Padre José Assis Pereira Soares
Pároco da Paróquia de Fátima
Campina Grande - PB

Nos primeiros séculos do cristianismo, Pentecostes
não era apenas um dia, mas os cinquenta dias do Tempo Pascal, que tinha no
último dia o seu encerramento. Havia, portanto, grande unidade entre Páscoa e
Pentecostes. A partir do século IV rompeu-se essa unidade e Pentecostes passou
a ser uma Festa distinta da Páscoa. A renovação do Concílio Vaticano II
(1962-1965) resgatou a unidade perdida propondo que Pentecostes seja o
encerramento da Festa Pascal.
A Igreja considera o dia de Pentecostes
como o dia de sua fundação, do seu nascimento. “A Igreja de Deus, desde sempre sonhada e gestada pelo Pai,
nasceu do coração aberto do Cristo banhada de fogo pelo Espírito: Igreja vinda
da Trindade. Feita a imagem de Jesus, também ela é teândrica (humano-divina),
com suas estruturas visíveis e suas energias e forças interiores, comandadas
pelo Espírito. Noutras palavras, tem sua organização e seus ritos, tem seus
dons e carismas preciosos. A nossa doutrina mais tradicional reteve, todo o
tempo, essa composição dual, absolutamente necessária. Não somos apenas uma
sociedade religiosa; não somos apenas uma comunidade invisível de eleitos.
Somos as duas coisas de uma só vez. Nossa Igreja é um corpo social (corpo de
Cristo), animado pelo Espírito Santo (‘alma’ da Igreja, conforme dito
corrente). São duas faces inseparáveis da mesma realidade. Se a Igreja não é
tão só um organismo religioso, também não se reduz a uma revoada de místicos.” (Fernandes,
2011.)
Para
o Papa Bento XVI: “O Espírito Santo é a alma da Igreja. Sem Ele, ao que se
reduziria ela? Sem dúvida, seria um grande movimento histórico, uma instituição
social, complexa e sólida, talvez uma espécie de agência humanitária. E na verdade
é assim que a julgam quantos a consideram fora de uma perspectiva de fé. Na
realidade, porém, na sua verdadeira natureza e também na sua mais autêntica
presença histórica, a Igreja é incessantemente plasmada e orientada pelo
Espírito do seu Senhor. É um corpo vivo, cuja vitalidade é precisamente o fruto
do invisível Espírito divino.” (Bento XVI, Regina Caeli, 31.05. 2009)
De fato, “cheios do Espírito Santo” (cf.
At 2,4),
os discípulos, a maioria
pescadores do mar da Galiléia, se tornaram Apóstolos, isto é, enviados, levando
a doutrina de Jesus ao mundo inteiro. O Espírito vai mudar profundamente os
Apóstolos e vai por em marcha a Igreja nascente. E esse, a meu ver, vai ser o
grande milagre da redenção. Uns tantos homens e mulheres que haviam assistido à
execução de Jesus assistem agora, cheios de dúvidas ao prodígio da
Ressurreição. O Espírito vai mudá-los, profunda e radicalmente. E assim, de
maneira maravilhosa, vai começar a Igreja sua caminhada.
Porque
amavam Jesus, porque o Espírito Santo encheu suas almas de fogo, de sabedoria e
de fortaleza para falarem de Cristo, anunciando o evangelho a toda gente,
perderam eles o medo às perseguições e aos sofrimentos por Cristo. Ser
discípulo ou discípula de Cristo, nos três primeiros séculos, equivalia a ter a
vida em risco. Muitos morreram mártires sofrendo por Jesus. E o cristianismo
foi alastrando-se por todo o Império Romano. Também hoje continua a haver
mártires. Também hoje os cristãos têm de ser valentes. O Espírito Santo, como
uma alma que entra no corpo para lhe dar vida, penetrou na Igreja nascente e a
transformou no Corpo Místico de Cristo.
“Recebei o Espírito
Santo” (cf. Jo 20,22) Foi a primeira
experiência que a Igreja nascente constatou. O Espírito estava presente e
operante. Se lermos atentamente o Livro dos Atos dos Apóstolos, nos daremos
conta de que o verdadeiro protagonista, ao longo da narrativa, é o Espírito.
Ação do Espírito entendida de diversas maneiras e em suas múltiplas
manifestações. “Fica
evidente, o Espírito não é nenhum gênio distante e inacessível, é realidade
concreta, viva, próxima, comunicante, comandando a aventura do Povo de Deus,
através daqueles que constituiu como guardas e pastores. Falta-nos, em nossos
dias, essa consciência tão viva na primeira geração, de que o Senhor nos conduz
pelo seu Espírito, presente e atuante em nós.” (Ibid. Fernandes.)
São Lucas conta-nos o
acontecimento de Pentecostes, (cf. At 2,1-11) ele
quis recolher o que sentiram os primeiros cristãos quando perderam o medo e se
atreveram a sair de Jerusalém para anunciar o Reino de Deus e a transformação
realizada pelo Espírito nos Apóstolos e em toda a Igreja nascente. “O autor dos
Atos propunha-se descrever o acontecimento mais importante depois da partida de
Jesus; a vinda do Espírito Santo. Encontra-se, pois, perante uma tarefa tão
arriscada que parece inevitavelmente destinada ao fracasso. Como pode
descrever-se a vinda do Espírito Santo? Todos os autores do Novo Testamento
contam com a realidade da sua presença e partem sempre dela, mas nenhum se
atreveu a descrevê-la... A primeira comunidade cristã não teve o menor
interesse sobre o quando e o como da vinda do Espírito. Bastava-lhe saber que,
depois da ressurreição de Jesus, o Espírito vivia e animava cada um dos crentes
em particular... Lucas tenta uma descrição gráfica e intuitiva da vinda do
Espírito, que levaria os discípulos à verdade plena. Ao carecer de dados para
uma tal descrição, recorre à tradição. E nela contou que Jesus, num dos
encontros com os seus discípulos depois de ressuscitado, tinha ‘soprado’ sobre
eles para lhes comunicar o Espírito Santo. Não era muito, mas era melhor que
nada. Com uma referência à primeira criação, procura-se descrever a segunda, a obra
da redenção: assim como Deus inspirou o alento do sopro vital na primeira
criação, assim o sopro do Espírito cria o homem novo. E baseando-se nesta
tradição, Lucas arriscou-se.” (Bíblia Litúrgica)
Todo o capítulo primeiro dos Atos dos Apóstolos é
uma preparação interna da comunidade para revelar como foi importante estas
experiências do Espírito para mudar suas vidas, para aprofundar sua fé para
tomar consciência do que havia passado na Páscoa, não somente com Jesus, mas
com eles mesmos e para reconstruir o grupo dos Doze, ao que se uniram todos os
seguidores de Jesus.
O relato dos Atos dos Apóstolos (cf. At
2,1-11) é um relato próprio de Lucas, é um conjunto que abarca muitas experiências não
somente de um dia. “Quando chegou o dia de Pentecostes”, (At 2,1) Pentecostes
foi escolhido por Lucas para concretizar uma experiência extraordinária, de
ruptura decidida, porque era uma festa judia que recordava o dom da Lei do
Sinai, senha de identidade do povo de Israel e do judaísmo. Lucas pretende
mostrar que a identidade da comunidade de Jesus ressuscitado está na força e na
liberdade do Espírito. O evangelista sabe o que quer dizer e nós também, porque
o Espírito é próprio dos profetas, dos que não estão numa igreja estática e
numa religião sem vida. Por isso é o Espírito quem marca o itinerário da
comunidade apostólica e quem a configura como comunidade profética e livre. O Espírito Santo mantém a atividade da
Igreja e nosso próprio esforço de santificação ou de evangelização.
Ele nos quer dar a entender que não se
pode ser espectadores neutros à experiência do Espírito. Porque esta é de uma
beleza e plasticidade singulares, o vento, as línguas como de fogo, a
capacidade para fazer-se entender em diversas línguas. Para expressar esta
realidade transformadora e renovadora das relações das pessoas com Deus, a
tradição cristã tinha à disposição a linguagem dos símbolos religiosos dos
relatos bíblicos através dos quais Deus intervém na história humana. A
manifestação clássica de Deus na história de fé de Israel é a libertação do
Êxodo, que culmina no Sinai com a constituição do povo de Deus sobre o
fundamento do dom da Aliança.
O Espírito é o único que torna possível a toda
humanidade, não só os israelitas, entrar e passar a tomar parte do novo povo. O
que Lucas quer sublinhar é a universalidade que caracteriza o tempo do Espírito
e a habilitação profética do novo povo de Deus. Assim se explica a
intencionalidade do redator, de transformar o relato primitivo de um milagre da
“glossolalia”, em um milagre de profecia, enquanto todos os ouvintes, de toda a
humanidade representada em Jerusalém, entendem falar das maravilhas de Deus em
sua própria língua. Todas as pessoas entendam o projeto salvífico de Deus em
sua própria língua e em sua própria cultura. O dom do Espírito, em Pentecostes,
é um fenômeno profético pelo qual todos escutam como se interpreta ao alcance
de todos a "ação salvífica de Deus"; não é um fenômeno de idiomas,
mas sim o que acontece no coração da pessoas.
Dessa maneira se quer significar que de agora em
diante Deus conduzirá a seu povo, um povo novo, a Igreja, por meio do Espírito
e não pela lei. A partir dessa perspectiva se se quer dar uma nova identidade
profética a esse povo, que deixará de ser nacionalista, fechado, exclusivista.
A Igreja deve estar aberta a todos as pessoas, a todas as raças e culturas,
porque nada pode estar excluído da salvação de Deus.
O Evangelho de São João (cf.
Jo 20, 19-23)
completa o relato de Pentecostes. Será Cristo ressuscitado quem abre aos
Apóstolos o caminho do Espírito: “À tarde desse mesmo dia, o primeiro da
semana, estando fechadas as portas onde se achavam os discípulos, por medo dos
judeus.” (Jo 20,19) As portas fechadas, nos chamam a atenção, a
expressão denota que os discípulos se encontravam paralisados de medo. “Faltava-lhes a presença de Jesus e o
dom do Espírito que Ele lhes infundiu com a sua visita. Este é o dado real: na
medida em que falta o espírito, aumenta o medo, a apatia, a dúvida, o silêncio,
a ineficácia. O medo e o abatimento rondam hoje, também
a Igreja e perseguem os cristãos, como os apóstolos, no princípio. Temos medo e
não somos testemunhas porque não acreditamos na ressurreição de Jesus como
esperança da humanidade, como verdade que vence a injustiça, como paz e
liberdade que fundamentam a dignidade e os direitos das pessoas, como vida que
supera a morte e a opressão, como amor e fraternidade que derrotam o ódio e a
violência, como única libertação capaz de criar homens novos, transformando as
pessoas e as estruturas sociais. Os efeitos da ausência de espírito são
devastadores. Na medida em que se ausenta o Espírito, diminuem a fé e a
esperança e cresce o medo na Igreja. E na mesma proporção em que há medo na
comunidade eclesial, paralisa a missão, cresce o autoritarismo, falta dinamismo
criador: numa palavra, fecham-se as portas e as janelas para o mundo.” (Caballero, 2001.)
"Assim como o Pai me
enviou, também eu vos envio a vós" (Jo 20,21) Nasce a verdadeira comunidade que fortificada pela presença
de Jesus, está pronta para a mesma missão que Ele recebeu. "Dito isto,
soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). Quem garantirá a missão da comunidade
será o Espírito Santo. Essa força para o amor e para o testemunho do que Jesus
é, fez e ensinou, ele continua derramando sobre os cristãos.
Com esta festa encerramos o tempo da Páscoa, mas os
cristãos somos chamados a viver sempre em Páscoa, em chave de ressurreição, e
pedindo o Espírito Santo todos os dias, não só neste tempo. Sem o Espírito
Santo é possível que façamos muitas coisas, mas não seremos a Igreja de Jesus,
nem daremos testemunho dele. Faremos outras coisas, mas não atuaremos como
apóstolos.
Bibliografia
Textos e referências bíblicas: Bíblia de
Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Fernandes,
Dom Luiz Gonzaga. A palavra é filha do silêncio. Campina Grande, Maxgraf, 2011.
Vários
Autores. Comentários á Bíblia Litúrgica. Palheira, Gráfica de Coimbra 2
Caballero, B. A palavra de cada
Domingo. Paulus Portugal, 2001.
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