domingo, junho 10, 2012

Cristo vencedor do mal - Pe.Assis


Retornamos ao ciclo litúrgico do Tempo Comum. É o tempo da cotidianidade e da vida comum. Percorreremos como um programa de iluminação ou catequese dominical as perícopes principais do Evangelho de São Marcos e perpassaremos concomitantemente aspectos importantes de nossa vida pessoal e eclesial.
Temos consciência de que o ser humano é um ser dividido, fragmentado, envolvido ao mesmo tempo de graça e de maldade. Todos temos esta experiência profundamente humana. O Concílio Vaticano II na encíclica Gaudium Et Spes afirma: “Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito, toda a história humana; começou no princípio do mundo e, segundo a palavra do Senhor, durará até o último dia. Inserido nesta luta, o homem deve combater constantemente, se quer ser fiel ao bem; e só com grandes esforços e a ajuda da graça de Deus conseguirá realizar a sua própria unidade.  (GS 37)
O livro do Gênesis (cf. Gn 3,9-15.20) nos coloca diante da fragilidade da condição humana. Conforme o relato bíblico da criação, Adão, o primeiro homem, rico de dons, não teria decidido por si só se rebelar contra Deus. Ele jamais teria ousado desobedecer os preceitos divinos se a tentação não tivesse vindo de fora, se não fosse provocado externamente, uma força exterior agiu no homem para por em ação as possibilidades de mal que estavam nele. Assim a presença misteriosa, mas real, do tentador, de satanás se faz sentir desde as primeiras páginas da Bíblia.
“Na narração do primeiro pecado no Éden aparece com toda a sua gravidade e dramaticidade aquilo que constitui a essência mais íntima e mais obscura do pecado: a desobediência a Deus, à sua lei, à norma moral que ele deu ao homem, gravando-lha no coração e confirmando-a e aperfeiçoando-a com a revelação. Exclusão de Deus, ruptura com Deus, desobediência a Deus: é isto o que tem sido, ao longo de toda a história humana, e continua a ser, sob formas diversas, o pecado, que pode chegar até à negação de Deus e da sua existência...
Na descrição do ‘primeiro pecado’, a ruptura com Javé espedaçou, ao mesmo tempo, o fio da amizade que unia a família humana; tanto assim que as páginas do Gênesis que se seguem nos mostram o homem e a mulher, como que a apontarem com o dedo acusador um contra o outro; depois o irmão que, hostil ao irmão, acaba por tirar-lhe a vida.” (João Paulo II, 1984) A luta entre o bem e o mal, que acompanha o ser humano desde o paraíso terrestre (cf. Gn 3,5) traz como maior expressão do mal o próprio demônio. Para expressar a decisão do homem entre o bem e mal, a Sagrada Escritura, em suas primeiras páginas, usa uma linguagem figurada, que só se tornou clara com a vinda de Jesus. Com o nome de satanás, (do hebraico = o adversário) ou de diabo (do grego = o caluniador) a Bíblia designa um ser pessoal, invisível, mas cuja ação se manifesta pela atividade de outros seres ou pela tentação.  
“Rompendo a relação com Deus, o pecado subverte todas as relações do homem e altera também a própria percepção que a criatura tem de si mesma. Mas Deus é maior que o pecado: conserva o seu amor fiel pelo homem e abre-lhe um futuro de esperança e de salvação. Tem assim início, a partir desta página bíblica, a história do pecado da Humanidade, mas também tem início aqui e sobretudo, a espera messiânica, a História da Salvação. A liberdade e o coração do homem serão o campo de batalha entre os dois grandes contendores: o Maligno e Deus. Desde agora porém, já é dito quem será o vencedor. (Casarin, 2010.)
O demônio, pai da mentira, conseguiu enganar os nossos primeiros pais e ao longo da história da humanidade tem continuado, com suas artimanhas seduzir a humanidade. Frente a tanto engano, logo após a primeira queda, Deus, prometeu Alguém, que da descendência da mulher, haveria de esmagar a cabeça da serpente enganadora. E a promessa foi cumprida, a vitória da humanidade sobre satanás será Cristo, Redentor da humanidade, alguém mais forte que satanás.
Os evangelhos apresentam a vida pública de Jesus como uma luta contra satanás. Tudo começa com o episódio da tentação em que, pela primeira vez, depois da cena do paraíso, um homem, representante da humanidade, se encontra face a face com o diabo. Esta luta se abre com as libertações dos endemoninhados. Eles provam que chegou o Reino de Deus (cf. Mc 3,22s) e que terminou o de satanás.
E, precisamente no momento da paixão e morte de Jesus em que o diabo parece vencer, o “príncipe deste mundo” é “lançado fora” (cf. Jo 12,31).
No Evangelho de São Marcos (cf. Mc 3,20-35) Jesus volta para casa e sente o ambiente tenso em que ele já não é bem vindo. Sua pregação pela Galiléia gera atitudes contraditórias em dois grupos bem distintos: sua família e os fariseus.
Seus familiares que o conhecem, pois cresceram com Ele desde criança acham que Jesus foi longe de mais e que deve desistir de sua missão (3,21), querem levá-lo de volta para Nazaré pois julgam que ele está fora de si, que ele “enlouqueceu”. Mas, a cautela dos familiares vem tarde de mais; os escribas inquisidores vieram de Jerusalém para levantar acusações contra o Mestre disseram que Ele “está possuído por Belzebu”, pelo demônio, está possesso (3,22) e se realiza obras extraordinárias, conta com a sua ajuda.
Absurdo! Contesta-lhes Jesus. Satanás não se autodestroi; se Ele o vence é porque é mais forte que os poderes do mal. Segundo Jesus, a acusação caluniosa dos escribas à sua pessoa constitui uma blasfêmia contra o Espírito Santo, com cuja força ele expulsa os demônios: “Tudo será perdoado aos filhos dos homens, os pecados e todas as blasfêmias que tiverem proferido. Aquele, porém, que blasfemar contra o Espírito Santo, jamais será perdoado: é culpado de pecado eterno”. (28-29) “Negar que Jesus tenha o poder de perdoar pecados, de expulsar os demônios e vencer as forças do mal, negar-lhe seu poder divino e redentor, opor-se à sua obra salvadora é ‘blasfemar contra o Espírito Santo’. Espírito Santo aqui não é a terceira pessoa da Santíssima Trindade, mas o próprio Cristo como Filho de Deus, sua divindade. Quando se nega a divindade de Jesus, nega-se também seu poder de perdoar e redimir, por isso mesmo, anula-se o perdão que Deus pode dar à criatura. Não é que haja pecados que Deus não possa perdoar. Sua misericórdia é e será sempre infinita. Cristo é a encarnação da misericórdia divina. Mas Deus não pode perdoar a quem não quer o perdão e nega seu poder de perdoar.” (Neotti, 2002.)
Não há pecado pessoal ou original que não possa tornar-se história de salvação, graças ao médico divino que veio curar todos os doentes do corpo ou do espírito. Jesus é o redentor e o salvador de todos e de cada um, de cada pecado e de todos os pecados. Há um só obstáculo capaz de se opor à ação universal e redentora de Cristo: a recusa em reconhecê-lo como Redentor, ou então não reconhecer a nossa necessidade dele. Este é o pecado contra o Espírito Santo. Só a fé nos consente reconhecer o nosso pecado e nos dá a possibilidade da salvação.
São muitos os cristãos que não creem mais na existência de satanás. A experiência que fazem da tentação não lhes parece postular a existência de potências demoníacas. A personificação do mal, dizem, pertence a uma época ultrapassada, na qual o homem se considerava joguete das forças cósmicas. A mitologia popular de antigamente não é mais levada em conta hoje, o que se chamava possessão diabólica é um dos muitos traumas que a psicologia procura explicar. Por outro lado é cada vez mais evidente a dificuldade com que os teólogos modernos falam de satanás e das potências do mal. Mas as perícopes evangélicas em que dele se fala com tanta convicção e tão explicitamente convidam-nos a refletir; além disso, a experiência que cada pessoa tem do pecado a obriga a dizer que cedeu às tentações porque o mal se acha objetivamente dentro da realidade, antes que a pessoa nela consinta por um ato de sua livre vontade. Isto significa que, pecando, o homem tem a consciência de se tornar parte ativa de uma solidariedade no pecado, preexistente a ele, e que inclui também outras criaturas espirituais além do homem.
Mas, a vida do cristão começa com a vitória radical sobre o mal e sobre satanás no Batismo. Estende-se, atualiza-se continuamente na participação dos outros sinais da vitória de Cristo, os outros sacramentos. Toda a vida do cristão se torna, como de Cristo, uma luta, um duelo com o mal e as potências do maligno.
O Papa João Paulo II disse: “A batalha contra o demônio que é a principal tarefa de São Miguel Arcanjo, ainda acontece nos dias de hoje, porque o demônio está vivo e ativo no mundo”. Ele é um dado da experiência diária. Está aí presente em tantas situações de pecado, dentro e fora de nós, encarnado na tentação e em quantas pessoas que praticam o mal e pecam optando pela violência e a destruição, a corrupção e a injustiça, o ódio e o rancor, o abuso e a exploração, o egoísmo e o desamor. Porque tudo isto? Não é porque Deus queira, mas porque a pessoa o produz com o abuso da sua liberdade, isto é, com o pecado. Podemos vencer o mal que quer nos dominar? Podemos resistir às tentações do mundo, do demônio e da carne? Sim, porque Jesus o conseguiu, nele está a misericórdia e a abundante redenção. O discípulo de Cristo, unido a Ele e cumprindo a vontade do Pai, pode também derrotar o mal na sua vida pessoal e no ambiente que o rodeia. Desde então podemos vencer com o bem. “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem”. (Rm 12,21)
Se como Cristo prometeu, o poder do inferno não derrotará a sua Igreja, também não poderá com cada um de nós se optarmos pelo bem mediante o amor que Deus derrama nos nossos corações pelo Espírito. Temos constantemente de escolher entre o bem e o mal, o amor e o egoísmo. A bênção e a maldição, a vida ou a morte. Optemos por Cristo, optemos pelo amor que é a única força eficaz contra o mal. 

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