Neste Domingo
o Cristo Ressuscitado mais uma vez nos convida: “Vinde a mim todos os que estão
cansados e oprimidos”, (Mt 11,26) nos reúne como
assembleia santa fazendo desta liturgia “o lugar tranquilo” para este momento
de íntima convivência com Ele como o fez com seus apóstolos.
O profeta Jeremias, (cf. Jr 23,1-6) em nome de Deus, disse palavras duríssimas aos
“pastores” de Israel: “Ai dos pastores
que perdem e dispersam as ovelhas do meu rebanho!... Vós dispersastes as minhas
ovelhas, as expulsastes e não cuidastes delas.” (v. 1-2) “Este oráculo
de Jeremias contra os lideres políticos traidores das esperanças populares
situa-se provavelmente no tempo do rei Sedecias, que governou Judá de 597 a 586
a.C. No ano 597 a.C. Nabucodonosor, rei da Babilônia, entrou em Jerusalém,
prendeu o rei Joaquin e o mandou exilado para a Babilônia. É a primeira
deportação da população de Jerusalém. No lugar de Joaquin, Nabucodonosor pos
Matanias, mudando-lhe o nome para Sedecias (nome que significa «Javé é a minha
justiça»). Esse detalhe é importante porque no v. 6, final do texto de hoje,
Jeremias anuncia que o novo líder fará justiça, mas não a justiça do tirano
Nabucodonosor, e sim a que o povo quer e espera. Por isso o novo líder se
chamará «Javé é a nossa justiça», a justiça que Javé e o povo querem.
É sob o pano de fundo da primeira deportação, da
incompetência das lideranças políticas do país e da prepotência de
Nabucodonosor que se crê justiceiro de Deus, que vamos entender o oráculo contra
os pastores, isto é contra os lideres políticos do povo de Deus.” (Bortolini,
2006.)
Sedecias este rei fantoche pela graça de
Nabucodonosor, não pela graça de Deus, é um homem fraco que se deixa manejar
por seus cortesãos até que vem sobre Jerusalém e seu templo a ruina definitiva.
Personagens como Sedecias, símbolo do desgoverno, enchem diariamente os nossos noticiários.
Dirigentes do povo pululam e crescem por toda a parte como erva daninha. Só deve
ser uma profissão muito rentável, um meio de vida muito lucrativo ou negócio de
família, esse de ser “político”. Todos falam de "servir" ao povo, de representá-lo,
de conduzí-lo aos “bons pastos” da justiça e do bem-estar social, da boa
educação, da saúde para todos, etc...; Personagens como Sedecias há muitos;
autêntico governante se pode contar com os dedos da mão. As pobres ovelhas
ainda continuam sonhando com um Libertador. Na Sagrada Escritura o título de
pastor é dado aos dirigentes do povo, uma simbologia bíblica que designa o
líder religioso ou político, rei, funcionários reais ou anciãos, enfim, todos
os que têm autoridade. Mas, só Deus é o verdadeiro pastor de Israel, Ele mesmo
virá apascentar suas ovelhas e reuní-las da dispersão que as levou a corrupção
de seus pastores.
O profeta Jeremias anuncia que Deus suscitará a
Davi um "descendente legítimo": “Eis que virão dias em que suscitarei
a Davi um germe justo, um rei reinará e agirá com inteligência e exercerá na
terra o direito e a justiça.” (v. 5) Esse
descendente de Davi estará a serviço da "justiça e do direito", coisa
que não tem cumprido Sedecias e ainda terá um nome autêntico, o chamarão de:
"O Senhor é nossa justiça." (v. 6) Este descendente legítimo é, para nós cristãos, o Messias, Jesus de
Nazaré, o Bom Pastor. Ele é movido pela compaixão para com os mais fracos, veio
instaurar um reino onde triunfará a justiça.
Em um relato próprio do redator do evangelho de
Marcos (cf. Mc 6,30-34) o texto nos
apresenta Jesus cercado da multidão sofrida e sua atitude, que não é de retirar-se
e fugir, mas sim compadecer-se deles, como manifestação encarnada da compaixão
de Deus.
Herodes acabara de mandar executar João Batista em
sua festa de aniversário (cf. Mc 6,
14-29) e os apóstolos voltam de sua primeira experiência missionária, contentes
“contaram a Jesus o que tinham feito e ensinado.” (v. 30) A primeira notícia produz, sem duvida, uma grande
tristeza em Jesus, mas Ele sabe que tem que seguir adiante e se preocupar com
seus discípulos, que necessitam descansar. Convida-os a um lugar deserto “pois
eram tantos os que chegavam e os que partiam que não tinham tempo nem de
comer.” (v. 31) Mas, o
descanso dos discípulos dura pouco, “porque as necessidades do povo sofredor
são maiores e mais urgentes que as dos discipulos. Por mais cansados e sem
tempo que estejam os agentes de pastoral, há sempre numerosas multidões para
ser ajudada e libertada.” (Idid.
Bertolini.) A missão continua, o Reino de Deus não descansa, “o Senhor não tira
férias”, Deus não abandona a obra de suas mãos.
Jesus ao ver a multidão
“ficou tomado de compaixão por eles, pois estavam como ovelhas sem pastor. E
começou a ensinar-lhes muitas coisas.” (v. 32) Aquela gente não
tinha “pastor”, estava desamparada, abandonada pelos dirigentes do povo, que não
cumprem sua missão. E Jesus, cercando-se deles, anuncia-lhes a Boa Notícia do
Reino de Deus e também denuncia a passividade dos dirigentes. Essa compaixão de
Jesus pela multidão não era algo passageiro, trata-se de uma constante em sua
vida. Jesus tem compaixão por todo tipo de misérias e situações limites. O
comportamento de Jesus com as pessoas é muito diferente do de muitos falsos pastores
e demagogos populistas daquele tempo e de hoje.
“Jesus sentiu compaixão diante da desorientação do seu
povo: eram como «ovelhas sem pastor». E o mesmo ocorre hoje. Não existem
muitas, muitas comunidades humanas que, ainda que tenham governantes, estão
como ovelhas sem pastor?... O desgoverno leva um grupo humano a não saber para
onde vai, nem onde se encontra, nem o que deve fazer. O desgoverno provoca
dispersão, divisões, enfrentamentos. Quando existe desgoverno, governam os que
não deveriam estar governando, os que não foram escolhidos para tal posto de
comando. Os governos «na sombra» costumam ser movidos por interesses outros,
não querem servir...
O povo que tem de ser servido é mais importante do
que o servidor. Quem não é capaz de servir tem a obrigação de renunciar;
deve-se pedir-lhe que renuncie, porque não é bom pastor. Uma das maiores
injustiças que existem é que muitas comunidades humanas tenham de tolerar, aguentar,
durante anos e anos, pastores «incapazes» de cumprir sua função. Por isso é tão
saudável o exercício democrático que limita os mandatos dos governantes e
impede que determinadas pessoas se perpetuem no poder...
Todos precisamos de bons pastores que nos permitam
sentir-nos acompanhados, protegidos, exortados. A Igreja deveria ser modelo na
arte do governo... Queira nosso Deus que as novas gerações de «pastores»
aprendam a arte do bom governo. Que cesse toda forma de despotismo, de
autoprocura, de indiferença diante dos problemas que precisam ser resolvidos.” (Paredes, 2011.)
Nesta compaixão de Jesus pelo povo temos a origem da “pastoral”.
A pastoral é colocar em prática a “compaixão” pelo povo que nos faz sentir com
o povo, acolhê-lo, ensinar-lhe as coisas do Reino. Isto é pastoral, cuidar do
rebanho em espírito de serviço, em disponibilidade e dedicação total.
A
compaixão de Jesus convida-nos todos os que temos uma função de liderança na
sociedade ou na comunidade cristã, nas chamadas pastorais e serviços da Igreja,
a sermos sensíveis às necessidades e carências do nosso povo, semelhante a
ovelhas sem pastor. Quem são essas “ovelhas sem pastor”? São as vítimas deste
sistema econômico excludente, os que são colocados à margem da sociedade e da
vida, os que são empurrados neste país de um lado para o outro, em busca de
condições de vida e trabalho, os doentes que não têm acesso a um sistema de
saúde eficiente, os idosos abandonados, as crianças que crescem nas ruas, os
jovens sem perspectiva, vítimas da falência do sistema educacional e vitimas da
violência. Toda pessoa tem direito a esperar de nós um gesto de compaixão, de
bondade e de acolhimento. Não podemos ficar comodamente instalados, com a
consciência em paz. O cristão é alguém que tem de sentir como seus os mesmos
sentimentos de Cristo Jesus (cf. Fl 2,5).
Mas a compaixão cristã geralmente teve uma má
impressão, incompreensão. Mais de um escritor disse que a Igreja Católica quis,
ao longo dos séculos, tapar com compaixão e obras de caridade o grande buraco
negro de sua falta de justiça social. Mais justiça e menos caridade, nos dizem.
É possível que, em determinados momentos isto tenha sido verdade, mas o que hoje
os cristãos queremos gritar é que em nossa sociedade faz falta muito mais justiça
e muito mais caridade. E mais, se analizarmos com profundidade o conceito de
justiça, descobriremos que a verdadeira justiça evangélica, a justiça moral
cristã, inclui a caridade. Disse-nos o beato João Paulo II: “A caridade
pressupõe e transcende a justiça: esta última deve ser completada pela
caridade”. Só com a justiça legal, com a justiça que ditam os juízes, nossa sociedade
seguirá sendo uma sociedade desigual e moralmente injusta. A justiça legal
permite que sigam existindo tremendas injustiças morais.
Se Cristo visse hoje as longas filas de desempregados,
doentes, famintos e abandonados que acorrem diariamente às nossas organizações
e centros de “caridade” e de promoção humana, certo que sentiria pena deles e,
movido pela compaixão, tentaria por todos os meios aliviar sua situação. E o
faria criticando duríssimamente uma justiça legal que permite que existam,
legalmente, situações moralmente tão injustas. A compaixão não só não vai de
encontro à verdadeira justiça, mas sim, promove e a reclama. Movida pela compaixão,
a Igreja Católica deve gritar hoje com todas suas forças contra a tremenda
injustiça social das quais são vitimas muitíssimas pessoas inocentes.
Jesus tem compaixão da multidão, essa compaixão é
contagiosa e quer despertar também em nós outras formas de compaixão para com
todas as indigências que sofrem nossos irmãos e irmãs. O que Jesus com sua
atitude hoje quer recordar-nos é a urgência de uma “caridade pastoral” sempre
atenta ao que podemos fazer com e pelos outros. Deixamo-nos guiar pelo cajado
de Jesus, nosso Pastor? Sabemos conciliar experiência de Deus e serviço ao próximo?
Peçamos ao Bom Pastor que envie à sua Igreja bons pastores e agentes de
pastoral que, movidos pela compaixão aos mais fracos, lutem contra tudo e
contra todos para que em nossa sociedade triunfe de uma vez por todas a justiça
evangélica que Cristo pregou e encarnou, Ele que é o “Senhor, nossa justiça.”
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de
Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Bortolini,
José. Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C, Festas e Solenidades. São Paulo,
Paulus, 2006.
Paredes,
José Cristo Rey García. A Liturgia da Palavra Comentada. Anos A, B, C. São
Paulo, Ave Maria, 2011.
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