sábado, abril 06, 2013

É Páscoa. Voltemos à comunidade!


É Páscoa. Voltemos à comunidade!


Estamos na Páscoa, tempo de nos sentirmos Igreja, comunidade de irmãos e irmãs que celebram, e vivem com alegria a experiência de um Cristo vivo no meio de nós; que acompanha nossas vidas e as enche de sua presença, que converte a vida cotidiana em um “kairós”, um acontecimento de salvação. E o dia que se converte em referencial é o Domingo, “o primeiro da semana”, porque é o dia da ressurreição.
Cada Domingo, dia do Senhor, os cristãos nos reunimos como Igreja, como comunidade cristã, ao celebrar nossa fé no Ressuscitado. Reunimo-nos com a certeza de que Ele está “presente no meio de nós, quando nos reunimos por seu amor. Como outrora aos discípulos, ele nos revela as Escrituras e parte o pão para nós”. (Oração Eucarística VI – A) Viemos nos encontrar com Ele e o fazemos em comunidade. A Páscoa nos ensina a deixar nossos individualismos de lado e optar por ser uma humanidade nova, uma comunidade cristã “nova” à luz do Ressuscitado, que faz novas todas as coisas. (cf. Ap 21,16)
O autor dos Atos dos Apóstolos, uma leitura recomendada para este tempo pascal, nos conta como pouco a pouco vai se formando a comunidade cristã, com a força e o impulso do Espírito Santo. (cf. At 5,12-16) Os discípulos e discípulas vão vivendo a experiência do “encontro” com um Jesus que o acreditavam morto e que está vivo. Este acontecimento vai transformar radicalmente, para sempre suas vidas. Os que antes estavam escondidos, agora pregam publicamente, na porta do templo. Os que tinham as portas fechadas por medo, agora saem às ruas e formam uma comunidade nova e missionária. Porque o lugar sagrado já não é o templo de Jerusalém, mas sim a própria comunidade, já que é nela onde se descobre a presença do Ressuscitado.
Os discípulos dão testemunho de Jesus Ressuscitado e crescia o número dos crentes, “mais e mais aderiam ao Senhor, pela fé, multidões de homens e de mulheres.” (v.14) Esse era o milagre dos milagres: crer. E isso era possível ao descobrir Jesus Ressuscitado “no meio deles.” (v.19) O Ressuscitado é o centro da comunidade, sua fonte de vida, seu ponto de referência, o fator de unidade, de confiança e segurança. A comunidade cristã “nova” nasce à luz dessa experiência de encontro com Jesus. Essa experiência se transmite no convite a viver de maneira nova, a formar uma humanidade “nova”, a Igreja. Essa é a grande experiência da Páscoa.
Hoje, mais do que nunca, como os discípulos e discípulas de Jesus de ontem temos que dizer: “Vimos o Senhor!” (Jo 20,25) E, ainda que alguns, como no passado, com interesses mesquinhos queiram calar a voz da Igreja, temos de responder com a força de nossa fé, com o entusiasmo do nosso testemunho cristão que Cristo segue vivo em sua Igreja, cuja razão de ser é anunciar, às vezes com alguma debilidade, mas sempre com santidade a grande notícia do evangelho: Jesus Ressuscitou e vive entre nós!
Mas, crer não é uma tarefa fácil. Se há algo que os discípulos de Jesus não esperavam é que Ele, ressuscitando, voltasse à vida e se lhes aparecesse sem perder sua identidade com o Crucificado. Os Evangelhos põem em destaque essa impressionante surpresa, que chegou até a temeridade de pedir provas, como o fez Tomé (cf. Jo 20, 19-31).
O Ressuscitado surpreende as mulheres que foram ao sepulcro e o encontraram vazio, surpreende aos dois discípulos no caminho de Emaús, surpreende aos discípulos reunidos em uma casa, a portas fechadas em Jerusalém. Quantas surpresas juntas nesse primeiro dia depois do sábado! Por que eles se surpreendem, se acreditavam na ressurreição dos mortos? Por que eles se surpreendem se haviam visto a ressurreição de Lázaro? Por que se surpreendem, se Jesus os havia predito em várias ocasiões durante o seu ministério público? Eles se surpreendem porque o que contemplam seus olhos é algo totalmente novo. Eles, como judeus piedosos, educados pelos escribas e fariseus, acreditam na ressurreição dos mortos, mas... Não no tempo e sim ao final dos tempos, “no último dia”. Eles se surpreendem porque a ressurreição histórica de Jesus é caso único e é absolutamente diferente da de Lázaro, da filha de Jairo ou a do filho da viúva de Naim. Jesus está vivo, mas sua vida já não é totalmente igual à nossa, é uma vida diferente, nova, superior. Eles se surpreendem porque uma coisa é escutar, entender, e outra totalmente diversa é experimentar: os discípulos não escutam que Jesus vai ressuscitar ao terceiro dia, o vêm e o ouvem ressuscitado, o experimentam como o vencedor da morte, que vive para sempre. “Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último, o Vivente; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos...” (Ap 1,18) Isso é maravilhosamente surpreendente!
A figura de Tomé (cf. Jo 20, 19-31) quer-nos apresentar as dificuldades a que nossa fé está exposta; é como quem quer provar a realidade da ressurreição como se se tratasse de uma volta a esta vida. Alguns, no entanto a querem entender assim, mas dessa maneira nunca se conseguirá que a fé tenha sentido. Porque a fé é um mistério, mas também é relevante que deve ter una certa racionalidade, e numa volta à vida não há verdadeira e real ressurreição.
A Tomé lhe custa crer porque não está com a comunidade e não acredita no testemunho dos outros discípulos que disseram: “Vimos o Senhor!” (v.24-25) E a nós? Às vezes nos parece mais fácil o “se não vir... não crerei” (v.25), que o “felizes os que não viram e creram” (v. 29), que propõe o evangelho hoje.
Tomé deve enfrentar-se com o mistério da ressurreição de Jesus a partir de suas seguranças humanas e a partir de sua solidão, porque não estava com os discípulos naquele momento em que Jesus, depois da ressurreição, se lhes fez presente. Este é um dado que não é nada secundário na hora de poder compreender o sentido do que se nos quer revelar nesta cena: a fé, vivida a partir do personalismo, está exposta a maiores dificuldades. A partir dai não há caminho algum para ver que Deus ressuscita e salva.
Tomé não se fia na palavra de seus irmãos; quer crer a partir dele mesmo, a partir de suas possibilidades e sua debilidade. Definitivamente, se está expondo a um caminho muito árduo. Mas o ressuscitado vai “mostrar-se” através da simbologia do “encontro” não individualmente como Tomé quer, mas sim é na comunidade que ele se “encontrará” com o Senhor.
Tomé, pois, deve começar de novo: não poderá tocar com suas mãos as feridas do Ressuscitado, porque este, não é uma “imagem”, mas sim a “realidade pura” de quem tem a Vida verdadeira. E é diante dessa experiência de uma vida diferente, mas verdadeira, quando Tomé se sente chamado a crer como seus irmãos, como todos os homens.
Dizer “Meu Senhor e meu Deus” (v. 28), é aceitar que a fé deixa de ser puro personalismo para ser comunhão que se enraíza na confiança comunitária, e experimentar que o Deus de Jesus é um Deus da vida e não da morte.
“Quase sempre se fala de Tomé como o símbolo da incredulidade. Na verdade, narrando o episódio, João quis dar um aprova de que Cristo ressuscitara de fato. Era Jesus em pessoa, ainda que seu corpo tivesse um outro modo de apresentar-se. Tomé hoje sente Jesus ressuscitado pelo olho (viu), pelo ouvido (escutou) e pelo tato (tocou-o). Os principais sentidos humanos atestam a ressurreição do Senhor. As chagas garantem que é a mesma pessoa que esteve pregada na cruz. Antes da Páscoa, Jesus estava fisicamente presente. Para Tomé ele está gloriosamente presente. Hoje Jesus continua na comunidade, presente com outra forma de presença, invisível, mas tão verdadeira quanto a física e a gloriosa. A fé dá-nos olhos suficientes para vê-lo. Somos felizes (bem-aventurados), se crermos sem vê-lo fisicamente e o reconhecermos como “meu Senhor e meu Deus” (v. 28).” (Neotti, 2003.)
Tomé viu e creu, mas, queria antes crer com os dedos. Tem que meter seus dedos nas cicatrizes para crer. E se Jesus tivesse ressuscitado sem as cicatrizes? Então Tomé não teria crido. Jesus louva aos que creem sem ter visto acima dos que creem porque puderam tocar. Tomé é muito parecido conosco, homens e mulheres do século XXI cientificado e tecnificado: queremos comprovar as coisas antes de crer nelas. Vivemos em um mundo cultural distinto, e ainda que a fé seja a mesma, a interpretação deve propor-se com mais criatividade. Sem duvida há muitas pessoas que se fiam em Jesus, todo esse povo simples e humilde das procissões da Semana Santa nos dá exemplo de confiança, porque crer é confiar. Mas, para que nossa fé seja autêntica, é necessário dar um passo a mais. Não vale só viver com as emoções de um momento. A fé nos compromete e nos anima a seguir a Jesus e a por em prática sua mensagem, pois "a fé sem obras é uma fé morta", nos disse São Tiago em sua Carta.
Quando Tomé volta à comunidade (v. 28) deixa de ser incrédulo. Quando daremos nós esse passo? A comunidade cristã como vimos, nasce da experiência do encontro com o Ressuscitado, “para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” (v. 30) Se não partimos da certeza de que Jesus está “no meio” de nós, não poderemos construir uma comunidade cristã. Se não cremos que o Espírito Santo é o que leva adiante tudo isso, não passaremos de uma organização benemérita e filantrópica, uma ONG. Se não nos convencemos de que a experiência de fé e vida cristã é essencialmente comunitária, não deixaremos de tropeçar no individualismo de nossos próprios fracassos pessoais.
É Páscoa. Voltemos à comunidade! Vivamos nossa fé junto aos irmãos e irmãs.

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Neotti, Frei Clarêncio. Ministério da palavra, Ano C – Comentários aos Evangelhos dominicais e festivos. Petrópolis, Vozes, 2003.




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