sábado, março 10, 2012

Nós anunciamos Cristo Crucificado - Pe. Assis

PADRE JOSÉ ASSIS PEREIRA SOARES
PARÓQUIA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
CAMPINA GRANDE - PARAÍBA
O caminho quaresmal, tempo forte de amor e conversão, chega ao meio do seu percurso. O terceiro Domingo da Quaresma é um momento privilegiado para avaliar nossas atitudes até agora, no que diz respeito ao caminho transformador que toda Quaresma deve ser para nós. É muito importante não deixar passar esta Quaresma sem resultado algum de conversão ou com frutos muito escassos. Os passos ou meios que se nos ensinam já são conhecidos: a oração, a escuta da Palavra de Deus, a penitência e a caridade, mas, em que medida estão sendo respeitados ou cumpridos no nosso dia a dia?
A rica Liturgia da Palavra dos domingos da Quaresma está centrada na perspectiva de revelar a imagem de Deus. Hoje (cf. Ex 20,1-17) Ele se revela como o fez ao povo de Israel como um Deus Libertador e o “Decálogo” era o sinal do pacto entre Ele e Israel. Portanto, “são as palavras da aliança que Israel há de observar para ser povo ‘consagrado’ e ‘propriedade escolhida’ (Ex 19,5). O Decálogo é um sumário de dez preceitos absolutos, seguramente o mais antigo dos códigos bíblicos: a sua origem remonta, sem dúvida alguma, à época mosaica... O Decálogo não se chama lei, mas ‘palavras’; são revelação de Deus e comunicação sua com aqueles que já o conhecem.
O Decálogo contém duas ordens de preceitos: os que definem a atitude justa diante de Deus e os que regulam o comportamento com o próximo. As duas ordens formam um todo indivisível... Na primeira ordem é exigido que se reconheça como Deus o único que se revelou como salvador. Isto exclui a divinização de falsos absolutos e representações criadas do Deus transcendente; proíbe usar o seu nome em vão; manda recordá-lo na festa como criador e salvador. Na segunda ordem é exigida honra e respeito à pessoa, começando pelas que estão mais próximas por razões de sangue, a família, até incluir a grande família humana. Proíbe-se toda a forma de dano à pessoa e seus bens, mesmo só com a intenção. Traduzidos noutra linguagem pelo próprio povo bíblico, exigem amor a Deus e ao próximo (Dt 6,5; Lv 19,34).” (Bíblia Litúrgica) O próprio Jesus aproveita esta junção dos mandamentos feita pelo judaísmo e dá um sentido novo a este amor ao próximo, agora universal: “Amarás a Deus sobre todas as coisas e ao próximo com a ti mesmo.” (cf. Mc 12, 28ss)
“O próprio Deus resume numa frase o seu modo de proceder para com Israel dizendo: “Com amor eterno eu te amei!” (Jr 31,3) Deus não nos fala mais de longe, por meio de intermediários; fala-nos de perto e pessoalmente. O amor de Deus fez-se carne e veio habitar em nosso meio! Por fim, a prova suprema deste amor; ‘Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim’(Jo 13,1), isto é, até o limite extremo do amor. Para nos dar a prova do seu grande amor, Deus inventa o próprio aniquilamento, realiza-o de tal modo que se torna capaz de sofrimentos horrorosos.” (Cantalamessa, 1997.)
É de amor e sofrimento que a cruz nos fala. A cruz era o objeto mais apavorante aos olhos de um cidadão romano, e para um piedoso judeu sinal de escândalo e maldição divina. O Apóstolo Paulo enviado a evangelizar compreende a evangelização como o anúncio da palavra “cruz”, a “linguagem da cruz.” (cf. 1Cor 1,22-25). Ele, bom conhecedor de Cristo, de sua vida, morte e ressurreição por revelação especial, diz: “Nós anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus.” (1Cor 1,23-24)
Ante a figura de Cristo Crucificado, a sabedoria humana cai de joelhos em atitude de reconhecimento de algo misterioso e superior para o qual não existe nenhuma justificação racional ou científica, ou se rebela e cai debaixo do peso insuportável de algo que ultrapassa a razão humana. Os cristãos temos de ser muito conscientes de que na cruz está nossa verdadeira sabedoria, e que temos de anunciar a todos o Evangelho da cruz, o evangelho do sofrimento.
Somente Cristo pode levar a cabo esta transformação tão impossível: tornar a cruz, sinal de desonra em sinal de poder e sabedoria.
“Mas como fazer compreender o mistério da cruz a uma sociedade como a nossa, que à cruz contrapõe em todos os níveis o prazer; que julga ter finalmente resgatado o prazer, subtraindo-o à suspeita injusta e à condenação que pesam sobre ele; que entoa hinos ao prazer como outrora se entoavam à cruz. Uma cultura do prazer, em grego ‘edonè’, recebeu acertadamente o nome de ‘hedonistica’ e dela, infelizmente, todos fazemos parte, quem mais, quem menos, pelo menos de fato, embora a condenemos por palavras?
Nisto se enraízam muitos embaraços, muitas incompreensões entre a Igreja e a pretensa cultura moderna. Nós podemos ao menos tentar detectar onde está o verdadeiro núcleo do problema e descobrir que talvez haja um ponto para um diálogo sereno. O ponto comum é a constatação de que nesta vida prazer e dor se alternam mutuamente... Prazer e dor estão contidos um no outro inextricavelmente.
O homem tenta separar desesperadamente um do outro esses dois irmãos siameses, isolar o prazer da dor. Por vezes tem a ilusão de tê-lo conseguido, e, na embriaguez do seu gozo, tudo esquece e celebra a própria vitória. Mas fugazmente. A dor está, qual bebida inebriante que, oxidando-se, transforma-se em veneno. Não uma dor diferente, independente, ou dependente de outros fatores, mas precisamente a dor derivado do prazer. É o prazer desordenado que se transforma em sofrimento.” (Ibid. Cantalamessa)
Mas, temos que voltar a insistir que anunciar Cristo Crucificado não quer dizer exaltar ou fazer apologia da dor e do sofrimento e sim exaltarmos o grande amor de Cristo a toda humanidade, dando-lhe graças porque nos tem ensinado o caminho que leva a viver com sentido e esperança a vida.
O Papa Bento XVI ao anunciar sua visita à África em 2009, atualiza esta palavra do Apóstolo Paulo aos dias atuais: “Parto para a África com a consciência de que, a quantos encontrarei, não tenho mais nada a propor e a oferecer, a não ser Cristo e a Boa Nova da sua Cruz, mistério de amor supremo, de amor divino que vence a resistência humana e torna possível o perdão e o amor pelos inimigos. Esta é a graça do Evangelho, capaz de transformar o mundo.” (Bento XVI, Angelus, 15 de Março de 2009)
Ao aproximar-nos da festa páscoa a Igreja repete hoje (cf. Jo 2, 13-25) o gesto de Jesus expulsando do templo os vendedores e cambistas, revelando-se como “Messias” e anunciando que chegaram os novos tempos, os tempos messiânicos.
Jesus sobe a Jerusalém, ao chegar à esplanada do Templo, a preparação da festa da páscoa se encontrava em plena efervescência. Os cambistas atendiam aos peregrinos que chegavam com moedas estrangeiras e deviam trocar pela moeda nacional, os vendedores de animais para o sacrifício faziam seus negócios na algazarra própria de um mercado. O Senhor se encheu de indignação e ira diante daquele quadro deplorável, indigno da casa de Deus. Fazendo um chicote com cordas avançou contra aquela gente. Este gesto nos surpreendente, dada a atitude serena que ordinariamente vemos em Jesus. O que Jesus quis ensinar a seus discípulos com este gesto?
“Não façais da casa de meu Pai casa de comércio”. (Jo 2,16) Sem dúvida, quis mostrar-nos com o furor de sua ira que entendamos que nunca devemos fazer da religião um meio de vida, um negócio; não podemos mesclar os valores da fé com outros valores.
“Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei”. (Jo 2,19) Só depois da morte e ressurreição do Senhor, os discípulos compreenderam estas palavras que escandalizaram os judeus. Jesus fala da inauguração de um novo templo e do início de um novo culto, o templo que Jesus falava era o seu corpo. (cf. Jo 2,21)
O “novo templo” é uma realidade completamente diferente: a sua construção já começou, ressuscitando dos mortos o próprio Pai colocou a pedra fundamental deste novo santuário. Em seguida, sobre essa pedra, Ele colocou outras pedras vivas, que são os discípulos e discípulas de Cristo. Como disse Pedro: "Vós, como pedras vivas, constituí-vos em um edifício espiritual." (1Pd 2,5)
Todos juntos formamos o corpo de Cristo, o novo templo onde Deus habita. Jesus é o verdadeiro lugar de adoração de Deus, é o único e verdadeiro templo vivo. Pelo batismo também nós somos templos vivos de Deus. Bem cedo os cristãos compreenderam que eles, por ser prolongamento do corpo de Cristo glorioso eram a casa de Deus, o templo espiritual, cuja cabeça e fundamento é Jesus. São Paulo, em várias cartas, recorda esse fato novo, procura explicá-lo e pede que não profanemos o corpo, porque é morada de Deus. Como faz bem ao mundo de hoje, nesta mudança de época esta afirmação!
O que diz Jesus do templo de seu corpo, o podemos dizer de todos nós. Na verdade os dois templos se misturam. No mundo contemporâneo, embora se fale tanto de filosofia do corpo, comunicação corporal, teologia do corpo, trata o corpo como coisa, usa-o e o destrói com muita facilidade. O corpo vem sofrendo uma violenta dessacralização. A laicização atingiu também os corpos que perderam sua sacralidade; exaltados com ideais “hedonistas”; condenados como fonte de corrupção e pecado pelas visões religiosas dualistas; explorados como fonte de riqueza pela propaganda de cosméticos, rejuvenescedores, modeladores estéticos, sexo, saúde, academias de ginástica etc.; ou tragicamente esquecidos como uma espécie de resíduo no interior dos laboratórios de manipulação de embriões.
O corpo, o texto bíblico e a sabedoria judaico-cristã o veem como um templo, imagem e semelhança de Deus, sacramento do seu amor. Feito à imagem e semelhança de Deus, é desde o princípio da criação um território do sagrado. Não se trata apenas de um monte de órgãos, vísceras e funções. A pessoa é única, e irrepetível, ícone divino. O corpo humano possui uma estrutura e uma unidade que vão além da própria matéria. É um santuário onde a sabedoria divina se torna visível.
A Igreja hoje nos convida a nos voltarmos para Cristo, o templo do Pai, abandonarmos os templos provisórios e degenerados e purificarmos o templo do próprio coração para que dele suba a Deus o culto mais puro.

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