos perguntemos, sem obter resposta, em que consistiu o milagre. Se nos empenharmos em averiguar como foi este milagre não chegaremos à grandeza teológica e espiritual do texto. Porque se entendemos a volta à vida de Lázaro como ressurreição, devemos assumir que ele morrerá outra vez: o que será bastante desconcertante, assim não se soluciona o mistério da morte.

Este milagre (sinal) último vem fechar e coroar a série de representações por sinais da obra de Jesus no evangelho de João. Este é o mais evocador de todos e o que mais tensão cria, porque vai como que preparar a morte de Jesus. Jesus já pode ir à morte, porque a morte física não é obstáculo para a vida eterna. Com isso se quer pre­parar os fiéis para que entendam, desde já, que a morte física não pode destruir o ser humano; que a Cruz (onde vai morrer Jesus) vem ser o começo da vida, pela ação verdadeiramente ressuscitadora de Deus. A Ressurreição de Cristo é o triunfo definitivo sobre a morte, ao passar a uma Vida plena e eterna.

No relato da ressurreição de Lázaro, devemos estar bem atentos, não ao acontecimento em si, mas ao que João nos quer dizer ou ensinar. Desde o primeiro momento o autor do quarto evangelho não duvida em nenhum instante que Jesus devolveu a vida a seu amigo Lázaro; mas, como o interpreta e o que significa isso? Não é tanto a ressurreição de Lázaro o que mais interessa, e sim o mistério da morte e da vida que tem sua fonte na pessoa de Jesus. Devemos ver este relato como um ensinamento sobre a morte e a ressurreição ­de Jesus que se prolonga no cristão. Se nos fixarmos bem, João não quer re­latar somente a tradição do fato da ressurreição de Lázaro, a sua revivescência, que ele relata em apenas dois versículos (cf. Jo 11,43-44), mas aproveitar esta conjuntura para aprofundar o que Jesus significa pa­ra a fé cristã e mais concretamente ante o mistério da morte.

Lázaro é um símbolo do ser humano agoniado pela realidade de morte. Todos estamos feridos de morte. Quem nos tirará do sepulcro? Quem dará fim à nossa vida mortal? Quem acabará com nossos lamentos? Quem será capaz de dar uma explicação a tantos porquês? Só Cristo, porque Ele é "a ressurreição e a vida". Ainda que estejamos mortos pelo peso de nossas culpas podemos sair e como Marta gritar: "Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo." (Jo 11,27) E se creio, eu sei, não só que ressuscitarei, mas que estou ressuscitado.

O relato se nos apresenta, primeiramente, bastante humano, e por isso cheio de significações. Lázaro está enfermo. A doença e a morte entristecem o lar tão acolhedor de Lázaro e suas irmãs. Onde havia paz e alegria, há agora ansiedade e tristeza. “Senhor, aquele que amas está doente(Jo 11,3), é o recado que enviam as irmãs de Lázaro a Jesus, tão seguras estavam elas da amizade dele e Lázaro e o evangelista nos diz que: “Jesus amava Marta e sua irmã e Lázaro.” (Jo 11,5) Só João, “o discípulo que amava o Senhor”, disse que Jesus amava a alguém em concreto. É um detalhe a mais que nos confirma a amizade íntima e a profunda humanidade de Cristo, a profundidade dos sentimentos do Filho de Deus feito homem. Jesus, com efeito, amava Lázaro, o irmão de duas mulheres suas amigas.

Jesus fica sabendo que es­tá enfermo seu amigo, mas não se move, atrasa-se pa­ra que dê tempo, precisamente, a que ele morra. É que as pretensões de João eram mostrar co­mo Deus considera a morte física. Se se quisesse mostrar somente o poder taumatúrgico, Jesus teria marchado logo em seguida para curar Lázaro. Mas Jesus quer enfrentar-se com a morte tal como é, e tal como a consideram as pessoas: uma tra­gédia. Jesus faz o milagre para que as pessoas creiam. Não para provar seu po­der divino, mas para que as pessoas creiam que há uma vida depois da morte. E pa­ra fazer entender que a morte sem esperança é uma morte que nasce do afastamento de Deus.

Ao contemplar a dor de Marta e Maria, Jesus vendo seus olhos vermelhos pelo pranto, se estremece interiormente, rompendo em um soluço incontido. É muito humano sentir dor ante a morte de um ente querido, derramar lágrimas pela perda irreparável do amigo. O mesmo que ocorre com Jesus nesta ocasião. Mas ao mesmo tempo esses sentimentos, quando há fé, têm que dar lugar à esperança e à serenidade. Sim, nossa fé há de iluminar os espaços mais obscuros da alma, há de recordar-nos que atrás da morte está a Vida. Temos de pensar que a separação não é definitiva, mas provisória, porque a vida é transformada e não tirada.

O “vede como ele o amava” (Jo 11,36) não se pode interpretar somente como um gesto da amizade leal e pessoal do homem Jesus com o amigo Lázaro. O evangelista não quer apresentar nunca somente o homem Jesus, mas o Jesus Senhor. Quer dizer que o Senhor, a todos os que es­tão mortos em razão da lei humana e em razão de seus pecados, ele não os aban­do­na, ainda que estejam quatro dias no túmulo. Nenhuma pessoa está perdida ante o Senhor.

Vemos também neste relato, co­mo o evangelista joga com o simbolismo do crer e não crer em Jesus. As irmãs são as que confiam nele. Elas, como boas judias, aceitam que devia haver ressurreição no final dos tempos. Mas, não entendiam o sentido. A resposta de Marta: “Sei, que (Lázaro) ressuscitará na ressurreição, no último dia!” (Jo 11,24) É a mesma que pensavam os fariseus. Mas, com isto não se consegue dar à morte todo seu sentido. Os ju­deus (os que não crêem) não conseguem dar esperança às irmãs de Lázaro. Jesus vindo ao território judeu é a expressão de que ele entra na esfera da morte das pessoas, na esfera dos que não têm esperança, a esfera dos que não põem em Deus sua confiança. Como Marta, aprendamos, diante da dura enfermidade da incredulidade que acomete tantos homens e mulheres respondamos: “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo”.

Fixemo-nos, ao ler este evangelho, mais que em qualquer outra coisa, nas palavras que pronunciam os personagens, sobretu­do, nas palavras que o evangelista pôs na boca de Jesus durante todo o relato. Jesus disse que se Lázaro está enfermo “essa doença não é mortal, mas para a glória de Deus, para que por ela, seja glorificado o Filho de Deus.” (Jo 11,4) é a mesma afirmação que ele fazia na cura do cego de nascença: “para que nele sejam manifestadas as obras de Deus.” (Jo 9,3) São duas narrações bastante semelhantes. As duas gravitam em torno da “luz e da vida”.

Mas, este relato quer, sobretudo, introduzir-nos no mistério da mor­te de Jesus. Ele está fora de Judéia, longe de Jerusalém, que é onde se vai ce­le­brar o drama da sua morte. Os judeus estão buscando uma ocasião para pegar Jesus. Ele sabe que logo vai chegar sua morte nesse território dos judeus, mas não se importa. Por isso este relato é o simbolismo do que vai acontecer com o homem Jesus; Deus não o abandonará à morte, mas o ressuscitará. Fazia-se necessário que Jesus marchasse para sua própria morte para fazer-nos compreender que por trás da morte se encontra a vida definitiva de Deus. É esta vida de Jesus que se comunicará a todos os que crêem que se simboliza em todo o relato. Jesus está fazendo uma doação do dom da vida ao anunciar: “Eu sou a ressurreição e a vida.” (Jo 11,25) O milagre é um sinal da vida de Jesus, e não se trata pro­pria­men­te de uma antecipação da ressurreição corporal, já que Lázaro deve morrer de novo.

Vivendo mais este domingo da Quaresma prossigamos acrescentando ao caminho nossa fé, nossa esperança e nosso amor, para poder participar definitivamente, depois de nossa morte física, da Vida de Cristo, uma Vida para sempre. Cristo ressuscitou e se nós cremos nele, também ressuscitaremos com ele. Este é o consolo e a esperança que deve proporcionar-nos este belo relato da ressurreição de Lázaro: que, se cremos em Cristo, não morremos para sempre, ele nos ressuscitará no último dia.





Bibliografia:

Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.

Armellini, Fernando. Celebrando a Palavra, Ano A. São Paulo, Editora Ave Maria, 1998. 

Floristán, Casiano. Catecumenato, história e pastoral da iniciação. Petrópolis, Vozes, 1995.

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