domingo, fevereiro 05, 2012

Ensinar, curar e rezar

Padre José Assis Pereira Soares
Pároco da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima
Campina Grande /PB

Muitas vezes temos pensado: que sentido tem na nossa vida a dor humana, física ou moral? Como explicar que, sendo Deus Pai de infinita bondade e amor, permite que pessoas sofram, sobretudo, inocentes?
A resposta a estas perguntas poderia ajudar-nos a resolver uma questão ainda mais difícil. Que sentido tem a nossa vida neste mundo? Ajuda-nos a refletir sobre este problema sempre recorrente e tão atual a Liturgia da Palavra deste Domingo.
O Livro de Jó é um texto da literatura sapiencial do Antigo Testamento e pretende descobrir a razão porque sofremos. Jó é um homem acossado por todos os males: perdeu seus bens, seus filhos e a sua saúde; seus amigos acham que ele cometeu um grande pecado e por isso lhe ocorrem tantos males. Até o próprio Jó pensa assim: “que mal eu fiz para ser castigado deste modo?” É que todos pensavam, segundo a mentalidade judaica de então, que Deus recompensa neste mundo as boas ações e castiga as más. A enfermidade, pensam, é consequência do pecado.
Jó então se converte em porta-voz de todas as pessoas que sofrem e recolhe em suas palavras a experiência de toda a humanidade. Ao tratar de compreender seu caso no contexto do sofrimento humano em geral, Jó nos oferece em sua paciência e na luta de sua fé um exemplo válido para todos.
De Jó (cf. Jo 7, 1-4.6-7) hoje temos trechos de um canto da miséria que nos rodeia nas situações mais pessimistas de nossa existência. O autor observa o mundo que nos rodeia em profundidade e vê sua vida como um duro trabalho, como a vida de um (mercenário) soldado submetido a uma disciplina inumana, como os dias de um “homem condenado a trabalhos forçados” que trabalha duramente aspirando o final da jornada para receber o salário e descansar ou o escravo que trabalha de sol a sol e se cansa, suspirando pela sombra.
“Tive por herança meses de ilusão e couberam-me noites de pesar.” (Jó 7,3) Essas palavras angustiadas brotam facilmente da vida humana. Dias que passam como nuvens levadas pelo vento. "Meus dias correm... e consomem-se sem esperança... minha vida é sopro, e meus olhos não voltarão a ver a felicidade." (Jó 7,6-7) São momentos tristes, deste homem atribulado expressos com palavras sinceras, expondo com toda sua crueza a realidade da vida sem sentido.
Considerada em si mesma a vida é dura luta e o sofrimento é inevitável. “Cedo ou tarde, todo ser humano se confronta com o seguinte questionamento: que sentido tem minha vida? Que fiz até agora? Que poderei fazer no resto dos meus anos?... O demônio meridiano é que nos formula essas perguntas na metade da vida. Trata-se de uma questão tão decisiva que não poucos tomam decisões drásticas... para não ‘perder o trem’. Esse é o tempo do divórcio, do abandono do ministério ordenado ou da vocação religiosa... das conversões a um novo modo de vida... ou das grandes depressões. E no mais profundo surge a pergunta não resolvida e um tanto narcisista: ‘Mas a mim, quem me quer?’. O profeta Jó o expressou muito bem: ‘Meus dias correm sem esperança’... O sentido da vida não se encontra nas grandes declarações, em conseguir momentos de fama e aplauso, na notoriedade passageira de alguns dias, alguns meses ou alguns anos. O sentido da vida não está simplesmente no que fazemos, no cargo que ocupamos, no que somos para a sociedade. O sentido da vida está ‘no coração’, na interioridade, na morada mais secreta do nosso ser. Quando esta morada está deserta e não é lugar de encontro, de acolhida e de recebimento, minha vida não tem sentido”. (Paredes, 2011.)
Jó que vive o drama de uma vida sem esperança, expressa os sentimentos de muitas pessoas que vivem situações semelhantes. Assim é a vida, às vezes obscura, trágica, sofrida... Que pode esperar da vida uma pessoa que se desespera? Por que Jó põe suas queixas diante de Deus? Sem dúvida, porque há um fio de esperança que sustenta este homem em seu desespero. Por isso ele procura Deus e mantém aberta sua pergunta até que Ele queira dar a resposta. Nisto consiste a paciência de Jó e a sua confiança em Deus.
Ao final do livro terá que enfrentar-se com Deus, e este lhe fará ver que a vida, assim tal como a temos feito e tal como queremos vivê-la, não saiu de suas mãos. Ele nos criou para a felicidade. Mas, para isso alguém, Jesus no Evangelho, e nós, temos que romper a espiral da força negativa e caótica da vida. Temos que esperar contra toda esperança.  
Pode-se deixar de anunciar o evangelho porque esta vida é assim como é? De maneira nenhuma! “Anunciar o evangelho não é título de glória para mim; é, antes, necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho!” (1Cor 9,16) Esta é a posição pessoal do Apóstolo Paulo (cf. 1Cor 9, 16-19.22-23) que fala de qual é a recompensa, o “salário” de pregar o evangelho. Nenhum objetivamente falando. Porque, inclusive Paulo não escolheu este caminho, esta missão ou este “encargo” Deus mesmo o confiou. Perdeu inclusive sua liberdade, ainda que pudesse dizer não. Pregar o evangelho se converteu para ele “numa necessidade que se me impõe”, uma tarefa cujo “salário” é “que pregando o evangelho, o prego gratuitamente”, quer dizer, isto se converteu em uma paixão que o levou inclusive a mudar sua psicologia pessoal para que o evangelho chegue a todos.
Nossa obrigação como discípulos e discípulas de Jesus é testemunhar diante de todas as pessoas, sobretudo das que mais sofrem a mensagem libertadora de Jesus. É aproximá-las de Jesus aquele cuja ação libertadora começa a manifestar esse mundo novo sem sofrimento, que Deus sonhou para a humanidade.
Seguimos lendo o evangelho de Marcos a cada domingo (cf. Mc 1,29-39). Continuamos seguindo Jesus que em estreita continuidade com o domingo passado (cf. Mc 1, 21-28) sai acompanhado de seus discípulos  da sinagoga de Cafarnaum, lugar onde havia curado um homem. E agora se dirige à casa de Simão e de André, seus irmãos e amigos. Mas, ali se encontra com a sogra de Simão que está enferma. Marcos quer por em destaque que aquela palavra libertadora que se fez ouvir no âmbito do lugar sagrado da sinagoga, não pode ficar petrificada ali. O “ensinamento com autoridade” sai do lugar sagrado e chega ao cotidiano da vida. O sagrado, o religioso, o espiritual tem que ser humano. Na vida de cada dia, sofrimento, enfermidade, morte, opressão, como nos falou desesperadamente Jó, nos chegam continuamente, mas Jesus veio para trazer o evangelho libertador.
“Aproximando-se, Jesus a tomou pela mão e a fez levantar-se. A febre a deixou e ela se pôs a servi-los.” (Mc 1,31) O mais bonito deste momento não é a cura da mulher e sim a sua reação: “ela se pôs a servi-los”, transformando-se logo numa “diaconisa”, numa discípula, servidora de Jesus.
A notícia, tanto do que ele havia feito pela manhã na Sinagoga, como a cura daquela mulher, logo se espalhou e em seguida trouxeram-lhe à casa de Simão uma multidão de enfermos e endemoninhados e a Cafarnaum inteira aglomerou-se àquela porta. Estava anoitecendo, Jesus “curou a muitos doentes de diversas enfermidades e expulsou muitos demônios.” (Mc 1,34)
Assim o Evangelho apresenta exemplos claros de como Jesus procurava acabar com o sofrimento, quando se cruzava com Ele em seu caminho. Cura os doentes que a Ele acorrem e como um bálsamo alivia o sofrimento causado diretamente pelo demônio. “Jesus não deixa dúvidas: Deus do qual Ele mesmo nos revelou o rosto é o Deus da vida, que nos liberta de qualquer mal... Estas curas são sinais: não se resolvem em si mesmas, mas guiam para a mensagem de Cristo, guiam-nos para Deus e fazem-nos compreender que a verdadeira e mais profunda doença do homem é a ausência de Deus, da fonte da verdade e do amor. E só a reconciliação com Deus pode doar-nos a cura autêntica, a verdadeira vida, porque uma vida sem amor e sem verdade não seria vida.” (Bento XVI, Angelus, 08.02.2009)
“De madrugada, estando ainda escuro, ele levantou e retirou-se para um lugar deserto e ali orava.” (Mc 1,35) Em outros lugares dos evangelhos vemos Jesus dedicado à oração em outras horas e, inclusive, à noite. Ele sabia distribuir o tempo com sabedoria, a fim de que seu dia tivesse um equilíbrio razoável de trabalho e oração. Assim Jesus nos ensina como encontrar o remédio para nossos sofrimentos ou como tirar proveito deles, a oração.
Nós dizemos frequentemente: Não tenho tempo! Estamos ocupados com o trabalho profissional, e com as inumeráveis tarefas que enchem nossa agenda. Com frequência nos cremos dispensados da oração diária. Realizamos um montão de coisas importantes, mas corremos o risco de esquecer a coisa mais necessária: a oração. Temos de criar um equilíbrio para poder fazer umas sem desatender as outras. O beato João Paulo II dizia: “a oração é para mim a primeira tarefa e é como o primeiro anúncio; é a primeira condição do meu serviço à Igreja e ao mundo”.
O dia a dia de Jesus era isso: ensinar, curar, rezar. Esta também é a tarefa que devemos abraçar cada dia, em nossa agenda: anunciar ou testemunhar o Evangelho com amor e coragem; curar, aliviar, consolar, dar esperança, solidarizar-se com as pessoas que sofrem e com seus motivos encontram-se por si mesmas incapazes de descobrir esta mensagem do Reino. Levá-las a encontrar Jesus nos sacramentos e na oração; rezar com e pelos que sofrem ajudando-os, não despertando neles “falsas esperanças”, mas ajudando-os a ver a sua cruz e o seu sofrimento à luz da fé e a descobrir o caminho que conduz com paciência a esperança e a salvação.

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus Editora, 2002.
Paredes, José Cristo Rey García. Liturgia da Palavra comentada, Ano A.B.C. São Paulo, Ave Maria, 2011

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