
Padre José Assis Pereira
* Padre José Assis Pereira Soares é párcoco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.
Em cada domingo Cristo vivo e ressuscitado, vem ao encontro dos seus discípulos e de todos os homens e mulheres, atribulados no corpo ou no espírito e toca suas fragilidades como a mão da sua misericórida, de cura e salvação.
Nesses domingos do tempo comum, São Marcos ofereceu à nossa reflexão uma sequência de várias curas. Hoje nos apresenta o evangelista a cura singular de um leproso. A Palavra de Deus leva-nos ao fenômeno da lepra que é semelhante à morte. A pessoa infectada com tal doença sofria em todas as dimensões no corpo e no espírito. Era motivo de exclusão, isolamento. Era sinônimo de impureza legal e sinal da maldição de Deus.
“Um leproso foi até Jesus, implorando-lhe de joelhos: Se queres, tens o poder de purificar-me” (Lc 1,41). O relato da cura do leproso (Mc 1,40-45) é o último episódio, ao final da famosa jornada de Cafarnaum, que nos ocupou os últimos domingos. A cura segue um processo libertador, no qual se revelam as atitudes das pessoas e os pensamentos de Deus. Deixa bem claro que o ministério de cura de Jesus é parte essencial de sua luta para a libertação concreta dos excluídos e marginalizados da sociedade palestinense do seu tempo.
A doença afeta as pessoas individualmente e a enfermidade na perspectiva sociocultural, afeta outras pessoas: a família, a vizinhança, a comunidade. Jesus ao curar a enfermidade recupera para o convívio social e religioso alguém que tinha sido afastado por ser considerado “impuro”.
Os leprosos são como "mortos vivos", privados de toda vida familiar, do trabalho e da religião. Um leproso estava excluído da assembleia do povo da Aliança e devia apresentar-se ao sacerdote, no templo, em Jerusalém, o centro do judaísmo que atestasse a sua exclusão. Tudo começou sendo uma “lei de santidade”, como tudo em Israel se sacralizava, se chegou a dogmatizar de tal maneira, que quem estava afetado pela terrível enfermidade era um maldito.
A lepra é uma enfermidade de pobres e marginalizados. Ninguém se aproximava deles: sua solidão, sua angústia, suas possibilidades quem podia compartilhá-las? Chegou o momento de romper este círculo infernal.
Ao aproximar-se de Jesus, o leproso reconheceu o poder dele e transgrediu a única lei que existia para um leproso: a de afastar-se da convivência com as pessoas e gritar aos que por ventura se aproximassem dele: “Impuro! Impuro!” (cf. Lv 13, 1-2.44-46).
A enfermidade descrita no Antigo Testamento como lepra, não é simplesmente uma doença dentro de perspectiva biomédica, sempre foi uma enfermidade dramática, com sofrimentos físicos e consequências sociais. Dentro desta perspectiva sociocultural, que a Bíblia relata essa condição chamada lepra ameaçando a integridade e a santidade comunitárias e deve ser removida da comunidade.
O Levítico ilustra a sorte do leproso dizendo que ele deveria passar a morar no campo, podendo relacionar-se somente com outros leprosos: “O homem que está leproso é impuro. O sacerdote deverá declará-lo impuro... O leproso terá suas vestes rasgadas e seus cabelos desgrenhados; cobrirá o bigode e clamará ‘Impuro! Impuro!’ enquanto durar sua enfermidade, ficará impuro e, estando impuro, morará à parte: sua habitação estará fora do acampamento” (Lv 13, 44-46).
É uma das mais temidas doenças entre os judeus, eles julgavam-na um castigo divino (cf. II Cr 26, 19-20). Essa, portanto, era a condição do leproso/impuro, numa sociedade que não conhecia cura para essa doença e tinha medo do contágio. Viviam marginalizados dos demais da sociedade.
O leproso/impuro do Evangelho contrariando as disposições legais não implora para ser curado, mas sim para ser “purificado”, isto é, para ser reconduzido ao convívio social. Mais do que a doença em si, o que mais o angustia é o fato de sentir-se excluído da sociedade e da comunidade religiosa.
Jesus se aproxima dele, o toca, o que implicaria que desde este instante Ele também ficava sujeito à lei sagrada da contaminação; mas cura-o e, com ousadia o envia ao sacerdote para que seja dado um atestado contra os representantes do poder sagrado, contra tudo o que possa sacralizar as leis sem coração.
Ninguém podia tocar num leproso, na mentalidade judaica daquele tempo era tornar-se como ele, igualmente impuro. Jesus se permite ser tocado e tocar, isso não se trata de um simples gesto de ternura para uma pessoa necessitada de conforto, mas a inversão total do conceito sobre Deus que dominava a mente do seu povo. O Deus que se manifesta em Jesus não é o dos fariseus: distante, irado, rígido contra os que erraram distante daqueles que são considerados impuros.
Deus se identificou ao ser humano, ao nascer na carne humana e entrar na nossa história. É um Deus que não sente repugnância dos “leprosos”, pelo contrário, cumula-os de gestos de carinho, porque, em cada ser humano mesmo naquele que mais a fundo se precipitou nos abismos do pecado, Ele sabe descobrir a beleza de um filho ou filha.
A reação de Jesus diante do leproso/impuro prostrado aos seus pés, não foi de estranheza, menos ainda de desprezo ou de horror, mas sim de compaixão. “Jesus cheio de compaixão estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: ‘Eu quero, sê purificado’” (Mc 1,41). Diante do leproso Jesus encontrava-se diante de uma criatura aviltada em sua miséria: sem ninguém por ele, sem nenhuma lei que o favorecesse, nem mesmo a esperança ou o consolo de pensar na bondade de Deus. Outro detalhe que nos chama a atenção é a vontade, o “querer” de Jesus: “Eu quero, sê purificado” ou curado”. Na realidade, a vida e a prática de Jesus sempre nos revelam isso: o que Ele quer, o seu divino desejo é a salvação, é a libertação integral das pessoas.
Jesus percebe a enfermidade e não a doença. Observemos em cada cura nos evangelhos o quase total desinteresse pelos sintomas. Ao contrário, porém, há um interesse constante pelo sentido. O Jesus de São Marcos procura sempre restabelecer o bem-estar social negado ao doente/impuro daí o seu ato de curar o doente ser acompanhado da reinserção social e do relacionamento pessoal que ele mantém com os curados.
Talvez, estar condenado ao inferno da solidão e da exclusão fosse pior que a própria lepra. Mas havia coisa ainda pior: a mentalidade que unia corpo e alma, que uma doença do corpo necessariamente seria consequência de uma fraqueza moral, de um pecado oculto. O leproso/impuro não era só condenado ao deserto da solidão imposta pela sociedade, mas também era considerado para sempre maldito por Deus. Ou seja, morto para a sociedade e morto para Deus.
Curar um leproso significa arrancá-lo da morte social e da morte religiosa, ou seja, significa ressuscitá-lo dos mortos, obra que só Deus ou o poder divino pode fazer.
Jesus, assim como o leproso/impuro também transgride a lei, trona-se também uma pessoa segregada aos lugares desertos longe do convívio das pessoas. “Jesus já não podia entrar publicamente numa cidade: permanecia fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo” (Mc 1,45).
Essa cura do leproso/impuro nos enche de confiança pois também nós podemos obter a cura de tantos defeitos, de tantos vícios e crises, de nossas misérias sociais e espirituais, por piores que estas possam ser, se com humildade formos ao encontro de Jesus, pedindo-lhe: “Se queres, tens o poder de curar-me”.
Curando os leprosos mostrou-nos Jesus que o amor não marginaliza ninguém, mas regenera a pessoa, restabelecendo sua dignidade.
Somos interpelados por esta Palavra. Ser discípulos implica esta procura de Jesus Cristo. Implica percorrer o mesmo caminho: reconhecer a necessidade de conversão, lutar contra o pecado e aproximar-se com confiança de Jesus Cristo, viver e suplicar com fé, realizar com Jesus o encontro de vida, sentir que Jesus Cristo nos transforma de verdade.
Ser discípulo de Jesus implica dizer não a todos os preconceitos e todas as barreiras que se levantam e não permitem amar as pessoas. Quais são os grandes preconceitos que nos afastam dos irmãos?
Hoje a lepra tem cura e nossa sociedade tem outras leis. É fácil criticar a lei de exclusão social judaica daquele tempo, mas em vez de criticarmos o comportamento do povo de Israel nessa questão, poderíamos nos perguntar: Quem são os “leprosos” de hoje? Será que nós não discriminamos, não formulamos julgamentos a partir da aparência, do modo de falar? Não confundimos condições subumanas de vida com o valor de um ser humano?
Certamente não teremos a coragem de nos aproximar ou de tocar em alguém que represente um perigo físico ou moral se não sentirmos por ele o mesmo amor de Cristo. Para a caridade não há lei: “A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente...” (cf. 1Cor 13,4-5ss)
A doença afeta as pessoas individualmente e a enfermidade na perspectiva sociocultural, afeta outras pessoas: a família, a vizinhança, a comunidade. Jesus ao curar a enfermidade recupera para o convívio social e religioso alguém que tinha sido afastado por ser considerado “impuro”.
Os leprosos são como "mortos vivos", privados de toda vida familiar, do trabalho e da religião. Um leproso estava excluído da assembleia do povo da Aliança e devia apresentar-se ao sacerdote, no templo, em Jerusalém, o centro do judaísmo que atestasse a sua exclusão. Tudo começou sendo uma “lei de santidade”, como tudo em Israel se sacralizava, se chegou a dogmatizar de tal maneira, que quem estava afetado pela terrível enfermidade era um maldito.
A lepra é uma enfermidade de pobres e marginalizados. Ninguém se aproximava deles: sua solidão, sua angústia, suas possibilidades quem podia compartilhá-las? Chegou o momento de romper este círculo infernal.
Ao aproximar-se de Jesus, o leproso reconheceu o poder dele e transgrediu a única lei que existia para um leproso: a de afastar-se da convivência com as pessoas e gritar aos que por ventura se aproximassem dele: “Impuro! Impuro!” (cf. Lv 13, 1-2.44-46).
A enfermidade descrita no Antigo Testamento como lepra, não é simplesmente uma doença dentro de perspectiva biomédica, sempre foi uma enfermidade dramática, com sofrimentos físicos e consequências sociais. Dentro desta perspectiva sociocultural, que a Bíblia relata essa condição chamada lepra ameaçando a integridade e a santidade comunitárias e deve ser removida da comunidade.
O Levítico ilustra a sorte do leproso dizendo que ele deveria passar a morar no campo, podendo relacionar-se somente com outros leprosos: “O homem que está leproso é impuro. O sacerdote deverá declará-lo impuro... O leproso terá suas vestes rasgadas e seus cabelos desgrenhados; cobrirá o bigode e clamará ‘Impuro! Impuro!’ enquanto durar sua enfermidade, ficará impuro e, estando impuro, morará à parte: sua habitação estará fora do acampamento” (Lv 13, 44-46).
É uma das mais temidas doenças entre os judeus, eles julgavam-na um castigo divino (cf. II Cr 26, 19-20). Essa, portanto, era a condição do leproso/impuro, numa sociedade que não conhecia cura para essa doença e tinha medo do contágio. Viviam marginalizados dos demais da sociedade.
O leproso/impuro do Evangelho contrariando as disposições legais não implora para ser curado, mas sim para ser “purificado”, isto é, para ser reconduzido ao convívio social. Mais do que a doença em si, o que mais o angustia é o fato de sentir-se excluído da sociedade e da comunidade religiosa.
Jesus se aproxima dele, o toca, o que implicaria que desde este instante Ele também ficava sujeito à lei sagrada da contaminação; mas cura-o e, com ousadia o envia ao sacerdote para que seja dado um atestado contra os representantes do poder sagrado, contra tudo o que possa sacralizar as leis sem coração.
Ninguém podia tocar num leproso, na mentalidade judaica daquele tempo era tornar-se como ele, igualmente impuro. Jesus se permite ser tocado e tocar, isso não se trata de um simples gesto de ternura para uma pessoa necessitada de conforto, mas a inversão total do conceito sobre Deus que dominava a mente do seu povo. O Deus que se manifesta em Jesus não é o dos fariseus: distante, irado, rígido contra os que erraram distante daqueles que são considerados impuros.
Deus se identificou ao ser humano, ao nascer na carne humana e entrar na nossa história. É um Deus que não sente repugnância dos “leprosos”, pelo contrário, cumula-os de gestos de carinho, porque, em cada ser humano mesmo naquele que mais a fundo se precipitou nos abismos do pecado, Ele sabe descobrir a beleza de um filho ou filha.
A reação de Jesus diante do leproso/impuro prostrado aos seus pés, não foi de estranheza, menos ainda de desprezo ou de horror, mas sim de compaixão. “Jesus cheio de compaixão estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: ‘Eu quero, sê purificado’” (Mc 1,41). Diante do leproso Jesus encontrava-se diante de uma criatura aviltada em sua miséria: sem ninguém por ele, sem nenhuma lei que o favorecesse, nem mesmo a esperança ou o consolo de pensar na bondade de Deus. Outro detalhe que nos chama a atenção é a vontade, o “querer” de Jesus: “Eu quero, sê purificado” ou curado”. Na realidade, a vida e a prática de Jesus sempre nos revelam isso: o que Ele quer, o seu divino desejo é a salvação, é a libertação integral das pessoas.
Jesus percebe a enfermidade e não a doença. Observemos em cada cura nos evangelhos o quase total desinteresse pelos sintomas. Ao contrário, porém, há um interesse constante pelo sentido. O Jesus de São Marcos procura sempre restabelecer o bem-estar social negado ao doente/impuro daí o seu ato de curar o doente ser acompanhado da reinserção social e do relacionamento pessoal que ele mantém com os curados.
Talvez, estar condenado ao inferno da solidão e da exclusão fosse pior que a própria lepra. Mas havia coisa ainda pior: a mentalidade que unia corpo e alma, que uma doença do corpo necessariamente seria consequência de uma fraqueza moral, de um pecado oculto. O leproso/impuro não era só condenado ao deserto da solidão imposta pela sociedade, mas também era considerado para sempre maldito por Deus. Ou seja, morto para a sociedade e morto para Deus.
Curar um leproso significa arrancá-lo da morte social e da morte religiosa, ou seja, significa ressuscitá-lo dos mortos, obra que só Deus ou o poder divino pode fazer.
Jesus, assim como o leproso/impuro também transgride a lei, trona-se também uma pessoa segregada aos lugares desertos longe do convívio das pessoas. “Jesus já não podia entrar publicamente numa cidade: permanecia fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo” (Mc 1,45).
Essa cura do leproso/impuro nos enche de confiança pois também nós podemos obter a cura de tantos defeitos, de tantos vícios e crises, de nossas misérias sociais e espirituais, por piores que estas possam ser, se com humildade formos ao encontro de Jesus, pedindo-lhe: “Se queres, tens o poder de curar-me”.
Curando os leprosos mostrou-nos Jesus que o amor não marginaliza ninguém, mas regenera a pessoa, restabelecendo sua dignidade.
Somos interpelados por esta Palavra. Ser discípulos implica esta procura de Jesus Cristo. Implica percorrer o mesmo caminho: reconhecer a necessidade de conversão, lutar contra o pecado e aproximar-se com confiança de Jesus Cristo, viver e suplicar com fé, realizar com Jesus o encontro de vida, sentir que Jesus Cristo nos transforma de verdade.
Ser discípulo de Jesus implica dizer não a todos os preconceitos e todas as barreiras que se levantam e não permitem amar as pessoas. Quais são os grandes preconceitos que nos afastam dos irmãos?
Hoje a lepra tem cura e nossa sociedade tem outras leis. É fácil criticar a lei de exclusão social judaica daquele tempo, mas em vez de criticarmos o comportamento do povo de Israel nessa questão, poderíamos nos perguntar: Quem são os “leprosos” de hoje? Será que nós não discriminamos, não formulamos julgamentos a partir da aparência, do modo de falar? Não confundimos condições subumanas de vida com o valor de um ser humano?
Certamente não teremos a coragem de nos aproximar ou de tocar em alguém que represente um perigo físico ou moral se não sentirmos por ele o mesmo amor de Cristo. Para a caridade não há lei: “A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente...” (cf. 1Cor 13,4-5ss)
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