É Páscoa. Voltemos à comunidade!
Estamos na Páscoa, tempo de
nos sentirmos Igreja, comunidade de irmãos e irmãs que celebram, e vivem com
alegria a experiência de um Cristo vivo no meio de nós; que acompanha nossas
vidas e as enche de sua presença, que converte a vida cotidiana em um “kairós”,
um acontecimento de salvação. E o dia que se converte em referencial é o Domingo,
“o primeiro da semana”, porque é o dia da ressurreição.
Cada Domingo, dia do Senhor, os
cristãos nos reunimos como Igreja, como comunidade cristã, ao celebrar nossa fé
no Ressuscitado. Reunimo-nos com a certeza de que Ele está “presente no meio de
nós, quando nos reunimos por seu amor. Como outrora aos discípulos, ele nos
revela as Escrituras e parte o pão para nós”. (Oração Eucarística VI – A) Viemos nos
encontrar com Ele e o fazemos em comunidade. A Páscoa nos ensina a deixar
nossos individualismos de lado e optar por ser uma humanidade nova, uma
comunidade cristã “nova” à luz do Ressuscitado, que faz novas todas as coisas. (cf. Ap 21,16)
O autor dos Atos dos Apóstolos,
uma leitura recomendada para este tempo pascal, nos conta como pouco a pouco
vai se formando a comunidade cristã, com a força e o impulso do Espírito Santo.
(cf. At 5,12-16)
Os discípulos e discípulas vão
vivendo a experiência do “encontro” com um Jesus que o acreditavam morto e que
está vivo. Este acontecimento vai transformar radicalmente, para sempre suas
vidas. Os que antes estavam escondidos, agora pregam publicamente, na porta do
templo. Os que tinham as portas fechadas por medo, agora saem às ruas e formam
uma comunidade nova e missionária. Porque o lugar sagrado já não é o
templo de Jerusalém, mas sim a própria comunidade, já que é nela onde se
descobre a presença do Ressuscitado.
Os discípulos dão testemunho
de Jesus Ressuscitado e crescia o número dos crentes, “mais e mais aderiam ao
Senhor, pela fé, multidões de homens e de mulheres.” (v.14) Esse era o milagre dos milagres:
crer. E isso era possível ao descobrir Jesus Ressuscitado “no meio deles.” (v.19) O Ressuscitado
é o centro da comunidade, sua fonte de vida, seu ponto de referência, o fator
de unidade, de confiança e segurança. A comunidade cristã “nova” nasce à luz
dessa experiência de encontro com
Jesus. Essa experiência se transmite no convite a viver de maneira nova, a
formar uma humanidade “nova”, a Igreja. Essa é a grande experiência da Páscoa.
Hoje, mais do que nunca, como
os discípulos e discípulas de Jesus de ontem temos que dizer: “Vimos o Senhor!”
(Jo 20,25) E,
ainda que alguns, como no passado, com interesses mesquinhos queiram calar a
voz da Igreja, temos de responder com a força de nossa fé, com o entusiasmo do
nosso testemunho cristão que Cristo segue vivo em sua Igreja, cuja razão de ser
é anunciar, às vezes com alguma debilidade, mas sempre com santidade a grande
notícia do evangelho: Jesus Ressuscitou e vive entre nós!
Mas, crer não é uma tarefa fácil. Se há algo que os discípulos de
Jesus não esperavam é que Ele, ressuscitando, voltasse à vida e se lhes
aparecesse sem perder sua identidade com o Crucificado. Os Evangelhos põem em
destaque essa impressionante surpresa, que chegou até a temeridade de pedir
provas, como o fez Tomé (cf. Jo 20, 19-31).
O Ressuscitado surpreende as mulheres que foram ao sepulcro e o
encontraram vazio, surpreende aos dois discípulos no caminho de Emaús,
surpreende aos discípulos reunidos em uma casa, a portas fechadas em Jerusalém.
Quantas surpresas juntas nesse primeiro dia depois do sábado! Por que eles se
surpreendem, se acreditavam na ressurreição dos mortos? Por que eles se
surpreendem se haviam visto a ressurreição de Lázaro? Por que se surpreendem,
se Jesus os havia predito em várias ocasiões durante o seu ministério público?
Eles se surpreendem porque o que contemplam seus olhos é algo totalmente novo.
Eles, como judeus piedosos, educados pelos escribas e fariseus, acreditam na
ressurreição dos mortos, mas... Não no tempo e sim ao final dos tempos, “no
último dia”. Eles se surpreendem porque a ressurreição histórica de Jesus é
caso único e é absolutamente diferente da de Lázaro, da filha de Jairo ou a do
filho da viúva de Naim. Jesus está vivo, mas sua vida já não é totalmente igual
à nossa, é uma vida diferente, nova, superior. Eles se surpreendem porque uma
coisa é escutar, entender, e outra totalmente diversa é experimentar: os
discípulos não escutam que Jesus vai ressuscitar ao terceiro dia, o vêm e o
ouvem ressuscitado, o experimentam como o vencedor da morte, que vive para
sempre. “Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último, o Vivente; estive morto, mas
eis que estou vivo pelos séculos dos séculos...” (Ap 1,18) Isso é maravilhosamente surpreendente!
A figura de Tomé (cf.
Jo 20, 19-31) quer-nos apresentar as dificuldades a que nossa fé está
exposta; é como quem quer provar a realidade da ressurreição como se se
tratasse de uma volta a esta vida. Alguns, no entanto a querem entender assim,
mas dessa maneira nunca se conseguirá que a fé tenha sentido. Porque a fé é um
mistério, mas também é relevante que deve ter una certa racionalidade, e numa
volta à vida não há verdadeira e real ressurreição.
A Tomé lhe custa crer porque
não está com a comunidade e não acredita no testemunho dos outros discípulos
que disseram: “Vimos o Senhor!” (v.24-25) E a nós? Às vezes nos parece mais fácil o “se não vir...
não crerei” (v.25),
que o “felizes os que não viram e creram” (v. 29), que propõe o evangelho hoje.
Tomé deve enfrentar-se com o
mistério da ressurreição de Jesus a partir de suas seguranças humanas e a
partir de sua solidão, porque não estava com os discípulos naquele momento em
que Jesus, depois da ressurreição, se lhes fez presente. Este é um dado que não
é nada secundário na hora de poder compreender o sentido do que se nos quer
revelar nesta cena: a fé, vivida a partir do personalismo, está exposta a
maiores dificuldades. A partir dai não há caminho algum para ver que Deus
ressuscita e salva.
Tomé não se fia na palavra de
seus irmãos; quer crer a partir dele mesmo, a partir de suas possibilidades e
sua debilidade. Definitivamente, se está expondo a um caminho muito árduo. Mas o
ressuscitado vai “mostrar-se” através da simbologia do “encontro” não
individualmente como Tomé quer, mas sim é na comunidade que ele se “encontrará”
com o Senhor.
Tomé, pois, deve começar de
novo: não poderá tocar com suas mãos as feridas do Ressuscitado, porque este,
não é uma “imagem”, mas sim a “realidade pura” de quem tem a Vida verdadeira. E
é diante dessa experiência de uma vida diferente, mas verdadeira, quando Tomé
se sente chamado a crer como seus irmãos, como todos os homens.
Dizer “Meu Senhor e meu Deus” (v. 28), é aceitar que
a fé deixa de ser puro personalismo para ser comunhão que se enraíza na
confiança comunitária, e experimentar que o Deus de Jesus é um Deus da vida e
não da morte.
“Quase sempre se fala de Tomé
como o símbolo da incredulidade. Na verdade, narrando o episódio, João quis dar
um aprova de que Cristo ressuscitara de fato. Era Jesus em pessoa, ainda que
seu corpo tivesse um outro modo de apresentar-se. Tomé hoje sente Jesus
ressuscitado pelo olho (viu), pelo ouvido (escutou) e pelo tato (tocou-o). Os
principais sentidos humanos atestam a ressurreição do Senhor. As chagas
garantem que é a mesma pessoa que esteve pregada na cruz. Antes da Páscoa,
Jesus estava fisicamente presente. Para Tomé ele está gloriosamente presente.
Hoje Jesus continua na comunidade, presente com outra forma de presença,
invisível, mas tão verdadeira quanto a física e a gloriosa. A fé dá-nos olhos
suficientes para vê-lo. Somos felizes (bem-aventurados), se crermos sem vê-lo
fisicamente e o reconhecermos como “meu Senhor e meu Deus” (v. 28).” (Neotti, 2003.)
Tomé viu e creu, mas, queria
antes crer com os dedos. Tem que meter seus dedos nas cicatrizes para crer. E
se Jesus tivesse ressuscitado sem as cicatrizes? Então Tomé não teria crido.
Jesus louva aos que creem sem ter visto acima dos que creem porque puderam
tocar. Tomé é muito parecido conosco, homens e mulheres do século XXI cientificado
e tecnificado: queremos comprovar as coisas antes de crer nelas. Vivemos em um
mundo cultural distinto, e ainda que a fé seja a mesma, a interpretação deve
propor-se com mais criatividade. Sem duvida há muitas pessoas que se fiam em
Jesus, todo esse povo simples e humilde das procissões da Semana Santa nos dá
exemplo de confiança, porque crer é confiar. Mas, para que nossa fé seja
autêntica, é necessário dar um passo a mais. Não vale só viver com as emoções
de um momento. A fé nos compromete e nos anima a seguir a Jesus e a por em
prática sua mensagem, pois "a fé sem obras é uma fé morta", nos disse
São Tiago em sua Carta.
Quando Tomé volta à comunidade
(v. 28) deixa de
ser incrédulo. Quando daremos nós esse passo? A comunidade cristã como vimos, nasce
da experiência do encontro com o Ressuscitado, “para que, crendo, tenhais vida
em seu nome.” (v. 30)
Se não partimos da certeza de que Jesus está “no meio” de nós, não poderemos
construir uma comunidade cristã. Se não cremos que o Espírito Santo é o que
leva adiante tudo isso, não passaremos de uma organização benemérita e
filantrópica, uma ONG. Se não nos convencemos de que a experiência de fé e vida
cristã é essencialmente comunitária, não deixaremos de tropeçar no
individualismo de nossos próprios fracassos pessoais.
É Páscoa. Voltemos à
comunidade! Vivamos nossa fé junto aos irmãos e irmãs.
Bibliografia:
Textos
e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Neotti,
Frei Clarêncio. Ministério da palavra, Ano C – Comentários aos Evangelhos
dominicais e festivos. Petrópolis, Vozes, 2003.
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