sábado, março 17, 2012

Converter-se ao Amor

PADRE JOSÉ ASSIS PEREIRA SOARES
PARÓQUIA DE FÁTIMA
CAMPINA GRANDE PB

Neste quarto Domingo da Quaresma, a caminho da Semana Santa, quando iremos proclamar em alta voz: “Ele me amou e se entregou por mim.” (Gl 2,20) Que este grito nos traga a grande novidade de nos sabermos queridos por Deus, ainda que pecadores.
Hoje, confrontando-nos com o amor do Senhor por nós, devemos fazer um teste do nosso amor a Deus. “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força!” (Mc 12,30) Será que não estamos impondo muitas razões para amar o Senhor? Ele é o único Deus da nossa vida, que devemos amar com todas as nossas forças, sem medida, nem condições?  Seu amor toma todo nosso ser? “Amar com todo coração” é convite a amar como somos, mesmo com aquela parte do nosso coração, que tem dificuldade de converter-se. Também ela não está excluída da possibilidade de amar.
O amor pode ter mil faces, existem níveis ou diferentes formas de amar. “O amor de Deus por nós é questão fundamental para a vida e apresenta questões decisivas sobre quem é Deus e quem somos nós... Em primeiro lugar, recordemos o vasto campo semântico da palavra ‘amor’: fala-se de amor da pátria, amor à profissão, amor entre amigos, amor ao trabalho, amor entre pais e filhos, entre irmãos e familiares, amor ao próximo e amor a Deus. Em toda esta gama de significados, porém, o amor entre o homem e a mulher, no qual concorrem indivisivelmente corpo e alma e se abre ao ser humano uma promessa de felicidade que parece irresistível, sobressai como arquétipo de amor por excelência, de tal modo que, comparados com ele, à primeira vista todos os demais tipos de amor se ofuscam.” (Bento XVI, Deus Caritas Est, 2)
O livro das Crônicas (cf. 2Cr 36, 14-16.19-23) faz uma recapitulação de toda a história da salvação, plano de Amor de Deus. Esta recapitulação tem por fim fazer o povo tomar consciência de que as promessas divinas não foram esquecidas por Deus e as desgraças que se abateram sobre o povo hebreu, como o desterro para a Babilônia era a punição pela infidelidade de reis e do próprio povo. Assim, o autor estimulava as pessoas à conversão. “A história é reescrita e relida pelo cronista em chave teológica, atribuindo a catástrofe do exílio à infidelidade ‘dos príncipes dos sacerdotes e do povo’. (v. 14) A esperança do resgate não está em Judá, mas na Pérsia, não num hebreu, mas em Ciro, um rei pagão (v. 22).
‘Em verdade, em verdade vos digo: não encontrei ninguém com tão grande fé em Israel.’ (cf. Mt 8,10) Esta declaração de Jesus acerca do centurião de Cafarnaum poderia ser aplicada também a Ciro, rei da Pérsia. Apesar de Deus ter enviado ‘desde o princípio e sem cessar os seus mensageiros’ (v. 15) a admoestar o seu povo, ‘todos os príncipes dos sacerdotes e o povo multiplicaram as suas infidelidades’ (v. 14) Mas enquanto Israel ficava surdo à Palavra do Senhor, um pagão, que não conhece o Senhor (cf. Is 45,4), escuta-a. O estrangeiro, considerado excluído do Reino de Deus, é, portanto aquele que se torna instrumento da sua realização. Mais uma vez, ‘a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular.’ (Sl 117,22; cf. Mt 21,42) Quando os pastores do povo não são dignos dos seus encargos (cf. Ez 34, 1-10), o Senhor suscita um salvador precisamente entre os pagãos desprezados. ‘Eu digo a Ciro: Tu és o meu pastor, e realizarás tudo o que Eu quero.’ (Is 44,28)” (Casarin, 2009.)
Essa recapitulação nos provoca hoje a também nós fazermos uma revisão da nossa vida e das nossas infidelidades, à luz do grande e fiel amor do nosso Deus.  O Apóstolo Paulo (cf. Ef 2,4-10), compreendeu que o amor de Deus não o merecemos por nós mesmos, devido aos nossos esforços, mas deve ser acolhido como dom gratuito da misericórdia divina: “É pela graça que fostes salvos... A salvação não vem de vós é dom de Deus.”  
O autor do quarto evangelho nos relata um diálogo de Jesus com Nicodemos (cf. Jo 3,14-21). As palavras de Jesus foram tão profundamente meditadas que não se pode distinguir onde acabam as palavras de Jesus e onde começa a reflexão do evangelista.
No silêncio da noite, oculto na escuridão das altas horas, Nicodemos, que fazia parte do Sinédrio, conversa com Jesus, o jovem Rabino de Nazaré cuja fama havia se espalhado rapidamente. Este homem descendo de sua alta posição social faz perguntas e escuta as palavras daquele aldeão, filho de José o carpinteiro. Este é o primeiro ensinamento que teríamos que aprender desta passagem evangélica Descer do pedestal em que às vezes nos encontramos, para escutar com simplicidade e humildade a palavra que nos vem de Deus através, talvez, de pessoas simples, de menor nível intelectual ou social que nós.
Diante dos olhos de Nicodemos se abre um panorama totalmente novo e grandioso, uma doutrina nova. Jesus lhe fala de uma forma simbólica o que iria acontecer no Calvário: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que crer tenha nele vida eterna”. (Jo 3,14) O mesmo se dá com Jesus. A cruz plantada no coração da história se levanta como estandarte de salvação, que manifesta aos quatro cantos do mundo a maior prova do amor de Deus. A crucifixão de Jesus foi, sem dúvida, o gesto definitivo do amor de Deus. Ele continua de braços abertos, traçando entre o céu e a terra o sinal permanente da sua aliança.” (cf. Oração Eucarística sobre a reconciliação)
Ao voltar o olhar para a cruz, o ser humano é salvo, pela transformação do amor de Deus. Deus sem dúvida não abandona a humanidade mesmo quando ela se afasta dele, Ele a segue, pronto para acudi-la em suas necessidades. Mesmo se o homem ou a mulher preferem olhar para baixo, para a terra e ficar no deserto de seu individualismo autossuficiente, Deus de todos os modos oferece seu olhar de maneira que o possamos reconhecê-lo no seu amor, porque Deus ama a todos indistintamente.
Esse Amor de Deus percorreu um longo caminho na história da humanidade antes de chegar a se expressar de forma definitiva e última em Jesus Cristo: “Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna.” (Jo 3,16) Toda a história da salvação, como se apresenta na Bíblia, não é senão a história do caminho e dos meios pelos quais o Senhor se revela a humanidade na sua infinita misericórdia, é uma história impressionante de amor. Até enviar o que Ele mais ama para que venha a nossa procura, ao nosso encontro para que traga do país estrangeiro o filho pródigo, para que salve de entre os espinhos a ovelha perdida, mesmo sabendo que esse Filho único vai perder sua vida nesta busca, mas que nos vai encontrar a cada de um de nós.
Jesus propõe a Nicodemos e a todos nós “nascer do alto”, o alto trata-se de olharmos para o próprio Jesus elevado na cruz. Nascer do alto significa ser como Jesus nas palavras e nas ações. Mas, que pena, o próprio Jesus constata que “os homens preferiram as trevas à luz, porque suas obras eram más” (Jo 3,19).
Desde a criação é Deus que por amor cria o homem e a mulher, dá a vida, escolhe um povo para fazer-se presente no meio da humanidade, e na plenitude do tempo, por amor se “faz carne” em Jesus Cristo para restituir-nos a Vida e salvar-nos... Porém, parece que a humanidade entende tudo ao contrário e só é capaz de pronunciar egoísmo, ódio ou a indiferença ao que não seja o próprio eu. A humanidade por orgulho recusa o amor buscando ‘autocriar-se’, ‘autossalvar-se’ com a sua ciência, a sua técnica...
De Deus se pode dizer: “Tanto amou o mundo…” e de Jesus, seu Filho, se pode dizer que “Tendo amado os seus que estavam no mundo amou-os até o fim!” (Jo 13,1) O que devemos avaliar é se isso mesmo se pode dizer de nós. De Deus e de Jesus estamos seguros de que passaram no teste do amor.
As pessoas a quem queremos bem as amamos com o coração. Não necessitamos razões para amar ou querer. “O amor tem razões que a própria razão desconhece.” (Blaise Pascal) A mãe não ama o filho por razões, nem os noivos se querem por razões, nem o marido à mulher se querem por razões. E se quisessem fazer uma lista de razões lógicas desse amor, ao final, a última razão desse amor ficaria num mistério. E quando para manter um amor é necessário andar buscando razões, esse amor está condenado a morrer. O amor é ilógico, supera todo raciocínio, abarca toda a pessoa e embarca na aventura de amar a toda essa pessoa.
Há amor mais cego, mais fechado a razões lógicas que este Amor de Deus? Como dizia São Paulo isso supera todo saber e todo entendimento humanos. Que o Senhor nos amou a nós mais que a si mesmo. “Ninguém tem maior amor que o que dá a vida por seus amigos.” (Jo 15,13)
O amor para Deus é dar-se, entregar-se, buscar o bem da pessoa amada. Este amor não é mais frequente entre nós. É mais frequente fechar-se na própria concha sendo um mesmo o sujeito e o objeto de seu amor. É mais frequente ‘aproveitar-se do outro (esposo ou esposa, pai ou filho, amigo ou amiga...) para satisfação do próprio eu, dos próprios interesses, gostos, paixões. É mais frequente buscar nosso bem, que querer o bem dos outros; querer-nos ‘bem’ a nós mesmo em lugar de fazer o bem ao próximo. É mais fácil não se dar, não fazer nada pelos outros, não ajudar a quem sofre necessidade, não buscar formas concretas de amar a Deus, ao outro, a nossos irmãos na fé, às pessoas independentemente de sua religião, raça ou condição social. Contudo, na maioria dos casos o que é mais frequente e fácil não é o melhor nem sequer para nós mesmos. Temos de converter-nos ao Amor: esse amor que atua em nós porque Deus no-lo dá e nós o acolhemos com alegria. Temos de converter-nos ao Amor, que nos tira de nossa própria concha e nos põe indefesos ante os outros para que vivamos pela força do Amor a nossa experiência de fé.


Bibliografia:

Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe. Leccionário Comentado, Quaresma – Páscoa. Lisboa, Paulus, 2009.

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