Estamos no umbral da Quaresma,
na próxima quarta-feira, celebramos a Quarta-feira de Cinzas invocação pública
à misericórdia e à penitência com que iniciamos o importante Tempo de Quaresma.
No centro
das leituras da Liturgia da Palavra deste domingo do Tempo Comum aparece como
mensagem fundamental a força da Palavra de Deus para mudar a vida das pessoas que
a escutam, acolhem-na e a seguem.
Nos três
textos vemos como esta Palavra se impõe, sobretudo, Jesus Cristo, seu evangelho
se impõe em nossa vida, mas não nos agride: interpela-nos, envolve-nos
misteriosamente, renova-nos, muda os horizontes de nossa existência e nos leva
a colaborar na missão profética do evangelho, que é a missão fundamental da
Igreja no mundo.
A Palavra
de Deus tem uma eficácia que motiva a resposta de Isaías, de Pedro, dos
apóstolos e de Paulo. Isto é bem revelado no Evangelho (cf. Lc 5,1-11) e na
leitura profética (cf. Is 6,1-2ª.3-8); mas não é menos no “credo” que Paulo
propõe à comunidade de Corinto (cf. 1Cor 15,1-11), recordando-lhes que se
eles são uma comunidade de crentes, isso se deve a que acolheram a mensagem,
que ele havia recebido das testemunhas de Jesus: que Cristo morreu por nós e
ressuscitou para dar-nos a todos a vida e transformar a existência de cada um.
Às
margens do lago de Genesaré ou Tiberíades, ou ainda chamado de mar da Galiléia,
tiveram lugar momentos que ficaram no imaginário da vida cristã como exemplo e
modelo de outros encontros que, ao longo da história, se vão repetindo.
No
evangelho de hoje mudamos de cenário, “o Mestre já não ensina nas sinagogas (cf. Lc 4,15.44), mas
a céu aberto, por isso as paredes são substituídas pelo porto dos pescadores; a
sua cátedra é o barco de Simão, e é a partir dele que ensina as multidões (cf. v.3).” (Casarin, 2010.) Podemos
imaginar a praia cheia de gente em uma manhã fresca, as águas claras recebendo
a luz do sol que se levanta. As pessoas aglomeradas no porto, a falta de
atenção a Jesus por parte de Simão e dos outros pescadores ocupados limpando
redes e embarcações húmidas e sujas. Mas, mesmo que os pescadores não estivessem
prestando atenção à pregação de Jesus, todos eles já eram seus discípulos; ali
está a primeira comunidade de Jesus, mas os seus discípulos não tinham sido ainda
chamados, convocados a deixar seus trabalhos e Ele pregava só. Não tinham ideia
do quanto queria Jesus que estivessem também eles no meio da multidão,
escutando-o e assumindo com Ele a mesma missão, eles seguiam com seu trabalho. Aprendamos
a concentrar-nos em nosso trabalho
cotidiano
até que Jesus nos peça outra coisa, mas ao mesmo tempo, aprendamos a estar
dispostos a nos deixar pescar por Ele e deixar tudo quando o Senhor nos pedir
outra coisa.
Jesus está
rodeado da multidão que quer escutá-lo. Desejo o mesmo? O Mestre passa um bom tempo
com eles, sinceramente eu lhe deixo instruir-me? Jesus é o profeta de Deus, como víamos no domingo passado. E apesar de ser
rejeitado pelos seus conterrâneos Ele não deixa de ser o que é. Está no mar
onde trabalha essa gente simples que o acolhe. Senta-se em uma das barcas e
dali lhes fala, a partir de sua realidade, estando entre eles, como um a mais,
mas com uma palavra de autoridade, que neste caso não é sinônimo de força,
arrogância, autoritarismo ou imposição, mas sim de coerência de vida. E essa
coerência vem porque lhe escutaram na sinagoga de Nazaré anunciando sua missão
libertadora entre os pobres da parte de Deus e depois, lhe viram curar
enfermos, aliviar a vida da gente simples e anunciar a chegada do Reino de
Deus. Por isso, por suas ações, por suas obras, ganhou a confiança e a escuta
de toda a gente que se aglomerava para ouvir o Profeta de Deus.
Quando termina de falar diz a Pedro que volte a pescar. Com a
sinceridade de sempre, o velho pescador disse ao jovem pregador que ele e seus
companheiros estão cansados de lançar as redes durante toda a noite, sem
conseguir nada. Mas para obedecê-lo farão outra tentativa. É uma lição de
confiança total no poder de Deus. Temos que dizer como Pedro: Senhor, “porque
mandas, lançarei as redes.” (v. 5)
Depois
do prodígio da pesca abundante; “apanharam tamanha quantidade de peixes que
suas redes se rompiam... e encheram os barcos, a ponto de quase afundarem.” (v. 6-7) Espontaneamente,
aquele pescador primário e com caráter firme, deixa que saia do mais fundo de
sua pessoa uma oração e um reconhecimento de profunda humildade: “Afasta-te
de mim, Senhor, porque sou pecador!” (v. 8) Pedro, além de dar-se conta
de que era (homem) se sentia, por outro lado, pecador.
Ante o esplendor divino de
Jesus, a humanidade de Pedro, ficava a descoberto. Examinava a noite, sem
fruto, e agora com a presença de Jesus, vendo atônito o grande prodígio ficou
deslumbrado pela santidade de Jesus. De alguma forma se deu em Simão uma
imediata luz de consciência sobre sua condição de pecador.
Reconhecer-nos
pecadores e reconhecer Jesus como “Senhor” é o primeiro passo para sermos
libertados do pecado e converter-nos em apóstolos. Sem duvida, Pedro estava
profundamente equivocado ao dizer: “Afasta-te de mim, Senhor!” Nossa
enfermidade, a feiura do nosso pecado é razão para que o Senhor venha a nós, e
não para que se afaste de nós. Pedro compreenderia melhor sua própria realidade
e a de seu Mestre se tivesse dito: “Não me deixes nunca, Senhor, porque sou um
pecador!” Entendeu melhor as coisas quando, na segunda pesca milagrosa (cf. Jo 21,4-11), se
jogou na água para vir ao encontro, para estar mais perto de seu Mestre. Uma
compreensão parcial de seu pecado e um conhecimento superficial de Jesus o levava
a afastar-se dele: uma compreensão mais profunda de nós mesmos e dele nos
aproximam mais a Ele. De toda maneira, Cristo sabe perfeitamente o que está por
trás das palavras de Pedro. Ele quer se desfazer não de Jesus, e sim do pecado
que o separa dele. “Afasta-te”, disse Pedro. “Deixa tudo e segue-me”, responde
Jesus.
“Deixando
tudo, eles o seguiram.” (v.
11) “Nunca saberemos o que levou os primeiros discípulos a abandonar tão
depressa barca e redes, profissão e família para seguir o convite de Jesus;
Lucas nos faz compreender que foi um milagre: a pesca milagrosa; mas este
episódio parece ter acontecido mais tarde (cf. Jo 21,4-11). Talvez o milagre mais
verdadeiro daquele momento foi o que se deu dentro deles, eles é que foram
‘pescados’ na rede de Deus, naquele modo delicado e irresistível que sempre
caracterizou os grandes chamados de Deus: Seduzistes-me, Senhor, e eu me deixei
seduzir! Dominastes-me e obtivestes o triunfo. Sou objeto de contínua irrisão,
e todos zombam de mim – exclamou Jeremias quando chegou sua vez (Jr 20,7). Também no
caso dos apóstolos, como no episódio de Isaías, tudo converge para um final,
isto é, para o convite: Não temas; doravante serás pescador de homens. E
aqueles, ‘reconduzindo os barcos à terra e deixando tudo, o seguiram’. Mais
tarde, Pedro recordará este momento dizendo a Jesus: Vê, nós abandonamos tudo e
te seguimos. (Lc 18,28).”
(Cantalamessa, 2012.)
Se o ser pescado por Cristo no princípio dá um pouco de medo, responder
ao seu chamado, as respostas depois se fazem radicais. Cristo conhece
nossos corações melhor que nós mesmos, e lê nossos desejos muito mais
claramente que nós. A visão de nossa condição de pecadores e da santidade de
Deus constitui sempre em nossa vida um ponto de crise, de falência, isso
paradoxalmente faz-nos mais próximos a Ele e nos eleva de nós mesmos.
“Cada
crente continua a receber de Deus o chamamento à fé, ao discipulado, à
conversão, à santidade e ao apostolado; o Senhor renova-nos o seu amor e o
chamamento em cada instante. É sempre tempo de lhe responder sim e de começar
cada manhã de novo o seguimento e uma vida nova... Há que superar a ancestral
síndrome clerical que confirma a missão evangelizadora exclusivamente à parcela
da hierarquia. O apostolado não é monopólio de ‘profissionais’, mas competência
de quantos receberam a consagração batismal. A todos Jesus diz: ‘Fazei-vos ao
largo, e lançai as redes ao mar’. Ou seja, ide pelo mundo inteiro e anunciai a
boa nova da salvação de Deus a todos os homens”. (Caballero, 2000.)
Se
nos fiarmos unicamente em nossas próprias forças, é possível que passemos
noites pelejando sem conseguir nada. Mas, quando aprendermos a confiar em Jesus
e no seu evangelho; quando quisermos sair de nossos limites, a Palavra de Deus
é mais eficaz que nossas próprias razões para não jogar as redes na água, na
vida, na família, entre os amigos, no trabalho... Aí tudo mudará como mudaram
Isaías, Pedro e Paulo, seremos pescadores.
Ser
pescador é símbolo da atividade evangélica; os pontos de semelhança são óbvios:
Necessita-se da paciente perseverança, da persistência contra todo desânimo. E
quando chegar a mesma aparente falta de êxito, de ânimo, deve soar em nossos ouvidos
a palavra do Mestre: “Faze-te ao largo, lançai vossas redes para a pesca.” (v. 4) Remar incansavelmente
mar adentro e lançar redes em todas as águas e ventos do mundo; ir a mares não
navegados para cumprir sua palavra, infatigáveis ante as noites longas de
trabalho, aparentemente sem frutos.
Em
síntese, Lucas nos apresenta as coordenadas fundamentais da nossa identidade
cristã: Ser cristão, discípulo de Jesus é, em primeiro lugar, estar como Pedro
com Jesus “no mesmo barco”. É fazer a experiência pessoal do encontro consigo
mesmo e com Cristo, na comunidade. Ser cristão é responder sem medo, mas com
confiança, ao chamado à missão de “lançar as redes ao mar”, anunciar o
Evangelho. Ser cristão é se deixar pescar e ser pescador.
Bibliografia:
Textos e referências
bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe. (org.)
Lecionário Comentado – Tempo Comum semanas I-XVII. Vol. 1. Lisboa (Portugal),
Paulus, 2010.
Cantalamessa,
Raniero. O Verbo se fez carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Anos A.B,C.
São Paulo, Ave Maria, 2012.
Caballero, B. A Palavra de
cada Domingo, Ano C. Apelação (Portugal), Paulus, 2000
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