Para
nós cristãos católicos, celebrar a Eucaristia exige de nós contemplar para
atualizar o que a Palavra de Deus nos apresenta; sempre haverá oportunidade,
porém a Eucaristia é o lugar privilegiado para isto.
A
grande mensagem da Liturgia da Palavra deste Domingo é que “Deus não se deixa
desencorajar pela nossa frieza e continua a enviar profetas; melhor, continua a
deixar o Filho no meio de nós. «Quer escutem, quer não escutem» (Ez
2,5) a liturgia continua a
repetir, depois da leitura de cada trecho bíblico: «Palavra do Senhor»,
«Palavra da Salvação!» Através das leituras proféticas, é Deus que, com
paciência infinita, se obstina em oferecer-nos a sua palavra, o seu
acolhimento; através das leituras evangélicas é o Senhor Jesus Cristo que
continua a ensinar e a revelar a face do Pai.” (Casarin, 2010)
A
Liturgia da Palavra hoje inicia com um texto da profecia de Ezequiel (cf.
Ez 2,2-5). O chamado
“profeta da esperança” exerceu o seu ministério no meio dos exilados judeus que
em 597 a.C. Nabucodonosor deportou para a Babilônia. Na “diáspora”, longe do
templo de Jerusalém e em um mundo pagão, Ezequiel é investido da grande
responsabilidade de pregar a Palavra de Deus a um povo rebelde, que se afastou
dos caminhos de Deus e que não quer escutá-lo.
Ezequiel,
cujo nome significa "Deus é forte", vai necessitar toda a fortaleza
divina para cumprir sua difícil missão. O Senhor sabe que não é fácil a missão
que encomenda a seu profeta. A experiência da presença de Deus foi tão forte
para Ezequiel que ele cai por terra, mostrando assim a debilidade humana que
não pode permanecer em pé diante de Deus e menos ainda por si mesmo levantar-se
para cumprir sua missão. Mas o Espírito divino, a força de Deus o levanta e o
lança à ação. O mais importante não é que as palavras do profeta sejam ou não
escutadas; Nada pode reduzir ao silêncio a Palavra de Deus: “Quer escutem, quer
deixem de escutar... saberão, ao menos, que um profeta esteve com eles.” (v.
5) O que é importante é que
o profeta seja, no meio do povo, a voz que indica os caminhos de Deus.
No
Antigo Testamento “o profetismo foi, juntamente com o sacerdócio e a monarquia,
uma das três grandes instituições veterotestamentárias. A Bíblia enumera cerca
de 140 profetas, dos quais 49 são referidos pelo nome próprio. Destes,
dezessete deixaram obra escrita... Todo o profetismo veterotestamentário está
orientado para Jesus de Nazaré, e n’Ele culmina. Deus, chegada a plenitude dos
tempos, já não falou por intermediários, mas pelo próprio Filho, que é a sua
palavra pessoal feita homem. Depois, Jesus garante a autenticidade da palavra e
da missão através de «sinais», os milagres. Aparece assim, perante o povo como
profeta credenciado por Deus e falando com autoridade própria. Contudo, como
todos os profetas que O precederam, Jesus teve de sofrer a desconfiança, a
incredulidade e a recusa dos seus contemporâneos.” (Caballero,
2001.)
O
evangelho de Marcos (cf. Mc 6,1-6) repete uma idéia que aparece, sobretudo
na profecia de Ezequiel: Deus manifesta-se a todos na fraqueza e na
fragilidade, muitas vezes Ele vem ao nosso encontro na debilidade, nas
situações mais simples, nas pessoas mais humildes e despretensiosas. A recusa
generalizada dos familiares e conterrâneos de Jesus coloca-o na linha dos
grandes profetas de Israel.
Marcos
fala-nos de uma visita de Jesus à Nazaré sua “terra”. Quando Ele já havia se
tornado popular e famoso em outras regiões por seu ensinamento e milagres,
voltou um dia ao seu lugar de origem, onde havia passado a maior parte de sua vida.
Encontra ali toda uma história, toda uma gama de parentes: primos, primas, tios
e tias, um pequeno povo cheio de boas recordações. Quantos amigos de infância!
Voltou a sua cidade esperando quem sabe, acolhida e compreensão e ao final teve
que abandoná-la para nunca mais voltar.
Na
sinagoga de Nazaré suas palavras transcendem sabedoria, força e luz. As pessoas
que o escutam se maravilham porque Ele fala com autoridade, porque vêem em suas
palavras “sabedoria” e em suas ações “milagres”. Por isso dizem: “De onde vem
tudo isto? E que sabedoria é esta que lhe foi dada? E c0mo se fazem tais
milagres por suas mãos?” (v. 2) Vêem que Ele não fala como os outros mestres da lei, há algo
diferente nele, algo é novo.
Sem
duvida, ao mesmo tempo em que se assombram e se maravilham, também se
escandalizam. Escandalizam-se porque Ele faz parte daquela gente e todos o
conhecem, porque sabem quem Ele é: “Não é este o carpinteiro, o filho de Maria,
irmão de Tiago, Joset, Judas e Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?
E estavam chocados por suas causa.” (v. 3) Eles conhecem a identidade de sua
família e não descobrem nela nada de extraordinário: Ele é o “filho de Maria” e
“os seus irmãos e irmãs” é gente “normal” que todos conhecem em Nazaré e que
nunca revelaram qualidades excepcionais. Pensam que Jesus é uma pessoa “normal”
que como tal não pode fazer as coisas que faz. Portanto, parece claro que o
papel assumido por Jesus e as ações que Ele realizou são humanamente
inexplicáveis. Consideram os sinais que realiza como milagrosos, mas ainda
assim são incapazes de transcendê-los.
O
povo da sua terra, seus “irmãos e irmãs” tiveram sempre dificuldade em
reconhecer o Deus que vinha ao seu encontro na Palavra e nos gestos proféticos
de Jesus. “E se chocaram com Ele”, ou seja, encontravam um obstáculo para
acreditar nEle no fato de que o conheciam bem. Para eles, Jesus é “o
carpinteiro”: não é um “rabi”, não tem qualificações para dizer as coisas que
diz. Maravilhados e, ao mesmo tempo, escandalizados. Esse poderia ser o resumo
do Evangelho de hoje, de como as pessoas reagem diante de Jesus.
Um
dos elementos questionadores neste episódio é precisamente esta atitude de
fechamento a Deus, assumida pelos habitantes de Nazaré. Comodamente instalados
nas suas certezas e preconceitos, eles decidiram que sabiam tudo sobre Deus e
que Deus não podia estar no “carpinteiro” que eles conheciam tão bem. Esperavam
um Deus forte e majestoso que se havia de impor de forma estrondosa, e
assombrar os inimigos com a sua força; e Jesus não se encaixava nesse perfil.
Preferiram renunciar a Deus, que à imagem que d’Ele tinham construído.
Nem
a gente de Nazaré nem nós cremos em um Deus que se faça um homem, um Deus
sentado ao meu lado e sim cremos num Deus distante, de longas barbas brancas, acima
das nuvens. Nós fabricamos nosso Deus, somos idolatras e adoramos a um Deus
inventado por nós mesmos, que ama aos que amamos, odeia aos que odiamos,
castiga aos maus, que sempre são os outros. E estranhamos quando muita gente se
afasta de Deus e vive na indiferença, como se Deus não existisse. Quantos ateus
ao nosso redor não crêem em “nosso Deus”, são ateus de nosso Deus, não do Deus
Verdadeiro, são ateus graças a Deus. Claro que ateus de conveniência!
Há
neste Evangelho um convite a não nos fecharmos em nossa “idolatria”, nos nossos
preconceitos e esquemas mentais bem definidos e arrumados, e a purificarmos
continuamente, em diálogo com os irmãos e irmãs que partilham a mesma fé, na
escuta da Palavra revelada e na oração, a nossa perspectiva acerca de Deus.
Temos de recuperar nosso sentido profético. Necessitamos pessoas, com
experiência de Deus, que abram caminho e que nos dêem força para caminhar: como
Ezequiel, como Paulo, como o próprio Jesus. Você pode sê-lo.
No
batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Cada um de nós tem a
sua história de vocação profética: de muitas formas Deus entra na nossa vida,
desafia-nos para a missão, pede uma resposta positiva à sua proposta. Cada
cristão deveria ser um profeta, um eco da grande voz de Deus. “Na função profética de Jesus, brota como
fonte, o profetismo da Igreja de Deus. Por isso, o anúncio do evangelho e o
testemunho de Cristo são missão do crente. Mas este profetismo cristão implica
sempre um esforço, chegando mesmo a ser muito duro em determinadas
circunstâncias, devido a duas causas: Cristo e os seus mensageiros não são
facilmente aceitos. Recusa-se Jesus quando não se acata a sua doutrina exposta
no evangelho pela Igreja, ou quando se tenta relegá-los para um canto, como
recordações históricas. A esta recusa acrescenta-se que o profeta e a
testemunha nem sempre são santos, com uma personalidade forte e imaculada.” (Ibid.
Caballero.)
O
Apóstolo Paulo narra aos cristãos de Corinto (cf. 2Cor
12,7-10) a grandeza de sua
missão e explica que tudo isso é algo que não lhe pertence, algo que Deus lhe
concedeu gratuitamente, sem mérito algum de sua parte. E assim explica que ele
não pode gloriar-se daquilo que não é seu. Só de uma coisa pode gloriar-se: de
sua fraqueza.
E
para que ninguém duvide de sua própria miséria, sempre patente ante seus olhos.
Paulo diz: "Para
eu não me encher de soberba foi-me dado um aguilhão na carne" (v. 7). Muito se especulou sobre este "espinho" de Paulo, e as
respostas encontradas são muitas. Não se pode saber ao certo do que se trata. O
que está bem claro é que não lhe era fácil a vida, que tinha dificuldades
serias e tentações, tropeços, obstáculos que teve de superar com tenacidade e
paciência ao longo de toda a vida. O espinho era algo que lhe humilhava algo de
que ele quis ver-se livre. Se olharmos para dentro de nós e ao nosso redor,
veremos que cada um de nós possui um "espinho". É preciso saber
conviver com ele. Paulo pediu, por três vezes, que Deus o livrasse daquelas
cadeias que pesam sobre sua alma, desse peso morto que parece frear
continuamente sua caminhada para Deus. Um tanto ingenuamente, Paulo gostaria
que no caminho da evangelização não houvesse nenhum obstáculo, nenhum conflito,
nenhuma incerteza… Deus responde a Paulo: "A você, basta-te a minha graça, pois é
na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder" (v. 9).
“Então,
como se poderá ver se a sua força vem de Deus, apesar da fraqueza? Esta é, às
vezes, a prova dura da nossa fé, como o foi para os nazarenos a criança Jesus.
Felizmente, Cristo é mais forte do que a nossa debilidade, maior do que as
nossas limitações, mais audaz do que os nossos medos e mais luminoso que a
nossa escuridão...” (Ibid. Caballero.)
Hoje
mais do que nunca, faltam homens e mulheres de fé que, a exemplo de Jesus, de
Ezequiel e de Paulo sejam profetas para os nossos tempos, abertos ao dom de
Deus e manifestação d’Ele neste mundo descrente.
Bibliografia:
Textos e referências
bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Caballero, B. A Palavra de cada Domingo. Ano B.
Apelação (Portugal) Paulus, 2001.
Casarin, Giuseppe. (org.) Lecionário Comentado,
Tempo Comum semans I-XVII. Apelação (Portugal), Paulus, 2010.
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