sábado, janeiro 21, 2012

O seguimento de Cristo

Padre José Assis Pereira Soares - Campina Grande/PB
Paróquia de Fátima


Começamos neste 3º Domingo do Tempo Comum a leitura semicontínua do Evangelho de Marcos. Deste evangelho podemos dizer que é o primeiro que se escreveu, que se baseia em fontes muito antigas sobre fatos e palavras de Jesus, e que, além de ser por isso o mais antigo e o mais próximo a Jesus, é também o mais curto. Seria muito bom se encontrássemos tempo para lê-lo por inteiro, isso nos daria uma visão geral de como o escritor apresenta a figura de Jesus, que depois nos ajudará a ir entendendo os evangelhos deste tempo comum. Além disso é sempre bom ler e refletir a Palavra de Deus e buscar momentos em nosso dia a dia para poder fazê-lo.
Segundo antiga tradição, o autor do Segundo Evangelho seria João Marcos como afirma o bispo Papias (séc. II): “Marcos, intérprete de Pedro, escreveu cuidadosa, não porém ordenadamente, as recordações das palavras ou ações do Senhor. Efetivamente, ele jamais ouvira, ou seguira o Senhor. Mas, conforme disse, mais tarde ele conviveu com Pedro, que pregava segundo a necessidade dos ouvintes, mas não elaborou uma síntese das palavras do Senhor. Assim, ao escrever Marcos de acordo com suas lembranças, não cometeu erros. Tivera o único propósito de nada omitir do que ouvira, nem impingir algo de falso.” (Eusébio, 2000.) “Este testemunho do historiador Eusébio (séc. IV) foi tido em conta, muito positivamente, nas tradições posteriores até aos nossos dias. Porém, como não podia deixar de ser, trata-se apenas de uma hipótese que em nada interfere na validade intrínseca da obra e muito menos na sua canonicidade. Hoje em dia, dado os meios que possuímos para situar geográfica e temporalmente um escrito da antiguidade, existem muitas dúvidas sobre a atribuição do Segundo Evangelho a João Marcos, fiel intérprete e secretário de Pedro...  O autor do Segundo Evangelho não foi uma testemunha ocular. Mesmo quando o seu texto nos oferece um certo número de relatos que têm, evidentemtente, a marca da testemunha ocular, é absolutamente evidente que o autor não assistiu pessoalmente aos fatos ocorridos. Aquilo que realmente é certo, é que o autor, no seu esforço por organizar o material, se deixou guiar sobretudo por preocupações de índole eclesial. Aquele que redigiu o Segundo Evangelho não era, nem um compilador mais ou menos passivo dos dados da tradição, nem um escritor brilhante que se preocupava com a elegância do estilo, nem um teólogo genial... era um cristão, judeu de origem, que possuia sólidas convicções a propósito da vida da sua Igreja.” (Bíblia Litúrgica)
Estamos na perícope de hoje (cf. Mc 1,14-20) no prólogo do segundo Evangelho que situa o surgimento do Reino de Deus às margens do mundo e lança o discipulado nessa aventura. Tudo começa “depois que João foi preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de Deus: Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho.” (Mc 1, 14-15)
É o início da pregação de Jesus na região onde ele tinha maior liberdade de movimento, a Galiléia. “Cumpriu-se o tempo”, a palavra grega “Kairos” é traduzida por “tempo” mas, não se refere ao tempo passado, se refere ao tempo concreto. É o "tempo" do "Reino de Deus". Chegou o momento decisivo; não há motivo para esperar por outro momento, porque o Reino de Deus já começou.
Esta proclamação da irrupção do reinado de Deus em nossa história compremete as pessoas situando-as ante a decisão; quem quer entrar neste reinado tem que “converter-se”. A conversão a que Jesus chama é uma profunda transformação de mente e coração, tem de escutar a Jesus e crer no que ele anuncia, o “evangelho de Deus”. “O termo ‘evangelho’, na linguagem oficial helenista, indicava sobretudo um acontecimento positivo para a coletividade, como por exemplo o nascimento de uma personagem importante, a sua entronização ou a sua chegada a uma cidade, de paz e de justiça, frequentemente acompanhados de uma anistia ou de generosos donativos para os pobres... Com a pregação de Jesus, Deus chama os homens a abrirem-se à Sua visita real e, na narração da vocação dos discípulos, a tornarem-se colaboradores do Seu desígnio de libertação.” (Casarin, 2010.)
Embora Jesus apareça pregando em público como um mestre entre tantos outros que havia então. Marcos, desde o início, quer deixar bem claro que Jesus não é mais um rabi, em cuja escola qualquer candidato que o deseje pode se inscrever como discípulo, mas que, pelo contrário, é Jesus quem escolhe quem ele quer, chamando com autoridade.
“Caminhando junto ao mar da Galiléia, viu Simão e André, o irmão de Simão. Lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus: Vinde em meu seguimento e eu farei de vós pescadores de homens. E imediatamente deixando as redes, eles o seguiram. Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu e João, seu irmão, eles também no barco, concertando as redes. E logo os chamou. E eles, deixando o pai Zebedeu no barco com os empregados, partiram em seu seguimento”. (Mc 1, 16-20)
É óbvio que  este texto não deve ser interpretado como um relato histórico do que aconteceu, ainda que de certa forma o é: mas pretende ser o apoio direto da reação ao anúncio do evangelho pregado por Jesus na Galiléia. Assim como urge o tempo, o chamado de Jesus é urgente e exige uma resposta, um seguimento incondicional. É Jesus quem chama os discípulos e lhes envia, não são eles que o escolhem.
“Talvez não haja expressão mais tradicionalmente incompreendida do que que o convite de Jesus a esses trabalhadores para se tornarem ‘pescadores de homens’. Esta metáfora, apesar de grandiosa e antiga tradição de interpretação missionária não se refere à ‘salvação de almas’, como se Jesus conferisse a esses homens status imediato de evangelizadores... Esse ‘primeiro’ chamado ao discipulado em Marcos é convite urgente, que afasta qualquer compromisso e que leva ao ‘rompimento com o ofício habitual’. O mundo está chegando ao fim para os que optaram por segui-lo. O Reino despontou e se identifica com a aventura do discipulado.” (Myers, 1992.)

Portanto, quando Jesus se aproxima destes que serão seus discípulos mais próximos e lhes chama não estava inventando uma casta de privilegiados do tipo casta sacerdotal, à que está reservado tudo o que é sagrado e para a qual tem que pertencer a uma determinada “tribo”, como no sacerdócio do Antigo Testamento. Jesus não cria com estes quatro simples pescadores da Galiléia uma seita de puros e perfeitos seguidores livres de todo mal e pecado. Jesus não quer um grupinho de agraciados que estejam fora do mundo. Quando Jesus chama Simão e André, Tiago e João; os quatro estavam trabalhando e os quatro são chamados a prosseguir com essa atividade. Ele convoca a prosseguir em movimento, mas de maneira diferente: com ele. Sem dúvida, também os quatro se veem atraídos por Jesus e seguiram com ele, quantas vezes em contato com o mar. Jesus aproveita o que eles já sabem fazer: aos pescadores lhes anima a seguir pescando… homens.
Todos são chamados, todos são amados por Deus e a todos ele chama à salvação: “A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas: ‘levanta-te, vai a Ninive, a grande cidade, e anuncia-lhe a mensagem que eu te disser” (Jn 3,1-2). A história do envio do profeta Jonas a pregar a conversão recorda-nos que seja qual for a situação em que nos encontremos, Deus nos chama a todos sem exceção.
Estamos habituados a julgar que o chamamento de Deus é uma só vez na vida e que depois viveremos adormecidos, sem preocupações nem mudanças. Mas não, Deus lança permanentemente dentro de nós apelos à mudança, precisamos viver em permanente estado de conversão. Este estilo de vida, desinstalado é a marca característica mais profunda daquele que tem fé. Deus aguarda uma resposta. Temos que estar  muito atentos, para lhe respondermos. Não se trata de responder ao Senhor com um desejo vago de sermos melhores, mas de uma correspondência generosa ao que ele nos vai pedindo ao longo do caminho. Às vezes hesitamos em fazer o que Deus quer, por medo de sermos infelizes. A realidade nos ensina exatamente o contrário: cada chamamento de Deus é para nos tornar felizes.
Hoje também Jesus segue chamando e nos convida a deixar “nossas redes” na barca para converter-nos em “pescadores de homens”. A tarefa é ardua, imensa, mas apaixonante… O mundo de hoje necessita testemunhas de Jesus, estamos dispostos a escutar sua voz? Todos nós, com nossas qualidades, conhecimentos, costumes, forma de vida… Na verdade há pessoas que recebem essa vocação de entregar sua vida numa vocação de especial consagração mas, a maioria dos cristãos são chamados à santificação de suas vidas nas realidades deste mundo: na família, no mundo da cultura e das artes, na política, na economia e, em geral, em todas as atividades humanas dignas e honestas. Estamos sendo constantemente chamados por Jesus, a quem conhecemos de vê-lo rondando constantemente em nosso lago. Sem dúvida está presente em nossa vida de diferentes maneiras, e quer converter nossa atividade cotidiana em uma maneira nova de fazer: seguir pescando, mas agora com ele. Quer que o sigamos, mas constantemente nos mandará remar mar adentro, seguir sendo pescadores. Não quer separar-nos dos nossos nem de nossa barca, mas sim que nos convertamos a ele e à sua maneira de fazer as coisas nossa maneira de fazer. Esta é nossa conversão: fazer de nossa vida cotidiana um “evangelho”, e ter a coragem de, quando for necessário, vivê-la com coerência até o extremo ainda que este possa  ser, talvez, a perseguição.
“Converte-nos, Senhor, aos valores permanentes do teu Reino: verdade e vida, santidade e graça, justiça, amor e paz e concede-nos o espírito jovem do evangelho para amar mais, para começar a vida a cada manhã para tornar efetiva a oração inesgotável do Pai-nosso: Venha a nós o Vosso Reino. Amém.” (Caballero, 2001.)


Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica. Coleção de Patrística, vol. 15 (Tradução Monjas Beneditinas do Mosteiro de maria Mãe de Cristo).  São Paulo, Paulus, 2000.
Vários Autores. (Tradução das Irmãs Carmelitas de Fátima) Comentários à Bíblia Litúrgica. Gráfica de Coimbra 2
Casarin, Giuseppe. Leccionário Comentado, Tempo Comum, semanas I-XVII. Lisboa, Paulus, 2010.
Myers, Ched. O Evangelho de São Marcos. Col. Grande Comentário Bíblico. São Paulo, Paulinas, 1992.
Caballero, B. A Palavra de cada Domingo, Ano B. Apelação (Portu

gal), Paulus, 2001.

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