Pe.José Assis Pereira Soares
A tradição litúrgica cristã católica
reserva este primeiro Domingo depois do Natal à Sagrada Família de Jesus, Maria
e José. Deus quis ser hóspede em nossa vida, e se fez tão próximo, tão íntimo,
que se tornou familiar para nós, tornou-se um de nós, membro da nossa família
humana. O Filho de Deus ao se encarnar em nossa realidade humana quis
experimentar o drama de toda família.
A liturgia de hoje propõe à nossa
contemplação o episódio narrado por Lucas (cf. Lc 2, 41-51) onde Jesus aos doze
anos quis permanecer no templo de Jerusalém, sem que seus pais o soubessem e admirados e
preocupados, ali o encontram depois de três dias, discutindo com os doutores da
Lei. Quando a mãe lhe pede explicações para o seu ato, Jesus responde que deve
estar na casa do seu Pai.
“Segundo a Mixnáh, (Niddáh, V, 6)
depois dos 13 anos, o rapaz israelita começava a ser «bar-hamitswáh», «filho-da-lei», isto é, passava a ter os deveres e
direitos da Lei mosaica, incluindo o dever de peregrinar a Jerusalém, mas os
pais piedosos costumavam antecipar um ano ou dois o cumprimento deste dever. Os
judeus costumavam deslocar-se em caravanas e em grupos separados de homens e
mulheres, as crianças podiam fazer viagem em qualquer dos grupos; nas paragens
do caminho, as famílias reuniam-se. É neste contexto que se desenrola o relato.
A atitude de Jesus de ficar em Jerusalém é deveras surpreendente. Não deveria
ter avisado os pais ou outros familiares? O que não faz sentido é buscar a
explicação do sucedido numa rebeldia ou na irresponsabilidade dum adolescente –
este rapaz é o Filho de Deus -, embora o relato evangélico possa fornecer luzes
aos pais que se deparam com situações similares de filhos perdidos.
A teologia de Lucas talvez nos possa dar
alguma pista para compreensão do episódio narrado, «Jerusalém» não é
simplesmente o centro da vida religiosa de Israel. Para os evangelistas, e de
modo singular para Lucas, Jerusalém representa o culminar de toda a obra
salvadora de Jesus, por ocasião da Páscoa da Paixão, Morte e Ressurreição; é
por isso que Lucas, ao por em evidência a tensão de Jesus para sua Paixão,
apresenta grande parte do seu ensino «a caminho de Jerusalém», onde Jesus tem
de padecer para ir para o Pai e entrar na sua glória (cf.
Lc 24,26).
A Teologia de Lucas não é abstrata e desligada da realidade. Ora a realidade é
que Jesus não é apenas «o Mestre», Ele é «o Profeta» - especialmente Lucas
gosta de apresentar Jesus como Profeta (cf. 7,16; 19;
13,33; 24,19)
-, e, por isso mesmo, Jesus não ensina apenas quando exerce a função de rabí,
mas em todos os passos da sua vida atua como Profeta, ensinando através do seu
agir, mormente através de ações simbólicas de profundo alcance, por vezes bem
chocantes. O «Menino perdido» não aparece como um simples menino, é um Profeta
que realiza uma ação simbólica para proclamar quem é e qual é a sua missão:
«Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?» (v. 49). Ele é o Filho de
Deus, e tem de cumprir a missão que o Pai lhe confiou, em Jerusalém, ainda que
isto lhe custe bem e tenha de fazer sofrer aqueles que mais ama - «aflitos te
procurávamos» (v. 48). O episódio passa-se em Jerusalém, como
prenúncio e paralelo de um sofrimento bem maior, também em Jerusalém. A lição é
clara: não se pode realizar plenamente a vontade do Pai do Céu e, ao mesmo
tempo, evitar todo o sofrimento próprio e dos seres mais queridos; subir a
Jerusalém é subir à Cruz, e subir à cruz é «elevar-se» ao Céu, também em
Jerusalém (cf. Lc 24, 50-51)”. (Sousa
e Silva, 2012-2013.)
Para Lucas, a estada em Belém da Sagrada
Família, foi transitória. O tempo de Nazaré é um tempo de intimidades
profundas, de silêncio, oculto nesta desconhecida cidade. Ali foi onde Jesus se
criou, é sua cidade, onde o menino crescia e tornava-se, cheio de sabedoria e
graça de Deus (cf. Lc 2, 39-40). Ali Jesus se faz
homem, sua personalidade psicológica se imprime e se mescla nas tradições
socioculturais e religiosas de seu povo, e onde amadurece um projeto que um dia
deve levar a cabo. Sabemos que historicamente ficam muitas coisas por explicar
pois os evangelistas não estão preocupados em escrever a “biografia” de Jesus,
sua infância, adolescência e juventude é um segredo que Nazaré guardará.
A escola do Evangelho e a escola onde se
começa a compreender a vida de Jesus é Nazaré. Aqui se aprende a olhar,
escutar, meditar e penetrar o significado tão profundo e tão misterioso, dessa simples,
humilde e bela manifestação do Filho de Deus no meio da humanidade, no seio de
uma família.
“Mas, o que tem a ver a família de Nazaré com
a atual e contraditória família humana? Como ela nos pode iluminar e inspirar?
Antes de qualquer resposta possível, cumpre reconhecer a radical diferença de
situações e de modelos de família. Não há apenas uma distância temporal de dois
mil anos, mas também uma distância cultural considerável. A família de Nazaré
vive a cultura agrária, ligada diretamente a relações primárias. Nós vivemos da
cultura tecnicocientífica. http://www.paroquiadefatimacg.com/p/artigo-pe-assis.html
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