Campina Grande - PB
O
“Tempo Comum” na Liturgia não comemora nenhum aspecto em particular da vida de
Jesus. Mas é extraordinário na sua riqueza e variedade. Este tempo litúrgico
nos convida a nos fixarmos no cotidiano de nossa fé, na fidelidade constante
que nos pede o Senhor em nossa condição de discípulos e discípulas, no
compromisso de fazer que sua Palavra chegue cada vez mais a nossa vida e a faça
mais ao estilo de Jesus.
Seguimos fazendo a leitura continuada
do Evangelho de São Marcos, esta Palavra é a melhor escola para aprender e
aprofundar o seguimento de Jesus. E Jesus ensinava, sobretudo, com “parábolas”
assim Ele se fazia entender por todos, aproximava a mensagem do Reino de Deus à
simplicidade da vida daquelas pessoas. O mesmo fez o profeta Ezequiel (cf. Ez 17, 22-24). “Tomarei do cimo do cedro, da
extremidade dos seus ramos um broto e plantá-lo-ei eu mesmo sobre monte alto e
elevado... ele deitará ramos e produzirá frutos, tornando-se cedro magnífico,
de modo que à sua sombra habitará toda espécie de pássaros”. . São imagens
simbólicas que não necessitam muitas explicações porque são cotidianas e
acessíveis para todos.
Os exilados na Babilônia, especialmente depois da
destruição de Jerusalém, perderam toda esperança. Tinham que suportar um povo
estrangeiro que interpretava sua vitória como uma vitória de seus deuses sobre
o Deus de Israel. Ezequiel anuncia o restabelecimento da dinastia de Davi. “Não
há dúvida de que, inicialmente, este oráculo alimentou as esperanças de um
regresso à pátria sob a dinastia de Davi legitimamente renovada. Mas quando os
acontecimentos históricos foram protelando a sua realização material-nacionalista,
passaram a entendê-lo como profecia messiânica.” (Bíblia Litúrgica) Trata-se, pois, de uma profecia messiânica, alusão
a um senhorio universal a cujo amparo acudirá todos os povos. Esta imagem a
encontramos de novo na parábola evangélica do grão de mostarda do evangelho.
Marcos
reúne em seu evangelho (cf. Mc
4,26-34) duas simples
parábolas de Jesus: A da
semente que germina por si só e a do grão de mostarda para ensinar
as pessoas como é o Reino de Deus. Na primeira parábola (cf.
Mc 4, 26-29), Jesus compara o Reino de Deus a uma semente semeada na terra. O homem faz
sua tarefa, mas depois, enquanto descansa, a semente germina e cresce, sem que
ele saiba como. Quando o grão está maduro, se mete a foice, porque chegou a hora
da colheita.
A parábola fala da semente que cresce por si só. O
Reino de Deus tem em si uma potência criadora incomparável e às vezes incompreensível.
Cresce e se desenvolve sem que a pessoa o perceba, nem possa detê-lo nem
retardá-lo, e chega a um final esplendido: caule, espiga e grão.
“Jesus
ensina que o Reino de Deus (a semente) é uma iniciativa divina: é Deus quem
atua no silêncio da noite, no tumulto do dia ou na turbulência da história para
que o Reino aconteça; e nenhum obstáculo poderá frustrar o seu plano. Desta
forma, a parábola convida-nos à serenidade e à confiança no Deus que não dorme
e que não deixará de realizar, a seu tempo e de acordo com a sua lógica, o seu
plano para a humanidade e para o mundo.” (Konings, 2002.)
Portanto, é uma parábola que nos convida à
paciência, a serenidade e a confiança. Em um mundo “imediato”, tecnificado até
o extremo, no qual tudo é “on-line” e instantâneo, em “tempo real”, o Reino de
Deus exige um ritmo lento, silencioso, quase imperceptível, que só pode
estimar-se em sua total realidade quando chega a colheita. Ter pressa não fará
com que a planta acelere seu crescimento, mas sim devemos por os meios que o
favoreçam, colaborando assim a que a semente dê o fruto abundante.
Assim deve ser também nossa própria vida, uma
semeadura contínua de boas obras e de boas palavras. Às vezes pode acontecer
que nos pareça inútil fazer o bem, dar um conselho aos outros, ou levar a cabo
um trabalho sem muito brilho, oculto no maior anonimato. Então temos de pensar
que nem um só ato feito por amor de Deus ficará sem recompensa. Até a menor das
sementes alcançará, se se semeia, a alegria de produzir o seu próprio fruto.
Na segunda parábola (cf. Mc 4,
30-32), Jesus compara o Reino de Deus com um grão de mostarda: ao semeá-lo na
terra é a menor semente, mas depois brota, se faz a mais alta de todas as
hortaliças.
A parábola nos fala dos inícios quase
imperceptíveis do Reino. “Mas,
o que é isso! Será que o Reino de Deus é esse punhado de galileus que seguem
Jesus? No Calvário, o grão de trigo caiu na terra e morreu, para produzir muito
fruto. Ressuscitou como árvore da vida. A Igreja dos primeiros cristãos foi
esmagada pelas perseguições, mas ressurgiu das catacumbas com a maior força
religiosa e moral do Império Romano, os bárbaros destruíram o Império, mataram
os missionários cristãos, mas de seu martírio surgiu a sociedade cristã da
Idade Média. E esta foi desmantelada pela Modernidade, mas a semente cresce por
baixo, especialmente no povo que mais sofreu a Modernidade do que dela se
valeu. Nunca os pobres da América Latina foram tão ativos na comunidade de fé
como hoje. E a árvore frondosa continua acolhendo passarinhos que chegam de
todos os lados. Mas o que mais importa não é a quantidade de novos galhos e sim
a qualidade da semente, tão única que nada a pode suprimir” (Ibid.
Konings.)
As aparências enganam, de novo nos encontramos com
a escala aparentemente “equivocada” de Deus, oposta à nossa. Às vezes cremos
que no espetacular, no grandioso e chamativo está o Reino, e nos equivocamos. A
vida cotidiana, os fatos aparentemente irrelevantes, a pequenez do momento
presente oculta uma riqueza que nos passa desapercebido, mas que contém em si a
frondosidade da Vida do Reino a nosso alcance. Se desaproveitamos os pequenos
fatos cotidianos, deixaremos passar a oportunidade de contribuir à extensão do
Reino ao nosso redor.
A
comparação da semente de mostarda serve para dizer que a semente do Reino, a
Boa Nova, lançada pelo anúncio de Jesus pode parecer uma realidade
insignificante, mas está destinada a atingir todos os espaços do mundo,
encarnando em cada pessoa, em cada povo, em cada sociedade, em cada cultura. “O
cristianismo é sempre, ao mesmo tempo, grão de mostarda e árvore, Sexta-feira
Santa e Páscoa. A Sexta-feira Santa nunca está simplesmente atrás de nós, está
sempre presente, e a Igreja nunca é uma árvore que acabou de crescer, porque
então também acabará por secar e extinguir-se, nos volta sempre a estar também
na situação de grão de mostarda... é precisamente na era de um cristianismo
quantitativamente reduzido que pode levar a uma nova vivacidade desse
cristianismo mais consciente.” (Ratzinger, 2005)
A menor semente, a atividade mais insignificante, o
papel mais simples da grande comédia ou tragédia humana, tudo tem seu dinamismo
interno que, dia e noite, vai crescendo aos olhos de Deus e preparando o fruto,
se não estropiamos a sementeira com a rotina, o cansaço ou a mediocridade.
Quando chegar o momento de ”baixar o pano” e soar o aplauso de Deus, então
descobriremos o segredo maravilhoso da pequenina semente que, sem nos darmos
conta dela, cresceu e deu frutos de vida eterna.
Como
vemos neste Domingo a Palavra de Deus nos leva ao ambiente agrário: semente, semeador,
colheita, fruto... Aproximar a grandeza do Reino de Deus ao nosso
pequeno entendimento é a intenção da pregação do Senhor. E como melhor fazê-lo
do que com os elementos da vida cotidiana daqueles que o rodeiam. O que importa
é captar a mensagem, a doutrina que encerram, o que às vezes não é fácil para
nós, que vivemos dois mil anos depois e em uma cultura e sociedade que dista
bastante da agrícola em que Jesus viveu. Mas contamos com a vantagem de que a
Palavra é sempre atual, independentemente das circunstâncias que a rodeiam em
sua literalidade.
“Jesus anunciava-lhes a palavra por meio de muitas
parábolas como essas, conforme podiam entender, e nada lhes falava a não ser em
parábolas. A seus discípulos, porém, explicava tudo em particular” (Mc 4,
33-34) O desejo de Jesus que seus discípulos entendessem bem seus ensinamentos,
faz que lhes explique as parábolas “em particular”. Ele tem com os seus
discípulos uma intimidade especial, uma confiança, uma proximidade a tal ponto
que o evangelista os distingue da multidão que com frequência especialmente no
evangelho de Marcos, acompanha e cerca Jesus. Nestes discípulos entramos também
nós, que tratamos cada dia tornar vivo o Evangelho. É imprescindível nos colocarmos
ante a Palavra em atitude de silêncio, “em privado”, abrindo o coração ao
Espírito que inspirou essa mesma Palavra, para que o mesmo Senhor a atualize
para nós.
A Palavra se converte assim na “semente” que cada
dia se semeia em nós gratuitamente. Na “Lectio Divina” nos situamos como pobres
ante a Palavra e pedimos o pão que nos guie hoje. Por isso, não há dois dias
iguais porque o “pão” nunca é o mesmo. A Palavra será, com o tempo, nossa
diária companheira de caminho, que ilumina nossa vida e dará fruto abundante.
O Reino de Deus vai crescendo cada dia. Essa é a
mensagem que nos transmitem estas parábolas. E cresce de maneira simples, com o
esforço e o trabalho de muitos de nós, mas, sobretudo, com a ação de Deus, que
supera nossas debilidades e nossa fragilidade.
Deus segue semeando nos corações de muitas pessoas
as pequenas sementes de uma nova humanidade. Temos que estar atentos, acolher
tudo isso, rezar cada uma de nossas ações, para que verdadeiramente seja o Reino
de Deus que cresça.
Temos que ser
como Deus semeadores incansáveis que com as mãos cheias da semente divina que Ele
nos entregou desde o nosso Batismo; semeadores incansáveis que creem no valor
divino de cada um dos momentos que vivemos unidos a Ele. Alegres e esperançosos
sempre, sejamos convencidos de que, ainda que não se veja o grão que se semeia
nunca se perde, mas dará ao final seu precioso fruto.
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