Pe. José Assis Pereira Soares
Paróquia de Nossa Senhora de Fátim
Matriz de Fátima
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, que nos abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais, nos céus, em
Cristo. Nele nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
diante dele no amor.” (Ef 1,3-4) Neste hino litúrgico e cristológico
da carta aos Efésios (cf. Ef
1,3-14), o Apóstolo
Paulo nos diz que os cristãos devemos bendizer constantemente a Deus. Para isto
nos reunimos em assembleia litúrgica, é nosso dever bendizer a Deus; somos
chamados a estar sempre diante dele para glorificá-lo a partir de tudo o que
fazemos, dizemos ou pensamos. A expressão “santos e irrepreensíveis” faz pensar
nas vitimas oferecidas a Deus no Antigo Testamento, insinuando-se assim o
caráter oblativo e sacrificial de toda a vida do cristão, bem como a perfeição
que devemos pôr em tudo o que fazemos; e não se trata duma pureza meramente
exterior e ritual, mas de um culto em espírito e verdade.
Se, somos chamados a ser santos, por amor ao Deus
que nos amou primeiro, dando-nos seu Filho. A melhor maneira de alcançar esta
santidade é manifestando nosso amor a Ele em nosso amor ao próximo isso é o que
deve orientar sempre nossa missão evangelizadora. Uma evangelização realizada,
não por amor a nós mesmos, mas por amor a Deus e ao próximo. Uma evangelização
austera e livre como foi a pregação do Apóstolo Paulo e de Jesus.
Que Jesus foi austero e livre em sua pregação creio
que não há necessidade de prová-lo: os evangelhos dão boa noção disso. Que,
depois da morte do Mestre, nos primeiros tempos, os discípulos de Jesus foram
austeros e livres em sua pregação também o prova a história. O problema eu
creio não devemos buscá-lo nos primeiros tempos do cristianismo, e sim nos
tempos posteriores e nos tempos atuais. Devemos reconhecer com humildade que
durante muitos séculos a imagem da Igreja em sua atividade evangelizadora não
tem sido nem tão austera, nem tão livre como desejava o Senhor. Nem tampouco
quero agora, neste breve espaço desta homilia, me deter a pensar no que fez a
Igreja nos séculos passados. Temos bastante trabalho, os evangelizadores de
hoje para analisar crítica e cristãmente nosso comportamento neste campo.
Falando de uma maneira geral, creio que hoje a
imagem de nossa Igreja não é nem de toda austera, nem de todo livre como
deveria ser. Sobram à nossa Igreja, ainda hoje, infelizmente, muita ostentação
no exercício de sua missão e ao mesmo tempo, muita mostra de comprometimento e
até de dependência aos poderes. Eu creio que deveríamos ser, em geral, mais
sóbrios e mais livres na pregação do Evangelho. Sei que há, graças a Deus, em
nossa Igreja, maravilhosos exemplos de austeridade e liberdade cristã. Peçamos
hoje ao Espírito de Jesus, com muita humildade, que a austeridade e a liberdade
sejam sempre o distintivo visível da Igreja de Cristo e nunca uma maravilhosa
exceção.
O profeta Amós (cf. Am 7,12-15) é um maravilhoso exemplo de homem austero e livre
em sua pregação. A profecia não era para ele uma profissão, mas sim uma vocação;
ele vivia de seu oficio de pastor e agricultor, e isto lhe dava uma grande
liberdade econômica e social. Amós, o profeta da justiça social, sempre pregou
contra o culto vazio e sempre a favor da justiça em beneficio dos pobres. Os
poderosos lhe expulsaram do país, mas ele seguiu sendo fiel a sua vocação de
profeta. Seria bom que também nós, hoje, renunciássemos a depender economicamente
dos poderes políticos e sociais, porque isso nos daria maior liberdade de ação
no exercício de nosso ministério. Hoje, como sempre, segue sendo verdade que “o
que paga, manda”.
“Como Deus chamou Amós e os outros profetas da
primeira Aliança e os enviou a falar em seu Nome, assim Jesus chama e envia os
Doze em missão (cf. Mc
6,7-13), para
prolongarem a Sua missão evangelizadora. Os Doze são o núcleo primordial da
Igreja, também ela chamada e enviada a continuar, no tempo e no espaço, a
missão de Jesus e dos Doze. É explicita e forte a relação com a missão de
Jesus; o mesmo conteúdo evangelizador; as mesmas dificuldades; os mesmos
poderes divinos (sobre os demônios e sobre as doenças); as mesmas modalidades
missionárias (não fundadas sobre meios humanos poderosos e eficientes, mas sim
sobre a pobreza que caracterizou o ministério de Jesus).” (Casirin, 2010.)
Jesus foi, no contexto das hostilidades pelas quais
passou, formando, preparando seus apóstolos,“seu movimento que Ele mesmo cunhou
de «apostólico». Trata-se de um movimento missionário, de pessoas «enviadas»
(apóstolos) por Deus para anunciar uma mensagem nova, não de calamidade mas de
alegria e sobretudo de esperança...” (Hoornaert, 1994.) Seus apóstolos, apesar de suas limitações, foram
escolhidos para a missão de implantar o Reino de Deus. Eram pessoas rudes,
alguns inclusive ignorantes, lentos para entender as coisas de Deus. Mas, sem
duvida, foram generosos, bravos à hora de seguir Jesus. Esqueceram-se de seus
próprios defeitos e confiaram plenamente no poder divino.
Para aumentar sua confiança em Deus, foram enviados
com uma série de exigências. “A primeira impressão que nos fica de uma leitura
desses textos é da extrema radicalidade da vida missionária que Jesus instaura
e à qual chama seus discípulos assim como as mulheres que o acompanham. «O
enviado» ou a «enviada» têm que libertar-se dos laços que normalmente prendem
as pessoas a uma vida socialmente situada, laços de sangue, terra, família,
posse, status, segurança. O apóstolo se situa livremente à margem da sociedade,
como fará mais tarde o peregrino medieval, acompanhado apenas do bastão, da
mochila e de um cachorro, longe dos castelos e das habitações confortáveis. As
exigências do apostolado de Jesus são extremas, quase desumanas. Os apóstolos
têm que viver na mais absoluta pobreza, dependendo do que recebem nas
comunidades por onde passam e onde pregam a palavra do Evangelho. «O operário é
digno de seu sustento» (Mt 10,10). A frase exprime por assim dizer
a «constituição» do movimento de Jesus. Pão sim, dinheiro no bolso não.
Comensalidade em troca da pregação do Evangelho. O missionário presta dois serviços
às comunidades: ele cura os doentes e anuncia o reino de Deus. Com isso
percorre as aldeias e sítios da Galiléia. Seu serviço é gratuito, o prêmio é a
comensalidade e a hospitalidade”. (Ibid. Hoornaert.)
Aqueles homens e mulheres não pensaram duas vezes e
marcharam percorrendo os povoados para anunciar que a salvação havia chegado com
Jesus de Nazaré, o jovem Rabi. Era uma aventura para aqueles homens e mulheres
que se esqueceram de si mesmos e se preocuparam com os outros, empreendendo uma
marcha que há de durar por séculos, a marcha dos missionários do Evangelho. Colocamo-nos
hoje, portanto, ante o desafio da missionariedade da Igreja. Uma tentação muito
presente na vida da Igreja, em todos os tempos é a do proselitismo, quer dizer
evangelizar tendo como primeiro objetivo fazer membros da Igreja, pondo de fato
a conversão autêntica e a experiência do seguimento de Cristo em segundo plano.
“Este perigo é reforçado hoje em dia pela gratificação que vem do número, isto
é, da lógica da audiência: o que conta é encher as igrejas. Se são meio vazias,
então significa fracasso. Conta a quantidade das conversões ou das presenças.
Assim como acontece no mundo midiático: um programa televisivo não tem futuro
se não tem uma boa audiência, ainda que no nível qualitativo seja bom e muito
educativo, ao passo que um outro programa, mesmo não sendo nada educativo nem
de qualidade, continua existindo porque tem boa ou ótima audiência.
O proselitismo religioso se põe nesta linha: sempre
preocupado com os números, por isso faz tudo, sem duvida de modo camuflado,
contanto que leve as pessoas para a igreja. De fato, a síndrome da audiência
está presente também na vida da Igreja, tanto no nível do vértice eclesial como
no da realidade paroquial, dando muito importância à quantidade dos batismos,
crismas, matrimônios, ou às igrejas lotadas, aos grupos paroquiais numerosos e
às realidades pastorais de grande afluência. Os números muitas vezes são
considerados determinantes para fazer avaliações sobre a diocese, a paróquia,
uma realidade eclesial ou uma iniciativa pastoral, como também para definir o
trabalho do bispo, do pároco e do agente de pastoral... Se utilizássemos este
critério para avaliar a ação de Jesus Cristo, deveríamos concluir que foi um
fracasso, porque nos momentos mais importantes da sua missão Ele se achou com
poucos seguidores ou até mesmo sozinho, como no momento da cruz...
É preciso passar do proselitismo à missionariedade
que recoloca no centro a figura de Jesus Cristo. Portanto, o objetivo não é
trazer as pessoas para a Igreja, mas conduzi-las ao ressuscitado. Para fazer
isto, é necessário lançar um movimento contrário ao do proselitismo: é mister
sair das sacristias e ir para o meio do povo. Esta foi a grande intuição, a
reviravolta proposta pelo Concílio Vaticano II: não mais aguardar as pessoas na
igreja, mas ir até os outros, procurando entrar no mundo e transformá-lo com a
força do Evangelho.
A missionariedade exige uma Igreja nova e
evangélica; de uma Igreja estática e «perfeita», como era a pré-conciliar, a
uma Igreja dinâmica e sempre a caminho para encontrar o povo... Em suma, não existe mais a Igreja que vai em
missão levando consigo tudo o que deve implantar na outra parte do mundo,
convencida de já ter atingido a perfeição. A Igreja está em missão e não tem
mais as missões, porque é próprio da natureza mesma da Igreja ser missão... A
missionariedade tem, pois não tanto a preocupação dos números, ou seja, de
lotar igrejas, mas, sobretudo a da qualidade da ação da Igreja para permitir
aos fiéis fazer uma profunda e verdadeira experiência do Cristo Ressuscitado,
de modo a tornar as pessoas novas e capazes de abraçar novos estilos de vida.
Finalmente, a Igreja não terá mais a síndrome da audiência, mas se preocupará
que os fiéis vivam a própria fé em profundidade onde quer que se encontrem.
A missionariedade conduz a comunidade cristã a dar
mais importância à qualidade do viver e do crer, não tanto à preocupação de ver
as igrejas ou praças apinhadas de gente. A missionariedade faz com que toda a
Igreja seja missionária, capaz de sair das próprias fortalezas e seguranças,
para encontrar o povo e viver a mesma compaixão de Jesus de Nazaré: o encontro
apaixonante e salvífico entre Deus e a humanidade.” (Sella, 2010.)
Bibliografia:
Textos e referências
bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe. (org.) Lecionário Comentado,
Tempo Comum semans I-XVII. Apelação (Portugal), Paulus, 2010.
Hoonaert, Eduardo. O Movimento de Jesus.
Petrópolis, Vozes, 1994.
Sella, Adriano. Por uma Igreja do Reino, novas
práticas para reconduzir o cristianismo ao essencial. São Paulo, Paulus, 2010.

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