sábado, junho 16, 2012

O Reino de Deus cresce a cada dia - Pe. Assis

Padre José Assis Pereira Soares
Campina Grande - PB


O “Tempo Comum” na Liturgia não comemora nenhum aspecto em particular da vida de Jesus. Mas é extraordinário na sua riqueza e variedade. Este tempo litúrgico nos convida a nos fixarmos no cotidiano de nossa fé, na fidelidade constante que nos pede o Senhor em nossa condição de discípulos e discípulas, no compromisso de fazer que sua Palavra chegue cada vez mais a nossa vida e a faça mais ao estilo de Jesus.
Seguimos fazendo a leitura continuada do Evangelho de São Marcos, esta Palavra é a melhor escola para aprender e aprofundar o seguimento de Jesus. E Jesus ensinava, sobretudo, com “parábolas” assim Ele se fazia entender por todos, aproximava a mensagem do Reino de Deus à simplicidade da vida daquelas pessoas. O mesmo fez o profeta Ezequiel (cf. Ez 17, 22-24). “Tomarei do cimo do cedro, da extremidade dos seus ramos um broto e plantá-lo-ei eu mesmo sobre monte alto e elevado... ele deitará ramos e produzirá frutos, tornando-se cedro magnífico, de modo que à sua sombra habitará toda espécie de pássaros”. . São imagens simbólicas que não necessitam muitas explicações porque são cotidianas e acessíveis para todos.
Os exilados na Babilônia, especialmente depois da destruição de Jerusalém, perderam toda esperança. Tinham que suportar um povo estrangeiro que interpretava sua vitória como uma vitória de seus deuses sobre o Deus de Israel. Ezequiel anuncia o restabelecimento da dinastia de Davi. “Não há dúvida de que, inicialmente, este oráculo alimentou as esperanças de um regresso à pátria sob a dinastia de Davi legitimamente renovada. Mas quando os acontecimentos históricos foram protelando a sua realização material-nacionalista, passaram a entendê-lo como profecia messiânica.” (Bíblia Litúrgica) Trata-se, pois, de uma profecia messiânica, alusão a um senhorio universal a cujo amparo acudirá todos os povos. Esta imagem a encontramos de novo na parábola evangélica do grão de mostarda do evangelho.
Marcos reúne em seu evangelho (cf. Mc 4,26-34) duas simples parábolas de Jesus: A da semente que germina por si só e a do grão de mostarda para ensinar as pessoas como é o Reino de Deus. Na primeira parábola (cf. Mc 4, 26-29), Jesus compara o Reino de Deus a uma semente semeada na terra. O homem faz sua tarefa, mas depois, enquanto descansa, a semente germina e cresce, sem que ele saiba como. Quando o grão está maduro, se mete a foice, porque chegou a hora da colheita.
A parábola fala da semente que cresce por si só. O Reino de Deus tem em si uma potência criadora incomparável e às vezes incompreensível. Cresce e se desenvolve sem que a pessoa o perceba, nem possa detê-lo nem retardá-lo, e chega a um final esplendido: caule, espiga e grão.
“Jesus ensina que o Reino de Deus (a semente) é uma iniciativa divina: é Deus quem atua no silêncio da noite, no tumulto do dia ou na turbulência da história para que o Reino aconteça; e nenhum obstáculo poderá frustrar o seu plano. Desta forma, a parábola convida-nos à serenidade e à confiança no Deus que não dorme e que não deixará de realizar, a seu tempo e de acordo com a sua lógica, o seu plano para a humanidade e para o mundo.” (Konings, 2002.)
Portanto, é uma parábola que nos convida à paciência, a serenidade e a confiança. Em um mundo “imediato”, tecnificado até o extremo, no qual tudo é “on-line” e instantâneo, em “tempo real”, o Reino de Deus exige um ritmo lento, silencioso, quase imperceptível, que só pode estimar-se em sua total realidade quando chega a colheita. Ter pressa não fará com que a planta acelere seu crescimento, mas sim devemos por os meios que o favoreçam, colaborando assim a que a semente dê o fruto abundante.
Assim deve ser também nossa própria vida, uma semeadura contínua de boas obras e de boas palavras. Às vezes pode acontecer que nos pareça inútil fazer o bem, dar um conselho aos outros, ou levar a cabo um trabalho sem muito brilho, oculto no maior anonimato. Então temos de pensar que nem um só ato feito por amor de Deus ficará sem recompensa. Até a menor das sementes alcançará, se se semeia, a alegria de produzir o seu próprio fruto.
Na segunda parábola (cf. Mc 4, 30-32), Jesus compara o Reino de Deus com um grão de mostarda: ao semeá-lo na terra é a menor semente, mas depois brota, se faz a mais alta de todas as hortaliças.
A parábola nos fala dos inícios quase imperceptíveis do Reino. “Mas, o que é isso! Será que o Reino de Deus é esse punhado de galileus que seguem Jesus? No Calvário, o grão de trigo caiu na terra e morreu, para produzir muito fruto. Ressuscitou como árvore da vida. A Igreja dos primeiros cristãos foi esmagada pelas perseguições, mas ressurgiu das catacumbas com a maior força religiosa e moral do Império Romano, os bárbaros destruíram o Império, mataram os missionários cristãos, mas de seu martírio surgiu a sociedade cristã da Idade Média. E esta foi desmantelada pela Modernidade, mas a semente cresce por baixo, especialmente no povo que mais sofreu a Modernidade do que dela se valeu. Nunca os pobres da América Latina foram tão ativos na comunidade de fé como hoje. E a árvore frondosa continua acolhendo passarinhos que chegam de todos os lados. Mas o que mais importa não é a quantidade de novos galhos e sim a qualidade da semente, tão única que nada a pode suprimir” (Ibid. Konings.)
As aparências enganam, de novo nos encontramos com a escala aparentemente “equivocada” de Deus, oposta à nossa. Às vezes cremos que no espetacular, no grandioso e chamativo está o Reino, e nos equivocamos. A vida cotidiana, os fatos aparentemente irrelevantes, a pequenez do momento presente oculta uma riqueza que nos passa desapercebido, mas que contém em si a frondosidade da Vida do Reino a nosso alcance. Se desaproveitamos os pequenos fatos cotidianos, deixaremos passar a oportunidade de contribuir à extensão do Reino ao nosso redor.
A comparação da semente de mostarda serve para dizer que a semente do Reino, a Boa Nova, lançada pelo anúncio de Jesus pode parecer uma realidade insignificante, mas está destinada a atingir todos os espaços do mundo, encarnando em cada pessoa, em cada povo, em cada sociedade, em cada cultura. “O cristianismo é sempre, ao mesmo tempo, grão de mostarda e árvore, Sexta-feira Santa e Páscoa. A Sexta-feira Santa nunca está simplesmente atrás de nós, está sempre presente, e a Igreja nunca é uma árvore que acabou de crescer, porque então também acabará por secar e extinguir-se, nos volta sempre a estar também na situação de grão de mostarda... é precisamente na era de um cristianismo quantitativamente reduzido que pode levar a uma nova vivacidade desse cristianismo mais consciente.” (Ratzinger, 2005)
A menor semente, a atividade mais insignificante, o papel mais simples da grande comédia ou tragédia humana, tudo tem seu dinamismo interno que, dia e noite, vai crescendo aos olhos de Deus e preparando o fruto, se não estropiamos a sementeira com a rotina, o cansaço ou a mediocridade. Quando chegar o momento de ”baixar o pano” e soar o aplauso de Deus, então descobriremos o segredo maravilhoso da pequenina semente que, sem nos darmos conta dela, cresceu e deu frutos de vida eterna.
Como vemos neste Domingo a Palavra de Deus nos leva ao ambiente agrário: semente, semeador, colheita, fruto... Aproximar a grandeza do Reino de Deus ao nosso pequeno entendimento é a intenção da pregação do Senhor. E como melhor fazê-lo do que com os elementos da vida cotidiana daqueles que o rodeiam. O que importa é captar a mensagem, a doutrina que encerram, o que às vezes não é fácil para nós, que vivemos dois mil anos depois e em uma cultura e sociedade que dista bastante da agrícola em que Jesus viveu. Mas contamos com a vantagem de que a Palavra é sempre atual, independentemente das circunstâncias que a rodeiam em sua literalidade.
“Jesus anunciava-lhes a palavra por meio de muitas parábolas como essas, conforme podiam entender, e nada lhes falava a não ser em parábolas. A seus discípulos, porém, explicava tudo em particular” (Mc 4, 33-34) O desejo de Jesus que seus discípulos entendessem bem seus ensinamentos, faz que lhes explique as parábolas “em particular”. Ele tem com os seus discípulos uma intimidade especial, uma confiança, uma proximidade a tal ponto que o evangelista os distingue da multidão que com frequência especialmente no evangelho de Marcos, acompanha e cerca Jesus. Nestes discípulos entramos também nós, que tratamos cada dia tornar vivo o Evangelho. É imprescindível nos colocarmos ante a Palavra em atitude de silêncio, “em privado”, abrindo o coração ao Espírito que inspirou essa mesma Palavra, para que o mesmo Senhor a atualize para nós.
A Palavra se converte assim na “semente” que cada dia se semeia em nós gratuitamente. Na “Lectio Divina” nos situamos como pobres ante a Palavra e pedimos o pão que nos guie hoje. Por isso, não há dois dias iguais porque o “pão” nunca é o mesmo. A Palavra será, com o tempo, nossa diária companheira de caminho, que ilumina nossa vida e dará fruto abundante.
O Reino de Deus vai crescendo cada dia. Essa é a mensagem que nos transmitem estas parábolas. E cresce de maneira simples, com o esforço e o trabalho de muitos de nós, mas, sobretudo, com a ação de Deus, que supera nossas debilidades e nossa fragilidade.
Deus segue semeando nos corações de muitas pessoas as pequenas sementes de uma nova humanidade. Temos que estar atentos, acolher tudo isso, rezar cada uma de nossas ações, para que verdadeiramente seja o Reino de Deus que cresça.
Temos que ser como Deus semeadores incansáveis que com as mãos cheias da semente divina que Ele nos entregou desde o nosso Batismo; semeadores incansáveis que creem no valor divino de cada um dos momentos que vivemos unidos a Ele. Alegres e esperançosos sempre, sejamos convencidos de que, ainda que não se veja o grão que se semeia nunca se perde, mas dará ao final seu precioso fruto. 

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