Padre José Assis Pereira Soares
Pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima
Campina Grande/PB
Na segunda-feira passada, celebrávamos excepcionalmente o Batismo de Jesus e iniciávamos a maneira de transição, o Tempo Comum. A festa do Batismo faz parte ainda do tempo do Natal, mas é contado já como Primeiro Domingo Comum por isso hoje celebramos o segundo domingo.
A unidade e transição são totais. João o Batista protagoniza junto a Jesus ambos os relatos. E assim, batizando Jesus assinala qual vai ser sua missão redentora. Consequentemente, os discípulos de João se iniciam no seguimento do “Cordeiro”.
Nestes primeiros domingos do tempo comum, vamos reafirmando nosso compromisso de conhecer melhor Jesus, para amá-lo mais e segui-lo mais de perto. Hoje o convite da Palavra de Deus é a fazer a experiência pessoal de encontro com o Senhor.
Os três sinóticos apresentam os primeiros discípulos num contexto de chamado ou vocacional, ao passo que o quarto evangelho (cf. Jo 1,35-42) se limita a relatar um primeiro e definitivo encontro. Este texto dificilmente pode ser caracterizado como um relato vocacional já que falta, segundo os estudiosos o elemento fundamental neste tipo de relato: a iniciativa do que chama. No relato de João, Jesus não é quem toma a iniciativa; a iniciativa a tomam os dois discípulos do Batista. Na realidade, em não sendo um texto vocacional propriamente dito, o autor apresenta em síntese o processo de formação da comunidade cristã, reunindo os primeiros discípulos em torno do Mestre.
Apenas aparece Jesus pelas ribeiras do Jordão, o Batista aponta aos seus discípulos: “Eis o Cordeiro de Deus!” (v. 36) Diante de suas palavras dois de seus discípulos vão atrás do novo Rabí. A impressão do primeiro encontro foi tão profunda, que deixaram imediatamente o antigo mestre e seguem a Jesus o Nazareno.
A respeito do título “Cordeiro de Deus”, a liturgia e a iconografia cristã dão grande destaque. Esse título cristológico está relacionado com o cordeiro pascal com cujo sangue, segundo o livro do Êxodo, foram untados os marcos e a travessa da porta das casas dos hebreus, livrando assim da morte seus moradores, quando o anjo exterminador passou executando o castigo do Senhor no Egito. (cf. Ex 12) Por outro lado essa figura deriva dos poemas de Isaías 57 sobre o “Servo Sofredor do Senhor”, que caminha para o sacrifício sem protestar, como um manso cordeiro levado à morte. Dessa forma aparece o Servo obediente do Senhor, o rosto do Cristo-Messias que com sua morte redime o pecado do mundo e é constituído como Rei ao instaurar o Reino de Deus na história da humanidade e Senhor do universo.
Na vida daqueles discípulos do Batista, André e o outro cujo nome não se fala porque seria o próprio autor do evangelho, se disse que “os dois seguiram a Jesus.” (v. 37) O texto usa três verbos para expressar o que vão viver os discípulos junto a Jesus: “foram… viram… permaneceram com ele.” (v. 39) É o itinerário que percorre a pessoa que se encontra com Jesus e o reconhece como aquele que dá sentido a sua vida. Geralmente seus começos são muito simples: um escutar alguém que fala de Jesus; depois vem o ver, talvez por simples curiosidade; não importa, o
importante é buscar ali onde crê que está Jesus. Um dia, se dará o encontro. Não será um encontro conceitual, só idéias não salvam, mas uma experiência existencial, transformadora. Ele nos tira de nós mesmos, de nosso egoísmo, de nossa falta de horizontes, e nos põe em contato com outros, aos quais anunciaremos nossa descoberta de Jesus como líder de todos nossos sonhos e esperanças. É inclusive possível que nos mude até o nome, nossa vida e nos confie uma função, uma missão dentro da comunidade cristã.
Esta experiência foi tão intensa que cerca de setenta anos depois, João recorda exatamente a hora em que se deu: “quatro horas da tarde” (v.39), porém não se recordará o que falaram. Ele que tantos longos discursos de Jesus se recorda, lembra-se somente uma tímida troca de palavras: “o que estais procurando?... Onde moras?... Vinde ver” (v. 38-39) e recorda sua proximidade, “permaneceram com ele”.
A partir desse encontro, não só começaram a ser seguidores do “Mestre”, mas convidaram outros a terem essa experiência com Jesus. É que a experiência de encontro com Jesus é “contagiosa”, se anuncia e se compartilha, para que outros também a possam desfrutar. Não se pode conhecer Cristo sem transmitir a outros essa grande notícia. No caso, André convidou seu irmão Simão, a quem Jesus “batizou” pondo-lhe o nome de “Cefas - pedra” naquele mesmo momento. Um nome novo é um destino, um caminho, uma vida nova, uma missão. Que cada um de nós tenhamos essa “hora quarta” que jamais João esqueceu e que lhe fez seguir o Senhor até ao pé da cruz.
Jesus passava ali pelo Jordão como passou às margens do mar da Galiléia, pelo caminho de Emaús, pelo caminho por baixo da árvore em que havia subido Zaqueu... O Senhor passa, mas não por longe de nossa realidade. Esse seu passar é na realidade um sair ao encontro, porque não somos nós que buscamos ao Senhor e sim ele é quem nos busca. Também hoje o Senhor segue buscando um a um. Porque ser cristão é um chamado pessoal. Ser cristão não é seguir uma doutrina. É seguir uma pessoa. Não se é cristão por nossos conhecimentos. Não é um título conseguido em uma escola de Teologia ou curso por correspondência. Ser cristão é algo novo, é vida nova. Essa proximidade é o encontro com o Senhor nessa “hora quarta” em que André, João e Simão começaram a ser cristãos.
O encontro com Deus é um convite, requer consentimento para ambas as partes, necessita de diálogo, de escuta, se faz o possível por favorecer o encontro, criar o espaço adequado, um ambiente, tempo suficiente. Tudo praticamente igual como quando ficamos com um amigo ou uma pessoa querida e queremos estar um tempo juntos, interessar-nos por como vai o amigo, contar-lhe como estamos, compartilhar um tempo de conversa e amizade.
Por outro lado, o encontro com Deus também se produz na intimidade de nosso coração, como se passou com Samuel (cf. 1 Sm 3, 3b-10.19). É curioso, porque o Senhor chamou a Samuel muitas vezes, mas Samuel não respondia adequadamente porque “ainda não conhecia o Senhor, pois até então, a palavra do Senhor não se lhe tinha manifestado.” (v. 7) Mas para isso estava ali o sacerdote Eli, que ajudou Samuel a responder, fazendo-o ver que era o Senhor quem o chamava, e não ele. “Se alguém te chamar, responderás: ‘Senhor, fala, que teu servo escuta!’” (v. 9) Deus nos chama e nos fala ao coração. É importante saber escutar, para reconhecê-lo e não confundi-lo com uma voz humana.
Para distinguir a voz do Senhor de entre as muitas que ouvimos. Não basta apenas fazer silêncio e estarmos disponíveis à sua entrada em nossa vida. Foi o mestre Eli, quem ensinou Samuel a reconhecer a voz de Deus, a escutá-lo e a reagir a ela. No processo de maturidade espiritual é fundamental a presença de um guia, que, como o sacerdote Eli e como João Batista, nos ajude a ler nos acontecimentos e nos sugira o que fazer, indicar o caminho para a experiência pessoal com Jesus. André também com intuição, sensibilidade e humildade levou Simão Pedro ao Messias e ele transformou-se em guia e sinal de mudança de vida.
Sempre houve mestres e lideres entre o povo, sempre existiram chefes ou guias natos, mestres com autoridade que souberam convencer e arrastar com seu testemunho, outros para Cristo. No tempo de Jesus houve muitos que pretenderam erigir-se em guias e salvadores do povo. Foram homens que, aproveitando a situação de desamparo que havia no povo, se apresentavam como messias, capazes de libertar a gente do império romano que os subjugava.
Tenho pena desta gente, disse Jesus, porque está abandonada, como ovelhas sem pastor. E levado por sua imensa compaixão, ele se pôs a frente de seu povo, como supremo Pastor. O Bom Pastor que suas ovelhas conhecem e as quais ama até dar-lhes a sua própria vida.
Deus serve-se de pessoas para chamar outras pessoas. Somos todos intermediários daquele que chama, somos “embaixadores de Cristo” (cf. 2 Cor 5,20) e enviados, como os Apóstolos para evangelizar. E é importante saber responder ao chamado e a resposta no-la dá o Salmo 39: “Eis que venho, Senhor! Com prazer faço a vossa vontade”. Que melhor resposta que essa podemos dar àquele que nos deu sua vida por nós e que quer que todas as pessoas tenham uma vida digna e feliz!
Enquanto nosso cristianismo não for esse “seguir Jesus”, viver a intimidade, caminhar com ele, terá mais de magia e de superstição que de religião; terá mais de conhecimento teológico do que da autêntica dedicação pessoal e empenho na construção do seu Reino. Existirá sempre a dicotomia entre o que cremos, vivemos e fazemos. Quem é chamado ao seguimento de Cristo, pelo anuncio, deseja ver como vivem os intermediários do chamado para se deixar convencer. Daí a tremenda responsabilidade que todos temos em ser coerentes na vida, com a fé que professamos e com a mensagem que queremos comunicar como instrumentos nas mãos de Deus. Porque não passarmos da evangelização à experiência viva e pessoal de encontro com Jesus?
Hoje como ontem, este relato evangélico nos convida ao encontro sempre renovado com o Mestre Jesus, Messias e Cordeiro e também a uma abertura aos outros para conduzi-los a Jesus; O centro, o motor e o objetivo de tudo isso tem um nome: Jesus, e uma finalidade: conectar a pessoa com ele para que possa conseguir sua salvação e felicidade. Esta é uma tarefa, nossa missão e nosso premio.
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