O 7º Domingo de Páscoa celebra a Ascensão do Senhor: “Vencendo o pecado e a morte, O Senhor Jesus Cristo, Rei da Glória, subiu hoje ante os anjos maravilhados ao mais alto dos céus... Ele subiu aos céus não para afastar-se de nossa humildade, mas para dar-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade.” (Prefácio da Ascensão I)
Com a festa da Ascensão se encerra um ciclo que começou com a encarnação. Jesus desceu do céu, nasceu da Virgem Maria, compartilhou nossa vida e nossa condição humana, morreu crucificado, ressuscitou e agora volta ao Pai. Volta para onde estava, e continua a sua missão com o dom do Espírito Santo, que celebramos no próximo domingo.
Contamos nos textos da Liturgia da Palavra com um princípio e um final. Leem-se os primeiros versículos do Livro dos Atos dos Apóstolos (cf. At 1,1-11) e os últimos do Evangelho de Marcos (cf. Mc 16,15-20). Nos Atos narra-se de maneira muito plástica a subida de Jesus aos céus e no texto de Marcos se lê sua impressionante despedida.
Interessa-nos agora nos referirmos, por um momento, ao texto paulino da Carta aos Efésios (cf. Ef 1,17-23) onde se explica a herança de Cristo recebida pela Igreja. Disse o Apóstolo Paulo: "Sim, ele pôs tudo sob seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude universal". (Ef 1,22-23)
Segundo estas palavras de São Paulo, a Igreja é o corpo de Cristo; “O centro da experiência cristã é a fé em Jesus ressuscitado que venceu a morte e é o Senhor da vida. Esta fé exprime-se e vive-se na celebração litúrgica da Ascensão do Senhor, ‘mistério’ que enche de alegria a comunidade dos fieis, porque eles veem no Filho de Deus, subido aos céus, o fundamento e a garantia da sua esperança. De fato como membros do Corpo de Cristo, os crentes vivem na esperança de serem associados para sempre como membros do seu Corpo”. (Casarin, 2009.)
Nós que somos Igreja, somos corpo de Cristo. Cristo quer atuar visivelmente em nosso mundo valendo-se de nós, de nossas palavras e de nosso testemunho e de nossa vida.
A Igreja também para São Lucas é de Jesus o prolongamento do seu Corpo místico, “o Cristo total” (Sto. Agostinho). Graças a seus relatos nos Atos dos Apóstolos conhecemos a vida dos primeiros cristãos, os inícios fundacionais, as linhas mestras que haveriam de caracterizar para sempre o estilo de todos os cristãos da história. Nesses primeiros tempos, sob a especial assistência do Espírito Santo, se marca para sempre a direção pela qual logo a Igreja iria caminhar. Daí que permanentemente voltamos às origens para adequar o presente.
E isto que ocorre em escala universal, há de ocorrer também em nível pessoal. Cada um tem de reler estas paginas inspiradas do livro dos Atos, para ver até que ponto nossa vida de cristãos é como a daqueles primeiros. Foram tempos difíceis e heróicos que ficaram para sempre como um modelo ou ideal de vida a imitar. É certo que as circunstâncias são diferentes, mas também é certo que o Espírito que lhes animava é o mesmo, continua vivo e que, deixando de lado o acidental, é possível reproduzir em nossas atitudes o que eles viviam.
A Ascensão não é puro simbolismo, é uma evocação à maturidade: agora nos toca a nós continuar com todo esse legado espiritual, humano e divino que Cristo nos deixou. Ele se vai, mas com sua Ascensão, nos revela este imenso mistério que hoje não chegamos a compreender em plenitude. É a hora da Igreja e do Espírito. É a hora da maturidade. Recebemos o Espírito Santo para dar testemunho de nossa fé. A grande tentação que temos é ficarmos apenas na contemplação, parados, olhando para o céu: “Homens da Galiléia, por que estais aí a olhar para o céu?” (At 1,11) Não podemos ficar parados. Somos tentados a viver uma fé desencarnada da vida. A Igreja somos todos nós, mulheres e homens cristãos, logo todos temos que nos envolver mais com os problemas da sociedade, mais na defesa da dignidade do ser humano, da vida, da paz, da justiça. Guiados por Cristo, atuando em seu nome, devemos defender no mundo os valores do Evangelho. Se nossa Igreja não defende estes valores, a missão de Cristo não se fará realidade em nosso mundo e nós, os cristãos, seremos responsáveis.
Jesus confia a seus apóstolos a missão de evangelizar: "Ide por todo mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15); e lhes prometeu, além disso, que “estes são os sinais que acompanharão aqueles os que tiverem crido: em meu nome expulsarão demônios, falarão em novas línguas, pegarão em serpentes, e se beberem algum veneno mortífero, nada sofrerão; imporão as mãos sobre os enfermos, e estes ficarão curados”. (Mc 16, 17-18)
Efetivamente o anúncio do Evangelho não deixa as coisas como estão. A evangelização hoje é também igualmente acompanhada por sinais que causam tanta admiração quanto os “milagres” descritos em Marcos: “Expulsar demônios”: é a ação que liberta do poder do mal que sufoca a vida, e anunciadora do mundo novo, combatendo e eliminando tudo o que despersonaliza, oprime, aliena e marginaliza as pessoas; falando “novas línguas”, isto é comunicando-se com os outros de modo novo, falando a mesma linguagem da vida e da liberdade, a linguagem do amor. “Pegar em serpentes ou beber veneno mortal”: é não deixar-se envenenar nem envenenar a convivência com tudo aquilo que arruína a relação entre as pessoas, é ser consciente que o anúncio do Evangelho sofre oposições na tentativa de matar os discípulos; com Jesus foi assim, mas Deus não permitirá que a morte seja a última palavra. “Curar os enfermos”: é uma especial comunhão com a prática de Jesus, que optou pelos sofredores, é ter atenção e acolhida com as pessoas excluídas e marginalizadas, sobretudo os enfermos e doentes, curando-os.
“São duas as formas de missão que Jesus nos confia: o anúncio direto e o testemunho pessoal e comunitário através dos sinais de libertação... Jesus Cristo convoca-nos, com urgência, para a missão de evangelização e libertação humana. Agora que Ele não está fisicamente presente entre os homens, é o grupo dos crentes que há de torná-lo visível no mundo pelo anúncio e testemunho... Temos de realizar hoje o trabalho evangelizador, em primeiro através do anúncio direto do evangelho em todos os meios ao nosso alcance: palavra (evangelização, homilia, catequese), liturgia, meio de comunicação social (imprensa, rádio, televisão), literatura, arte, festa e convivência. O nosso anúncio há de ser fiel e valente, como o de Jesus Cristo... e tem de ser, também, um anúncio animado pelo amor e pelo sopro do Espírito de Deus, que é liberdade. Anúncio respeitador da pessoa, ao estilo de Jesus; sem impor, mas convidando; sem ameaçar, mas oferecendo a salvação; sem escravizar nem absorver a autonomia própria do homem e das realidades mundanas, mas com abertura à transcendência de Deus em todos os setores da vida: família e sociedade, educação e cultura, trabalho, economia e política.” (Caballero, 2001.)
Para Jesus já somos maiores de idade, adultos na fé, suficientemente livres e responsáveis para fazer esta tarefa que Ele nos confia. Cada um de nós acolheu a fé em seu coração livremente, e nos esforçamos cada dia por vivê-la coerentemente. Esta festa da Ascensão nos recorda que Deus aposta em nós, que nos confiou esta missão sabendo que somos capazes disso e de mais, porque Ele nos conhece no mais profundo de nossos corações.
Como vivo eu o encargo que Jesus me fez de anunciar o Evangelho? O que estou fazendo para que minha fé me leve à transformação do mundo? O mundo necessita que lhe transmitamos nossa experiência de Deus. Há experiências na vida que são muito gratificantes, mas são efêmeras. Nada, nem ninguém preenchem tanto o coração humano como o faz o nosso Deus, e essa é uma experiência permanente, eterna. Essa é a experiência que há que se transmitir. Essa é a experiência que necessitam nossos jovens, crianças e adolescentes da catequese, nossos familiares, nossos vizinhos e colegas de trabalho, os que procuram a paróquia nos sacramentos e para algo mais. Os cristãos transmitimos essa experiência de Deus? Descobrimo-la? A estamos vivendo?
“Em segundo lugar, o anúncio e a palavra têm de ser acompanhados, como fez Jesus, pelo testemunho de vida e sinais, ou seja, pelo compromisso dos cristãos na promoção do homem, a partir da dignidade da pessoa e condição de filho de Deus e irmão dos outros.” (Ibid. Caballero, 2001.)
Quais os sinais que os cristãos hoje damos? A sociedade vê a Igreja de Cristo, nos vê a nós, como pessoas totalmente comprometidas com a defesa dos valores que Jesus de Nazaré pregou enquanto viveu entre nós? Se não é assim, não temos sabido cumprir o mandato que deu Jesus a seus discípulos de anunciar Evangelho em toda parte.
Jesus envia seus discípulos, e nos envia a nós, a anunciar o Evangelho através do testemunho sobre sua pessoa, seu amor e sua obra que experimentamos e vivemos. Os cristãos não falam de teorias sobre Jesus, nem fazem grandes discursos morais e doutrinais, mas contam sua própria experiência, como Deus lhes tocou o coração. Como Deus nos tem tocado o coração? Isso é o que temos que compartilhar, esse é o Evangelho que temos que anunciar. Não nos podemos ficar só em uma contemplação passiva. Temos sido testemunhas da ressurreição e agora temos que dar testemunho dele. Mas para que a tarefa seja mais fácil, o Senhor nos envia o seu Espírito, que nos fortalece para sermos suas testemunhas.
Ele está conosco, nos acompanha, nos anima. Nossa tarefa é por luz, amor, vida... ser sinais da presença de Deus na vida de cada dia, sobretudo para essa gente que pensa que Deus vive no céu, despreocupado de nossos problemas. Esse não é nosso Deus. E os cristãos temos de anunciar e mostrar o verdadeiro Deus encarnado, o Deus de Jesus.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe. Lecionário Comentado, Quaresma – Páscoa. Lisboa (Portugal), Paulus, 2009.
Caballero, B. A Palavra de Deus de cada Domingo, Ano B. Apelação (Portugal) Paulus, 2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário