Pároco de Fátima - Igreja Católica da Palmeira
Hoje é um dia diferente. Dia de descanso para a maioria das pessoas. Dia de festejos carnavalescos em algumas cidades. Dia do Senhor que santificamos com a Eucaristia.
Como nos domingos anteriores, o Evangelho de Marcos segue nos apresentando a missão salvadora de Jesus. O texto de hoje (cf. Mc 2,1-12) é muito rico em detalhes que têm uma intenção muito clara, por em destaque a novidade messiânica.
O relato da “cura do paralitico” apresenta o jovem profeta galileu como algo absolutamente novo. Por isso está muito bem colocado em correlação com o texto da profecia de Isaías (cf. Is 43,18-19.21-22.24b-25).
O profeta Isaías, quase seis séculos antes de Cristo, disse a seu povo exilado na Babilônia que não deve recordar os acontecimentos do passado, as coisas antigas. Deus vai realizar algo novo: abrirá caminhos no deserto e rios na terra árida. Com isso o profeta não quer expressar que se devam abandonar as velhas tradições, mas voltar o olhar ao que está vindo como algo novo e surpreendente; pois um povo que só tem olhos para o passado e chora sobre o presente converte a salvação em salvação perdida, porque o passado não é recuperável, por mais glorioso que tenha sido. Por isso tem que deixar de tanta nostalgia e olhar para frente, para um segundo êxodo, que já está em marcha e que irromperá com força em Israel. Isso é uma boa lição para nós, cristãos do século XXI, que às vezes ficamos ancorados na nostalgia do passado e não sabemos nos abrir às novas sensibilidades e às novas mediações para chegar a Deus.
A profecia de Isaías é uma mensagem de esperança a um povo que estava abatido e desanimado. É questão de confiar em Deus e deixar-se guiar por Ele. Nossa fé deve ser sempre o que sustenta nossa esperança em Deus.
Ante um milagre, nos relatos de curas a fé é o que importa disse São Marcos muitas vezes. Ele pretende no seu Evangelho dizer que a fé verdadeira é que torna possível o milagre. Os milagres de Jesus não são obras de magia, são um encontro entre Deus e as pessoas por meio de seu Filho. Deus manifesta seu poder através de Jesus, mas é necessário que a pessoa se abra a esta ação de Deus mediante uma abertura pessoal a Ele por meio da fé. A fé é entendida de um modo muito dinâmico pelos autores do Novo Testamento: a abertura e a adesão sincera da pessoa a Deus e a confiança em um Deus que age com amor para a salvação. A salvação é assim um encontro pessoal entre Deus e o homem e a mulher em sua totalidade pessoal e não só a adesão de sua inteligência que, por certo, a inclui de modo muito especial.
Em Cafarnaum Jesus prega, uma multidão o escuta até os escribas e mestres da Lei. Quatro carregadores levam até Jesus um paralítico em uma maca. Não podendo aproximar-se de Jesus por causa da multidão ou entrar na casa pela porta, como as pessoas normais, porque alguém “tapa” essa porta, “tapa” o caminho ao que está paralitico em tudo, no espírito e no corpo, para que chegue até o profeta da Galiléia que pode mudar tudo, que traz a religião nova. Por isso os carregadores não se rendem e decidem romper as normas e fazer uma porta nova pelo teto. Abrem o teto e descem a maca com o paralitico diante de Jesus. No esforço quase patético desses carregadores ao romper o teto da casa para colocar o paralítico frente a frente com Jesus, ante uma multidão imóvel e apática, Marcos representa a ânsia com que o mundo (os quatro carregadores simbolizam os quatro pontos cardeais) espera a libertação integral que Cristo lhe veio oferecer.
O que nos chama a atenção nessa cena é que o paralítico não teria conseguido chegar até Jesus, se quatro de seus amigos não o tivessem levado, carregado literalmente, pois o paralítico é o protótipo da invalidez, da pessoa que não pode mover-se por si mesma e que não tem liberdade; além dessa limitação física ele é praticamente impedido de entrar na casa pela porta. O paralitico é um homem que não disse uma palavra, quer dizer ele é uma pessoa que não expressou sua fé. Ele não fala, não pede para ser curado. Este homem e seus carregadores são personagens anônimos e sem voz. Porém têm fé, sobretudo os quatro companheiros. “Ao ver a fé daquela gente”, que não se deixa intimidar pela multidão, nem pelas dificuldades de acesso a Jesus, Ele começa a cura do paralitico pelo terreno mais delicado: “Filho, os teus pecados estão perdoados.” (Mc 2,5)
Não parece estranho que depois de todo o esforço para fazer o paralitico chegar até Jesus, Ele apenas diga isso: “Teus pecados estão perdoados”? Era de se esperar a cura. Mas, por que Jesus começou perdoando os pecados do paralítico? É que a deficiência física do paralítico era uma limitação exterior e pouco importante, em vista da salvação. E o pecado é o principal gerador de deficiência espiritual. Por isso, Jesus concedeu àquele homem, primeiramente, a cura principal e, em seguida, a secundária. Como o leproso, o paralítico era excluído da vida social e religiosa da comunidade judaica daquele tempo. Pronunciando o perdão do pecado do paralítico, causa de sua falta de integridade física e social Jesus o liberta de qualquer dívida e reintegra-o na comunidade.
As palavras de Jesus provocam uma questão teológica e ideológica. Os teólogos, escribas e mestres da Lei ali presentes se irritam. Sua argumentação é: ”Quem pode perdoar pecados a não ser Deus?” (Mc 2,7) Eles acham muita ousadia de Jesus, proclamar um perdão que só Deus pode dar. Neste ponto, aliás, eles têm razão: o pecado fere Deus, em última instância. O que eles não percebem é que Jesus age em nome de Deus. Então, para mostrar que tinha autoridade para perdoar pecados, Jesus cura o paralítico.
O perdão era invisível aos olhos, podiam duvidar. Mas a cura era fácil de perceber e quem cura em nome de Deus evidentemente tinha autoridade para perdoar também no mesmo nome: “Para que saibas que o Filho do Homem tem poder de perdoar pecados na terra, eu te ordeno, disse ele ao paralítico, levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa.” (Mc 2,10-11)
O que acontece ao homem que recebeu de Jesus o perdão e a cura é que o instrumento que representava a sua escravidão (a cama) já não o sujeita mais. “O paralítico levantou-se e, imediatamente, carregando o leito, saiu diante de todos” (Mc 2,12).
A enfermidade não é fruto de um pecado, certamente, mas o pecado é muito mais sério que a enfermidade. A escravidão moral do homem ou da mulher é mais profunda, ampla e grave que a escravidão de um corpo preso a paralisia. A cura corporal é um sinal visível de outra cura. A intervenção de Deus através de Jesus no corpo do paralítico tem como finalidade conduzir a pessoa a outra forma mais urgente de libertação e cura. Os milagres estão a serviço da salvação e do projeto de Deus. Não são caprichos de Jesus, se se pode falar assim sem faltar com o respeito devido ao Mestre. São urgências que convidam a entrar em outro mundo. E é esse mundo o que interessa a Jesus: Deus prometeu e agora realiza a libertação total da pessoa. E esta libertação passa necessariamente pelo perdão dos pecados que são a raiz de todas as suas escravidões. Todos ficaram atônitos e diziam: “Nunca vimos coisa assim.” (Mc 2,12)
O pecador paralítico se levantou purificado e reconciliado com Deus, é agora um homem novo, livre, que rejeitou a escravidão do pecado e que aderiu a Jesus e ao Reino. É uma pessoa nova que encontra um caminho novo a seguir, se libertou dos antigos receios, da culpa, do passado, de seus medos sociais, que lhe condenavam à passividade; ele já não é o que não espera nada da vida, nem dos outros nem tampouco de si mesmo, recuperou sua auto-estima, se sente amado por um profeta, que não sabe quem ele é, mas que o chama “filho” e lhe fala em nome de um Deus que é Pai. Em resumo, encontrou a confiança em si mesmo e num Pai que ao oferecer-lhe o perdão libertando-o de suas paralisias lhe convida a caminhar e assumir suas responsabilidades.
Em nossa realidade há pessoas que poderiam reconstruir a própria vida se houvesse alguém, sobretudo cristãos autênticos dispostos a apoiá-las, a abrir portas para chegar até Cristo. Evidentemente durante a nossa vida encontramos esses “paralíticos”: um parente, um colega de trabalho, um vizinho... O ser humano não se constrói aos pedaços. Conhecemos muitas pessoas que estão divididas, fragmentadas: parecem ter tudo (amor, dinheiro, saúde, família...) e vivem angustiadas, deprimidas, apáticas, imóveis, paralisadas. O ex-paralítico teve uma cura completa: estava em paz com seu corpo e com Deus. A cura do paralítico, junto com o perdão dos pecados nos lembra a integração entre o que chamamos habitualmente de corpo e alma. São dois aspectos da vida humana que interferem um no outro. Saúde perfeita é saúde integral: física, emocional, espiritual...
Os cristãos somos chamados a facilitar a obra divina de salvação, de libertação e cura integral das pessoas, a sermos “carregadores” uns dos outros. É nosso dever carregar ou acompanhar até Jesus os irmãos e irmãs. Mas, sejamos conscientes, na vida há momentos em que somos também como aquele paralítico, escravos do pecado, necessitados que alguém nos apresente ou nos “carregue” para receber o perdão de Deus e a cura de nossas paralisias.
Com esta celebração, encerramos a primeira parte dos domingos do Tempo Comum, para abrir-nos a um caminho litúrgico forte. Na próxima “quarta-feira de cinzas” começaremos a Quaresma, tempo de voltar-nos mais para Deus pela conversão, penitência e oração e sinceramente dizer como o salmista: “Salvai-me, Senhor, porque pequei contra Vós!” (Sl 40)
Essa Homilia de Pe.Assis, foi demais. Gosto de ouvir. Como todas outras.
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