PALAVRA
E PÃO PARA PODER VER O SENHOR
Neste terceiro domingo da Páscoa, contemplamos
a terceira aparição de Jesus ressuscitado a seis dos seus discípulos nas
margens do lago de Tiberíades, transformando ao amanhecer em pesca abundante a
noite infrutuosa.
É aparentemente fácil fazer a experiência do
encontro com Deus nos momentos felizes da vida, quando tudo vai bem: somos acolhidos
e amados, há harmonia em nosso ambiente de trabalho e paz em nossa família e à nossa
volta tudo é bondade e comunhão.
Mas, há momentos em que se torna quase impossível
descobrirmos o Senhor nos reveses, fracassos e contrariedades. Aí
experimentamos a desilusão dos discípulos que saíram para pescar e nada
apanharam. “O mar nem sempre está para peixe”, nem sempre a vida nos sorri. É
desta experiência do encontro com Jesus ressuscitado que nos espera à margem de
nossas inseguranças e desilusões e nos convida a comer que nos fala o evangelho
de hoje.
O texto (cf. Jo
21,1-19) epílogo ou apêndice do quarto evangelho, nos situa concretamente no
lago de Tiberíades. Às margens deste lago, tiveram lugar momentos que ficaram
no imaginário da vida cristã como exemplo e modelo de outros encontros que, ao
longo da história, se vão repetindo.
Ali é onde Jesus, três anos antes, mandou
Pedro lançar as redes mar a dentro, depois de toda uma noite sem haver pescado
nada. (cf. Lc 5,1-11) E também ali
Jesus convidou seu irmão André, Tiago e João para que fossem pescadores de
homens. Podemos até imaginar a praia então, cheia de gente em uma manhã
fresca. As pessoas aglomeradas no porto para ouvi-lo enquanto Simão e os outros
pescadores estão ocupados limpando redes e embarcações sujas da noite de pesca
infrutífera.
Ali é onde Pedro e
seus companheiros pescaram tamanha quantidade de peixes, que ele espontaneamente
caiu rendido e arrependido pela desconfiança, aos pés de Jesus e disse: “Afasta-te
de mim, Senhor, porque sou pecador!” (Lc 5,8)
Sim, ali é onde
tudo começou, onde está a primeira comunidade de Jesus e seus primeiros
discípulos.
E pode parecer que é onde tudo vai terminar. Depois dos últimos acontecimentos
em Jerusalém, decepcionados pelo aparente fracasso de Jesus, morto na cruz. Pedro,
Tomé, Natanael, os filhos de Zebedeu e dois outros discípulos voltam a sua vida
cotidiana de pescadores. (vv. 2.3)
“Jesus gosta de
encontrar as pessoas nas situações mais reais da vida cotidiana o que aconteceu
aos
primeiros
discípulos, pescadores ocupados na sua lida habitual (cf.
Mt 4,18), é significativo para todos. Já três anos antes os havia encontrado
naquela situação, quando os tinha chamado a segui-lo. Tinha surpreendido Levi
quando desempenhava a sua tarefa de cobrador de impostos (cf.
Mt, 9,9). Tinha encontrado a mulher samaritana junto ao poço aonde ela fora
buscar água, como todos os dias (cf. Jo 4,7). Em suma, poderíamos percorrer todo o
Evangelho e chegar a esta ultima página de João, para concluir é na vida que se
encontra Jesus Cristo, é com a nossa vida concreta que Ele deseja interferir.” (Casarin,
2009.)
Aprendamos
com estes encontros de Jesus com seus discípulos a concentrar-nos em nosso
trabalho e em nossa vida cotidiana até que Jesus nos peça outra coisa: “lançai
a rede para a direita do barco e encontrareis.” (v.6)
Os
discípulos voltaram
a pescar, por decisão pessoal e “naquela noite, nada apanharam.” (v.3) Estão
desesperançados e sem rumo, tudo lhes saiu mal, outra vez. Ao amanhecer Jesus
na praia lhes faz uma pergunta para que expressem sua situação: “Moços, acaso
tendes algum peixe? Responderam-lhe: Não!” (v. 5) Na negativa dos
discípulos vai também sua sensação de fracasso. Mas Jesus volta a dizer o mesmo
daquela manhã, três anos antes: “Lançai a rede para a direita do barco e
encontrareis.” (v.6)
E de novo se
produz o milagre. Encheram a rede “e já não tinham força para puxá-la, por
causa da quantidade de peixes.” (v. 6)
Quando João, o
discípulo amado diz a Pedro que “é o Senhor!” (v.7) Pedro não vai
contar os peixes, lança-se ao mar e vai ao encontro do Mestre. (v.
7) É
que ele reconheceu suas palavras, as mesmas que lhe converteram em apóstolo. Ele
descobriu que só o Senhor ilumina nossa noite escura de esforços inúteis,
somente o Senhor poderá transformar em pesca farta as humanas desilusões, e que
o sucesso humano não depende de nossa competência pessoal, é puro dom de Deus!
“Efetivamente a
iniciativa é de Jesus, que não é reconhecido de imediato pelos discípulos, mas
depois, graças a uma palavra ou gesto seus e mediante um processo gradual de
fé. Este processo é iniciado nesta ocasião “pelo discípulo que Jesus tanto
amava”, João, que diz a Pedro: É o Senhor! Certeza essa de que participam a
seguir os outros cinco discípulos ali presentes...
Nesta aparição estão compreendidos dois
momentos: a pesca e a refeição. A missão está indicada no simbolismo
missionário da barca, da pesca, da rede e dos peixes. Pormenores todos eles que
apontam para a missão universal da Igreja, herdada de Cristo e iniciada por
aqueles a quem Jesus constituiu ‘pescadores de homens’ e que agora trabalham
comunitariamente e vêm como transborda de peixes a sua rede. É o primeiro
simbolismo e chave de leitura. Porque estava ausente Jesus e seu mandato
missionário: ‘lançai as redes’, resultou que ficaram vazias as redes dos
apóstolos na primeira tentativa.
Igualmente a refeição fraterna que se seguiu à pesca deve entender-se em
termos de chave eucarística. É o segundo nível de leitura do evangelho de hoje.”
(Caballero, 2000.)
“Vinde comer!” (v.12) Quando todos
chegam à margem do lago, Jesus lhes havia preparado uma refeição. Convida-os a
comer do pão e do peixe que Ele lhes havia preparado sobre as brasas, mas falta
que eles ponham a sua oferenda, de seu trabalho, dos peixes que tinham pescado
graças ao Senhor, que o havia multiplicado. E eles lembram-se do que Jesus
havia dito: “sem mim nada podeis fazer.” (Jo 15,5) Então se sentaram
para comer. E “Jesus aproxima-se, toma o pão e o distribui entre eles; e faz o
mesmo com o peixe.” (v.13) O Cristo repete o mesmo ritual da
multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Jo 6,1-15), que por sua vez
é o mesmo da última ceia (cf. Lc 22, 14-20) e o do encontro
com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 35-48).
Os encontros com o ressuscitado sempre têm
uma referência Eucarística, recordando o que Jesus lhes disse na última Ceia:
“fazei isto em minha memória.” (Lc 22,19) É a experiência das comunidades primeiras
do encontro com Jesus Ressuscitado no pão eucaristizado e partilhado. Por isso,
quando Jesus parte o pão, os discípulos já não tem nenhuma duvida de que é Ele,
de que ressuscitou como lhes havia dito. Agora tudo tem sentido. Agora são
testemunhas do ressuscitado e vão anunciá-lo a todo o mundo.
Nós também somos testemunhas do
ressuscitado. O experimentamos vivo e presente no meio de nós cada vez que partilhamos
a Eucaristia. E também em cada pessoa, em cada irmão, especialmente nos mais
pobres, e em cada situação da vida cotidiana. Porque Jesus está vivo e segue
atuando na vida e entre as pessoas, e segue tocando-nos o coração e mudando
nossas vidas, na medida em que o deixemos. Cada um de nós há de ter sua própria
experiência de encontro com o ressuscitado, com seu amor incondicional, que enche
sua vida. Assim, nossa fé nos levará a testemunhá-lo com todas nossas forças e
sem medo.
Hoje Jesus também nos preparou uma refeição,
como todos os domingos. Faz-nos sentar à mesa e nos pede “do que temos pescado”,
de nosso trabalho da semana, que o apresentemos nesta mesa, para que Ele o
multiplique para o bem de toda a humanidade. “A Eucaristia tem a ver com o
regresso dos pescadores da labuta noturna “Trazei alguns dos peixes que
apanhastes agora.” (v. 10) Traz-se aquilo que se viveu, experimentou, sofreu:
tudo se torna Eucaristia. Então é como ver Jesus ressuscitado não de longe ou
de maneira confusa (v. 4), mas de perto; é receber dos seus lábios a Palavra
que reanima e das suas mãos o pão que conforta para retomar a caminhada (v.
13).”
(Ibid. Casarin.) Jesus nos convida a esta mesa para que em todas as
mesas haja pão e este é Ele. Esse há de ser nosso testemunho de que cremos no
ressuscitado nestes tempos. Que nossa fé em Jesus ressuscitado nos leve a
descobri-lo.
“A Páscoa é um acontecimento que, além de
ser celebrado com a devida solenidade, espera passar à vida e ao dia a dia,
amiúde impregnada de monotonia e de rotina, que obriga a estarmos bem atentos
para reconhecer a presença, discreta, mas real, do Senhor ressuscitado. É uma
presença, a Sua, que qualifica a própria vida, infundindo sentido e cor,
impedindo o naufrágio no acinzentado da banalidade. É uma presença que ajuda a
perceber as oportunidades providenciais através das quais ela se revela fecunda
e frutuosa para o homem, no modo que agrada a Deus. Uma presença que, quando é
advertida, tem efeito de tornar jubilosamente ‘eucarística’ toda a vida.
Mas é só o amor que pode dar à fé uma tal
sensibilidade: ‘o discípulo predileto do Senhor disse a Pedro: ‘É o Senhor!’ (v.7); ‘Simão, filho de
João, tu amas-me?’ (vv. 15.16.17) O amor, enquanto resposta personalizada ao
chamamento misericordioso de Cristo, sempre repetido e renovado, consente
retomar o caminho em termos de sequela. Cada dia, como na primeira vez: ‘Segue-Me!’
(cf. Mc 1,17)” (bid. Casarin.)
Bibliografia:
Textos e referências
bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Caballero, Basílio. A Palavra de cada dia,
comentário e oração. Portugal, Paulus, 2000.
Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado, Quaresma
– Páscoa. Lisboa, Paulus, 2009.

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