
Conforme os Padres da Igreja: Cirilo de Jerusalém e Tertuliano, “o Pai
Nosso fazia parte das coisas secretas da fé cristã protegidas pela lei do
arcano. Este era ‘confiado’ aos catecúmenos somente no fim de sua preparação,
na vigília do batismo, junto com a explicação da Eucaristia. Quem o recebia
cuidava das palavras como de relíquias e esperava com ânsia o momento que,
saindo da purificação do batismo, ‘cercado pelos irmãos e apresentado pela Mãe’
(a Igreja), levantando os braços ao céu, teria exclamado pela primeira vez
‘Pai!’, apresentado-se para o conhecimento de todos como filho de Deus.” (Cantalamessa, 2012)
A Liturgia deste Domingo nos oferece uma catequese sobre a oração, sua
necessidade e importância. Este é o primeiro dever da Igreja: Rezar. O Papa
Francisco recentemente afirmou: “A evangelização faz-se de joelhos. Sede sempre
homens e mulheres de oração! Sem o relacionamento constante com Deus, a missão
torna-se um oficio”. (Homilia, 7 de julho 2013, na jornada dedicada aos seminaristas e
noviças no Ano da fé)
O povo hebreu, como o conhecemos através do Antigo Testamento, fez a
experiência de fé em um Deus presente em sua história. A Bíblia ensina desde a
primeira página que o mundo e toda a vida provêm de Deus e que sem Ele nada
pode existir. Os hebreus O experimentaram em sua vida individual e na história
de seu povo. Esquecer-se de Deus leva sempre à catástrofe. Dirigir-se a Deus,
rezar, pertence à própria identidade da vida. A Escritura compara esta relação
do homem com Deus, ao matrimônio. Deve existir um diálogo continuo e se devem
tomar decisões comuns.
É comovente o diálogo, a oração que Abraão, dirige a Deus. Sua oração
invoca o perdão divino para os “justos”, mesmo se poucos, que poderão
encontrar-se nas cidades de Sodoma e Gomorra (cf. Gn 18,20-32). Oração toda ela
perpassada de temor, confiança, perseverança e certo atrevimento. É assim que
nós devemos dialogar com Deus que nos atende como “amigo” e que não se aborrece
com a insistência porque está sempre disposto a perdoar.
Como Jesus rezava? José, como testemunha o evangelho (cf. Mt 1,19), ensinou as primeiras orações a Jesus quando
era criança, depois Ele, como judeu, conservava a tradição do seu povo; amava o
templo, frequentava a sinagoga e fazia as orações no ambiente familiar. Sem
duvida, junto a isto, sabemos que Jesus gostava de rezar a sós, durante noites
inteiras. Porém, pouco podemos dizer a respeito de como o fazia. Sabemos pelo
que lemos a respeito de seu Batismo no Jordão (cf. Mc 1,9-11), que não só falava de Deus, mais que também o Pai do Céu se dirigia a
Ele e lhe assegurava sua paternidade: “Tu és o meu Filho, em ti me comprazo”.
Por isso Jesus se dirige a Deus como a um “Abbá-Pai”. A consciência da filiação
divina era para Jesus fonte de grande consolação. Estava certo de que o Pai o
escutava sempre quando Ele lhe pedia alguma coisa. Ele, por sua parte, não quer
pedir outra coisa senão aquilo que é a vontade do Pai. Isso exige dele
sacrifícios, como o testemunha sua oração no monte das oliveiras.
É muito característico de Lucas ter atribuído à oração de Jesus um
lugar muito especial no seu Evangelho. “A ação de Jesus em geral surge da sua
oração, é suportada por ela. Assim, acontecimentos essenciais do seu caminho,
nos quais progressivamente se desvela o seu mistério, aparecem como
acontecimentos que brotam da oração... Por isso, é significativo que S. Lucas
coloque o Pai-Nosso em relação com a própria oração de Jesus. Ele nos torna
assim participantes na sua própria oração, Ele nos introduz no diálogo interior
do amor trinitário... Ele quer formar o nosso ser, exercitar-nos no modo de
pensar sobre Jesus”. (Bento XVI, 2007.)
O evangelista Lucas, que no seu evangelho Jesus ora frequentemente e que
mais valorizou este aspecto da identidade cristã, revelou a verdadeira gênese
do Pai Nosso (cf. Lc 11,1-13). “Nasce da oração de Jesus; vendo que Jesus
rezava daquela maneira, os discípulos se convenceram de que nunca tinham rezado
realmente em sua vida, nasceu-lhes um grande desejo de aprender a rezar e Jesus
satisfez este desejo dando-lhe sua própria oração. Porque o Pai Nosso deve ser
lido exatamente deste modo: como a oração da cabeça que se difunde em todos os
membros e se torna oração de todo o corpo que é a Igreja. O Pai Nosso é a onda
da oração de Jesus que se propaga nos séculos e se avoluma mais e mais
recolhendo cada uma das vozes, toda a súplica, todo grito que os homens emitem
olhando para o alto, também se sem saber a quem.” (Ibid. Cantalamessa.)
Para Jesus a oração não se trata simplesmente de uma arma secreta, mas
sim de uma necessidade que tem como homem de estar em contato muito pessoal com
o Pai. Jesus comunica sua mesma experiência a seus discípulos, ensinando-os a
rezar o Pai Nosso. Isto supõe ter confiança em Deus e rezar em sintonia com a
sua vontade. Nós mesmos não seriamos capazes desses sentimentos, por isso Jesus
nos exorta a rezar em seu nome, junto com Ele. Todos conhecemos qual é a oração
de Jesus, e como essa oração não se guarda para si, mas sim que se comunica aos
outros. Para Lucas só aquele que vive no Espírito de Jesus, saberá rezar o Pai
Nosso com o espírito de Jesus. E só saberá rezá-lo quem souber escutar
primeiramente a pregação de Jesus.
O Pai nossos é a oração específica do discípulo de Jesus, já que Lucas
nos diz com clareza que os discípulos pediram que Ele lhes ensinasse. E os
discípulos o pediram para que eles também tivessem uma oração que os identificasse
ante os outros grupos religiosos que existiam. Em consequência é uma oração
destinada para aqueles que "buscaram" o Reino de Deus, com plena
entrega de vida; para aqueles que converteram o Reino de Deus no conteúdo
exclusivo de sua vida. Pois quando Jesus nos ensina como e o que temos de orar,
então nos está ensinando implicitamente como deveríamos ser e viver, para poder
orar desta maneira.
Não podemos entrar nos pormenores exegéticos do Pai Nosso. No entanto,
temos uma certeza, não é que Jesus inventou a invocação de Deus como "Abbá-Pai”.
È a invocação que Ele escutou no dia do seu Batismo e que o acompanhou até a
morte: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23,46) É a invocação que lhe acompanhava nos
momentos de oração que nos mostra o evangelho. É a invocação que lhe inspirava
confiança e que comunicava a seus amigos. É algo “novo” esse Deus amigo e
próximo. Jesus é quem põe sobre a mesa da experiência religiosa de todos os
tempos, um novo sentido de como devemos entender a Deus e de como devemos
relacionar-nos com Ele.
O Pai-Nosso é a grande escola e oficina de oração do cristão, é o
resumo de tudo que há de bom e tudo o que o discípulo pode desejar obter do
Pai. Pois o nosso Deus é um Pai amoroso, sempre disposto a dar a sua graça, a
perdoar e a salvar. O Pai-Nosso é como um caminho ou um método de oração a ser
constantemente trilhado pelos discípulos e discípulas de Cristo, que nunca
devem se cansar de bater, pedir e procurar (cf. Lc 11,9-10).
Quando oramos o que se produz entre Deus e nós, é então o encontro
entre o Pai e o filho ou a filha. Orar é produzir um encontro familiar, intimo
entranhável. A nossa oração deve ser sempre uma oração de filhos e filhas de
Deus, que procuram sempre e em tudo fazer a vontade de nosso Pai do céu. O
nosso clamor, a nossa oração vai sempre unida ao desejo de cumprir a vontade de
Deus.
Depois de ter
apresentado o modelo da oração cristã, o Mestre conta a parábola de um amigo
inoportuno que não deixa em paz seu amigo, com muita insistência, pede que este
lhe empreste três pães (cf. Lc 11,5-8)
Esta história quer ensinar-nos que a oração só consegue resultados se for
perseverante. Não devemos entendê-la como se um pedido repetido até à saciedade
dobrasse a vontade de Deus e o pusesse à nossa disposição.
A oração é eficaz
apela para a bondade do Pai, não por nossa insistência ou por nossos méritos. Por
isso Jesus nos apresenta o exemplo do pai bom, que não será
nunca capaz de dar algo mal a seu filho. (cf. Lc 11,11-12)
E a conclusão que Jesus tira destes exemplos é: “Se vós, que sois maus, sabeis
dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito
Santo aos que o pedirem”. (cf. Lc 11,13)
Eu creio que devemos
pedir, pois isso demonstra nossa pobreza e indigência, nossa necessidade de
ajuda e que pomos nossa confiança em Deus-Pai. E que o Espírito Santo que
habita em nós nos ilumine e nos dê forças para que sejamos capazes de fazer em
cada momento a vontade de Deus-Pai. Pois sem duvida o pedido leva ao autêntico
compromisso de trabalhar para tornar realidade o que pedimos. O Espírito Santo nos
ajudará a discernir qual é a santa vontade de Deus.
Bibliografia
Textos e referências bíblicas: Bíblia de
Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Cantalamessa,
Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Ano A.B,C.
São Paulo, Ave Maria, 2012.
Bento XVI. Os Apóstolos, uma introdução às
origens da fé cristã. São Paulo, Editora Pensamento, 2007.
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