sábado, julho 27, 2013

Artigo de Padre Assis - Uma oração que resume toda a experiência de Jesus

Sabemos de cor o Pai Nosso, o aprendemos com a ajuda de nossos pais e catequistas. O recitamos cotidianamente na eucaristia e também privadamente. Mas, de certa maneira o banalizamos recitando-o frequentemente, em série, sem pensar em suas palavras. Já pensamos que esta oração resume a experiência de fé e de vida de Jesus e a nossa? Alguma vez pensamos que ela é o centro de nossa espiritualidade cristã?
Conforme os Padres da Igreja: Cirilo de Jerusalém e Tertuliano, “o Pai Nosso fazia parte das coisas secretas da fé cristã protegidas pela lei do arcano. Este era ‘confiado’ aos catecúmenos somente no fim de sua preparação, na vigília do batismo, junto com a explicação da Eucaristia. Quem o recebia cuidava das palavras como de relíquias e esperava com ânsia o momento que, saindo da purificação do batismo, ‘cercado pelos irmãos e apresentado pela Mãe’ (a Igreja), levantando os braços ao céu, teria exclamado pela primeira vez ‘Pai!’, apresentado-se para o conhecimento de todos como filho de Deus.” (Cantalamessa, 2012)
A Liturgia deste Domingo nos oferece uma catequese sobre a oração, sua necessidade e importância. Este é o primeiro dever da Igreja: Rezar. O Papa Francisco recentemente afirmou: “A evangelização faz-se de joelhos. Sede sempre homens e mulheres de oração! Sem o relacionamento constante com Deus, a missão torna-se um oficio”. (Homilia, 7 de julho 2013, na jornada dedicada aos seminaristas e noviças no Ano da fé)
O povo hebreu, como o conhecemos através do Antigo Testamento, fez a experiência de fé em um Deus presente em sua história. A Bíblia ensina desde a primeira página que o mundo e toda a vida provêm de Deus e que sem Ele nada pode existir. Os hebreus O experimentaram em sua vida individual e na história de seu povo. Esquecer-se de Deus leva sempre à catástrofe. Dirigir-se a Deus, rezar, pertence à própria identidade da vida. A Escritura compara esta relação do homem com Deus, ao matrimônio. Deve existir um diálogo continuo e se devem tomar decisões comuns.
É comovente o diálogo, a oração que Abraão, dirige a Deus. Sua oração invoca o perdão divino para os “justos”, mesmo se poucos, que poderão encontrar-se nas cidades de Sodoma e Gomorra (cf. Gn 18,20-32). Oração toda ela perpassada de temor, confiança, perseverança e certo atrevimento. É assim que nós devemos dialogar com Deus que nos atende como “amigo” e que não se aborrece com a insistência porque está sempre disposto a perdoar.
Como Jesus rezava? José, como testemunha o evangelho (cf. Mt 1,19), ensinou as primeiras orações a Jesus quando era criança, depois Ele, como judeu, conservava a tradição do seu povo; amava o templo, frequentava a sinagoga e fazia as orações no ambiente familiar. Sem duvida, junto a isto, sabemos que Jesus gostava de rezar a sós, durante noites inteiras. Porém, pouco podemos dizer a respeito de como o fazia. Sabemos pelo que lemos a respeito de seu Batismo no Jordão (cf. Mc 1,9-11), que não só falava de Deus, mais que também o Pai do Céu se dirigia a Ele e lhe assegurava sua paternidade: “Tu és o meu Filho, em ti me comprazo”. Por isso Jesus se dirige a Deus como a um “Abbá-Pai”. A consciência da filiação divina era para Jesus fonte de grande consolação. Estava certo de que o Pai o escutava sempre quando Ele lhe pedia alguma coisa. Ele, por sua parte, não quer pedir outra coisa senão aquilo que é a vontade do Pai. Isso exige dele sacrifícios, como o testemunha sua oração no monte das oliveiras.
É muito característico de Lucas ter atribuído à oração de Jesus um lugar muito especial no seu Evangelho. “A ação de Jesus em geral surge da sua oração, é suportada por ela. Assim, acontecimentos essenciais do seu caminho, nos quais progressivamente se desvela o seu mistério, aparecem como acontecimentos que brotam da oração... Por isso, é significativo que S. Lucas coloque o Pai-Nosso em relação com a própria oração de Jesus. Ele nos torna assim participantes na sua própria oração, Ele nos introduz no diálogo interior do amor trinitário... Ele quer formar o nosso ser, exercitar-nos no modo de pensar sobre Jesus”. (Bento XVI, 2007.)
O evangelista Lucas, que no seu evangelho Jesus ora frequentemente e que mais valorizou este aspecto da identidade cristã, revelou a verdadeira gênese do Pai Nosso (cf. Lc 11,1-13). “Nasce da oração de Jesus; vendo que Jesus rezava daquela maneira, os discípulos se convenceram de que nunca tinham rezado realmente em sua vida, nasceu-lhes um grande desejo de aprender a rezar e Jesus satisfez este desejo dando-lhe sua própria oração. Porque o Pai Nosso deve ser lido exatamente deste modo: como a oração da cabeça que se difunde em todos os membros e se torna oração de todo o corpo que é a Igreja. O Pai Nosso é a onda da oração de Jesus que se propaga nos séculos e se avoluma mais e mais recolhendo cada uma das vozes, toda a súplica, todo grito que os homens emitem olhando para o alto, também se sem saber a quem.” (Ibid. Cantalamessa.)
Para Jesus a oração não se trata simplesmente de uma arma secreta, mas sim de uma necessidade que tem como homem de estar em contato muito pessoal com o Pai. Jesus comunica sua mesma experiência a seus discípulos, ensinando-os a rezar o Pai Nosso. Isto supõe ter confiança em Deus e rezar em sintonia com a sua vontade. Nós mesmos não seriamos capazes desses sentimentos, por isso Jesus nos exorta a rezar em seu nome, junto com Ele. Todos conhecemos qual é a oração de Jesus, e como essa oração não se guarda para si, mas sim que se comunica aos outros. Para Lucas só aquele que vive no Espírito de Jesus, saberá rezar o Pai Nosso com o espírito de Jesus. E só saberá rezá-lo quem souber escutar primeiramente a pregação de Jesus.
O Pai nossos é a oração específica do discípulo de Jesus, já que Lucas nos diz com clareza que os discípulos pediram que Ele lhes ensinasse. E os discípulos o pediram para que eles também tivessem uma oração que os identificasse ante os outros grupos religiosos que existiam. Em consequência é uma oração destinada para aqueles que "buscaram" o Reino de Deus, com plena entrega de vida; para aqueles que converteram o Reino de Deus no conteúdo exclusivo de sua vida. Pois quando Jesus nos ensina como e o que temos de orar, então nos está ensinando implicitamente como deveríamos ser e viver, para poder orar desta maneira.
Não podemos entrar nos pormenores exegéticos do Pai Nosso. No entanto, temos uma certeza, não é que Jesus inventou a invocação de Deus como "Abbá-Pai”. È a invocação que Ele escutou no dia do seu Batismo e que o acompanhou até a morte: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23,46) É a invocação que lhe acompanhava nos momentos de oração que nos mostra o evangelho. É a invocação que lhe inspirava confiança e que comunicava a seus amigos. É algo “novo” esse Deus amigo e próximo. Jesus é quem põe sobre a mesa da experiência religiosa de todos os tempos, um novo sentido de como devemos entender a Deus e de como devemos relacionar-nos com Ele.
O Pai-Nosso é a grande escola e oficina de oração do cristão, é o resumo de tudo que há de bom e tudo o que o discípulo pode desejar obter do Pai. Pois o nosso Deus é um Pai amoroso, sempre disposto a dar a sua graça, a perdoar e a salvar. O Pai-Nosso é como um caminho ou um método de oração a ser constantemente trilhado pelos discípulos e discípulas de Cristo, que nunca devem se cansar de bater, pedir e procurar (cf. Lc 11,9-10).
Quando oramos o que se produz entre Deus e nós, é então o encontro entre o Pai e o filho ou a filha. Orar é produzir um encontro familiar, intimo entranhável. A nossa oração deve ser sempre uma oração de filhos e filhas de Deus, que procuram sempre e em tudo fazer a vontade de nosso Pai do céu. O nosso clamor, a nossa oração vai sempre unida ao desejo de cumprir a vontade de Deus.
Depois de ter apresentado o modelo da oração cristã, o Mestre conta a parábola de um amigo inoportuno que não deixa em paz seu amigo, com muita insistência, pede que este lhe empreste três pães (cf. Lc 11,5-8) Esta história quer ensinar-nos que a oração só consegue resultados se for perseverante. Não devemos entendê-la como se um pedido repetido até à saciedade dobrasse a vontade de Deus e o pusesse à nossa disposição.
A oração é eficaz apela para a bondade do Pai, não por nossa insistência ou por nossos méritos. Por isso Jesus nos apresenta o exemplo do pai bom, que não será nunca capaz de dar algo mal a seu filho. (cf. Lc 11,11-12) E a conclusão que Jesus tira destes exemplos é: “Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem”. (cf. Lc 11,13)
Eu creio que devemos pedir, pois isso demonstra nossa pobreza e indigência, nossa necessidade de ajuda e que pomos nossa confiança em Deus-Pai. E que o Espírito Santo que habita em nós nos ilumine e nos dê forças para que sejamos capazes de fazer em cada momento a vontade de Deus-Pai. Pois sem duvida o pedido leva ao autêntico compromisso de trabalhar para tornar realidade o que pedimos. O Espírito Santo nos ajudará a discernir qual é a santa vontade de Deus.

Bibliografia

Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Ano A.B,C. São Paulo, Ave Maria, 2012.
Bento XVI. Os Apóstolos, uma introdução às origens da fé cristã. São Paulo, Editora Pensamento, 2007.

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