domingo, junho 03, 2012

Deus vence as nossas solidões

Padre José Assis Pereira Soares
Paróquia Nossa Senhora de Fátima
Campina Grande - PB


A solenidade da Santíssima Trindade, que guarda uma clara relação com a de Pentecostes, celebrada domingo passado, é início do Tempo Comum. Alguns têm definido esse tempo como a “normalidade” do tempo litúrgico. Na realidade também poderíamos chamá-lo “Tempo do Espírito Santo”, tempo de formação e crescimento porque com a sua ajuda percorreremos a maior parte do Ano Litúrgico até o dia 2 de dezembro, Primeiro Domingo do Advento.
Hoje celebramos um mistério, que distingue a religião cristã de todas as outras religiões. Celebramos o mistério da Santíssima Trindade. Uma verdade fundamental da fé cristã, que expressamos inúmeras vezes por palavras e gestos, na liturgia. A Trindade está muito presente em nossas celebrações, nos gestos e orações que fazemos, começando pelo primeiro ao iniciar qualquer celebração: “Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.” Às vezes nos passam despercebidos estes gestos ou palavras, mas nomeamos a Trindade em muitas ocasiões: na chamada grande doxologia, ao concluir a prece eucarística dizemos: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós Deus Pai todo poderoso, na unidade do Espírito Santo toda honra e toda glória”, temos nomeado as Três Pessoas. Também na bênção final, ou inclusive no final de alguma oração, quando dizemos: “Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo…”
Fomos batizados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. O sacerdote nos absolve dos pecados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Talvez agora estejamos percebendo o quanto expressamos nossa fé trinitária quase sem nos darmos conta.
“A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de ‘um em três”. Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família – pai, mãe e filho – é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é também negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, um Deus comunidade, se expressa na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-se trindade de pessoas distintas, porém unidas.
Chegados aqui temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue ‘dizer’ o indizível, não consegue definir cabalmente o mistério de Deus.
Quem é Deus? Como é Ele? Qual a sua relação com os homens? O Deus em quem acreditamos é
um Deus sensível aos problemas dos homens e que se preocupa em percorrer com eles um caminho de amor e de relação, ou é um Deus insensível e distante, que olha com enfado e indiferença o caminho que percorremos e que se recusa a sujar as mãos com a nossa humanidade? Trata-se de um Deus capaz de amar os homens e de aceitar, com misericórdia, as nossas falhas, ou de um Deus intolerante, duro e insensível, que castiga sem piedade qualquer deslize do homem? A Solenidade da Santíssima Trindade é, antes de mais, um convite a descobrir o verdadeiro rosto de Deus.” (Sousa e Silva, 2012.)
O Deus dos cristãos não é um Deus silencioso, distante e inacessível, que se demitiu do seu papel de criador e que assiste com indiferença aos dramas da humanidade; mas é um Deus que acompanha a caminhada da humanidade e que não desiste de oferecer a vida plena e verdadeira. Mas há, com certeza, ao longo da nossa vida, momentos de solidão e de desespero, em que procuramos Deus e não conseguimos perceber sua presença; no entanto, é, sobretudo nesses momentos dramáticos, que é preciso não esquecer que Deus nunca desiste dos seus filhos e filhas e que nenhum de nós lhe é indiferente.
Reconhece hoje e medita em teu coração: Iahweh é o único Deus, tanto no alto do céu, como cá embaixo, na terra. Não existe outro! Observa seus estatutos e seus mandamentos que eu hoje te ordeno, para que tudo corra bem a ti e a teus filhos depois de ti.” Neste texto do Deuteronômio (cf. Dt 4,32-34.39-40) Moisés diz a seu povo que seu Deus é único Deus e que eles devem se sentir orgulhosos de ter um Deus tão grande e tão próximo a eles. Nenhum outro deus, disse-lhes, se preocupou tanto com seu povo, o protegeu e o acompanhou de perto, como o fez nosso Deus. Nenhum outro deus amou tanto a seu povo como nosso Deus. Se eles guardarem a lei que lhes dá agora, os preceitos e mandamentos que lhes prescreve, será feliz, porque Deus só quer sua felicidade. Não devem entender a lei e os preceitos como uma carga, mas sim como uma ajuda para encontrar a felicidade.
Também nós, os cristãos podemos dizer com as palavras do Apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos (cf. Rm 8,14-17): “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.” De acordo com esta catequese o nosso Deus é o Deus da relação-familiar, que vem ao encontro da humanidade para oferecer e integrá-la na sua família amando-a com amor de Pai, tornando-nos todos consanguineos do seu Filho e herdeiros da vida plena e definitiva.
Ser filhos de um Deus trinitário, único, mas não solitário, é ser filhos de um Deus Amor; vivamos, pois, no Amor e viveremos como autênticos filhos de Deus. Ao nos dirigir a Ele, podemos usar a palavra “Abba! Pai!” (Rm 8,15) Pai nosso, expressão de intimidade filial, que define uma relação marcada pelo amor, pela familiaridade, pela confiança, pela ternura.
“O batismo, sacramento da fé, introduz-nos no círculo trinitário através do nascimento para a vida de adoção filial por Deus, como testemunha o seu Espírito dentro de nós: ““Se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo.” (Rm 8, 17) Aqui aparece a Trindade não numa formulação técnica ou definição abstrata, mas agindo dinamicamente na nossa vida. De tal forma que podemos experimentar pessoalmente, na fé e no amor, a nossa relação familiar de filhos para com Deus- Pai, Deus-Filho e Deus-Espírito Santo. Os grandes cristãos de todos os tempos, santos e místicos são testemunhas desta profunda e gozosa espiritualidade trinitária em que o crente mergulha, devido à adoção filial pelo Pai concretizada e tornada consciente graças ao dom do Espírito através de Cristo.” (Caballero, 2001.)  
É nesse espírito que Jesus dá a seus discípulos a missão de formar a sua Igreja, como a família dos filhos e filhas de Deus, a comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus ressuscitado: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei.” Mateus (cf. Mt 28,16-20) faz menção  explícita da Trindade na fórmula do Batismo, que reflete, sem dúvida, a práxis batismal já desde a Igreja apostólica. Com esse Espírito, a comunidade cristã realiza a missão de anunciar Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo.
É uma tarefa missionária: fazer discípulos e também comunitária: mostrar-lhes um Deus que é família (Pai, Filho e Espírito Santo), e incorporá-los a essa família através do Batismo. E é, sobretudo, uma tarefa evangelizadora: é preciso ensiná-los a viver o evangelho, mostrar-lhes que Deus quer nossa felicidade acima de tudo. Mas, o mais importante é a consciência de que nunca estamos sós nesta tarefa: “Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos!” (Mt 28,20) Ele estará acompanhando-nos com sua presença, fazendo assim que o Evangelho não caduque, mas sim se atualize permanentemente e sempre seja a Boa Notícia para as pessoas de todas as gerações que queiram acolhê-lo.
Nunca estamos sós. Deus vence nossas solidões.
“A solidão é um peso que oprime um grande número de pessoas de todas as idades, nos nossos dias. Cria a insegurança e mergulha suas vítimas na tristeza, e pode fechá-las no egoísmo ou em atitudes antissociais.
Os excluídos do convívio humano, isolados de tudo e de todos, não são apenas os idosos e os doentes. São já as crianças abandonadas pela família, os jovens de ambos os sexos que se deixam encerrar nas malhas do vício e até as pessoas em certos meios de trabalho.
Deus comunidade de Três Pessoas na Verdade e no Amor, oferece-nos o remédio contra esta solidão e ajuda-nos a vencê-la, chamando-nos a uma vida eterna que será comunhão com o Pai e o Filho e o Espírito Santo e há de ser experimentada já na terra... Deus quer viver em familiaridade conosco. Nunca em toda a história das religiões da antiguidade os homens foram capazes de imaginar esta familiaridade com Deus que Ele os revela. Chama-nos à comunhão com Ele. Mas quer ajudar-nos a viver esta comunhão já na terra.” (Ibid. Sousa e Silva.)
Desde o Batismo fomos constituídos templos de Deus, templos vivos da Santíssima Trindade. Deus habita em nós, de modo que se quisermos nunca nos encontramos na solidão, porque Ele está conosco para dialogar e nos ajudar.
Muitas pessoas metem-se no barulho, no ruído e agitação, porque têm medo de se encontrarem face a face com Ele, para conhecer a verdade das suas vidas. Por vezes, ao longo da nossa caminhada pela vida, sentimo-nos sós e perdidos, afogados nas nossas dúvidas, misérias e dramas, assustados e inquietos face ao rumo que a história segue. Mas, a certeza da presença amorosa, salvadora e reconfortante de Deus deve ser uma luz de esperança que ilumina o nosso caminho e nos permite encarar cada passo da nossa existência com serenidade e confiança. Eu não ando só! Nós não andamos sós, trazemos conosco as três pessoas da Santíssima Trindade, elas são as nossas companheiras, de dia e de noite. Basta que nos recolhamos um momento no silêncio, para podermos falar com Elas, para alcançarmos a sua intimidade e o seu convívio.


Bibliografia
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Caballero, B. A palavra de cada Domingo. Paulus Portugal, 2001.
Sousa e Silva, Manuel Fernando (dir). Celebração Litúrgica, Revista de Liturgia e Pastoral, vol 4, Tempo Comum (Junho –Julho 2012. Edições Licel - Braga 

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