domingo, janeiro 08, 2012

Deus se revela ao mundo como luz

Padre José Assis Pereira Soares
Pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima 
Campina Grande/PB

Duas grandes comemorações a sagrada Liturgia nos apresenta em um curto espaço de tempo. A Epifania, neste domingo e o Batismo de Jesus, no dia seguinte. Deus quis manifestar-se aos gentios, aos não judeus, com a estrela de Belém. Junto ao Jordão a Santíssima Trindade se manifesta ao ser batizado o Senhor. Guiado pelo Espírito Santo, Jesus aceita o Batismo de João e Deus Pai anuncia que é seu Filho Unigênito quem está aí. Pouco depois o mesmo Espírito impelirá Jesus a marchar ao deserto… Chegamos ao final das festas do Natal. E iniciamos, neste dia 9, o Tempo Comum que, em sua primeira etapa nos levará à Quaresma, que iniciaremos no dia 22 de fevereiro com a quarta-feira de Cinzas.
O nome que recebe esta festa de hoje é “Epifania”, que significa “manifestação, aparição”. Deus se manifestou a todos os povos, a todas as pessoas. O fato de “magos do Oriente” ter vindo de longe adorar o Menino Jesus, dá ao seu nascimento um caráter de universalidade. É uma maneira de dizer que Deus ama todas as pessoas de todas as nações e, poderíamos dizer também, de todas as religiões. Porque de certa maneira, todos buscamos o mesmo Deus e ele nasce em nosso mundo para que todos o encontremos.
O elemento simbólico que aparece tanto no Evangelho (cf. Mt 2,1-12) como na profecia de Isaías (cf. Is 60,1-6) é a luz. “A luz é um antigo símbolo arquetípico. E, para dizer o óbvio, a luz nas trevas é fundamental para a comemoração cristã do Natal... O arquétipo, como sugere a raiz da palavra, é uma imagem, um ‘tipo’ impresso na consciência humana desde tempos imemoriais, desde ‘os primórdios’. Conhecido em todas as culturas, o arquétipo da luz, com seu oposto de escuridão, é central em tradições religiosas do mundo inteiro. É também fundamental na Bíblia judaica e no Novo Testamento... são muitas as associações arquetípicas, as associações metafóricas da noite e das trevas. Não conseguimos enxergar no escuro, ou, pelo menos, não muito bem. Assim, a noite e a escuridão associam-se à cegueira e à visão limitada. Pela mesma razão, é fácil nos perdermos no escuro, tropeçamos e não conseguimos enxergar o caminho. No escuro, é comum sentirmos medo. Não sabemos o que pode acontecer; talvez um perigo nos espreite, os espíritos vagueiem ou um mal esteja sendo preparado. A noite é o período em que ficamos adormecidos, inconscientes e alheios... a tristeza é como uma noite escura, e faz séculos que as pessoas enlutadas usam roupas escuras. Portanto, a noite e a morte também caminham juntas: a terra dos mortos é um lugar de grande escuridão. Não admira que os nossos ancestrais valorizassem  a luz, o dia. Eles escolhiam de bom grado o alvorecer e celebravam o retorno da luz no solstício do inverno. Não admira que as tradições religiosas sejam repletas da linguagem da luz... e não admira que a glória – que significa brilho, luminosidade – seja uma qualidade central do sagrado.” (Borg, 2008.)
“Põe-te de pé, resplandece, porque tua luz é chegada, a glória do Senhor raia sobre ti. Com efeito, as trevas cobrem a terra, a escuridão envolve as nações, mas sobre ti levanta-se o Senhor e sua glória aparece sobre ti. As nações caminharão na tua luz, e os reis, ao clarão do teu sol nascente.” (Is 60, 1-3)  
O profeta Isaías recorda a ação luminosa de Deus, numa fase difícil da história de Israel. Isaías conclama os habitantes de uma Jerusalém em ruínas. Só os olhos da fé possibilitariam detectar a luz despontando em meio a tanta destruição. A fé leva a ver para além do presente; a detectar a esperança nascendo, quando ninguém percebe a presença do novo; a conservar o otimismo quando reina o pessimismo.
Isaías é sem duvida o profeta da esperança. Na ultima parte do seu livro descreve situações cheias de luz e de esplendor, que prefiguram o triunfo definitivo do Messias. Essa luz que aparece em Jerusalém alcançará todas as nações da terra. O profeta canta a glória da nova Jerusalém iluminada pela luz e triunfo do Menino Deus, o Messias.  
“Trevas cobrem a terra, a escuridão envolve as nações, mas sobre ti levanta-se o Senhor... As nações caminharão na tua luz”. Vejo aqui uma alusão clara a “obscuridade”, à situação de crise político-econômica e social que o mundo atravessa; insegurança, instabilidade, em todos os setores da vida, as dificuldades que passa a família na transmissão e educação da fé, a falta de valores, de exemplaridade de muitos de nossos dirigentes, a corrupção, a falta de honestidade... Tantas coisas negativas que têm provocado a situação global atual. E sem duvida a Palavra de Deus não para de dizer-nos que este Menino que nos nasce é a Luz, que confiando nele, em sua Palavra, poderemos construir um novo mundo ou uma nova vida, a partir de premissas novas, que nos ajudam a conviver e a nos relacionarmos de maneira mais fraterna, generosa e solidária, pois não há futuro sem solidariedade. Deus, sua Palavra, seu Evangelho, sua Boa Noticia, são essa Luz que vêm iluminar nossas “obscuridades”.
Mateus usou o simbolismo da luz em sua história da adoração dos “magos” (cf. Mt 1,1-12). A estrela os guiou até ao local do nascimento de Jesus. “Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.” A crítica bíblica moderna tem proposto teorias bem discordantes em relação a este relato. Por um lado levantam-se objeções quanto à historicidade do relato. Por outro lado autores defendem sua historicidade. A verdade é que a tradição cristã sempre deu grande valor a este texto da adoração dos “magos”. Ele foi objeto das mais belas reflexões teológico-espirituais ao longo da história do cristianismo. Já nos fins do século II, Tertuliano via nas ofertas dos Magos símbolos do reconhecimento de quem era Jesus: ofereceram-lhe “ouro” como Rei, “incenso” como Deus, “mirra” (resina aromática usada na sepultura) como homem.
Não há duvida de que se pode adaptar perfeitamente o texto de Isaías ao mistério hoje celebrado: os “magos” que seguem a “luz da estrela” são os pioneiros dentre os povos gentios a acorrer ao encontro do Messias. Esses “magos” da antiguidade “não eram mágicos no sentido moderno da palavra. Ao contrário, a palavra “magi” se refere a uma espécie de figura religiosa; os “magi” tinham sabedoria por entrarem em contato com uma outra realidade. Sua sabedoria era um ‘saber secreto’, de uma espécie não conhecida pelas pessoas comuns. Alguns, sem dúvida eram astrólogos, no sentido de prestarem atenção a ‘sinais no céu’, mas pensar nos magos primordialmente como astrólogos é equivocado. Ao contrário, os magos eram pessoas dotadas de um saber mais do que terreno. Os “magi” da narrativa de Mateus vieram ‘do Oriente’. É inútil especular sobre a área geográfica mais especifica de que poderiam ter vindo – estamos diante de uma geografia sagrada, não de uma geografia física. O importante para Mateus era que eles fossem gentios. Como gentios, eram ‘das nações’. Sábios das nações foram atraídos pela luz de Jesus, ajoelharam-se diante d’Ele e Lhe renderam homenagens. As nações reconheceram aquele que nascera ‘Rei dos Judeus’; Ele também era seu rei.” (Idid, Borg.)
Aqueles Magos seguiram uma luz que os levou ao presépio, e como os pastores reconheceram Deus escondido no Menino no colo de sua mãe, a Luz. Sim, ali parou a estrela, porque não era ela o mais importante, porque, o Menino é que é o “Astro das alturas (que traz a luz) para iluminar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte, para guiar nossos passos no caminho da paz”. (cf. Lc 1,78-79) É nossa Luz, a que nos ajudará a sair das obscuridades que nos cercam. Necessitamos essa luz, necessitamos de Deus em nossas vidas. Necessitamos sua Palavra. E esse Deus que nasce em um presépio, vem especialmente aos que vivem excluídos da fé, vem aos pagãos, vem aos que estão longe, para que deixem de estar. Deus se manifesta ao mundo como Luz, para que todos o encontrem e se encontrem, para que nada siga vivendo às escuras. 
O nascimento de Jesus é o advento da Luz na escuridão. Mas a escuridão procura extinguir a luz (o plano de Herodes para matar Jesus, cf. Mt 2,3-9.12) Herodes alarmou-se porque viu naquele que os magos procuravam um concorrente para si mesmo e para os seus filhos. “À luz de toda a Bíblia, esta atitude de hostilidade, ambiguidade ou superficialidade está a representar a de cada homem e a do ‘mundo’ no sentido espiritual quando se fecha ao mistério do verdadeiro Deus, o qual vem ao nosso encontro com a desarmante mansidão do amor... Ele quer reinar no amor e na verdade e pede-nos para que nos convertamos, abandonemos as más ações e percorramos decididamente o caminho do bem.” (Bento XVI, Angelus, 06/01/2009)  
Sigamos a estrela, prestemos atenção aos sinais de Deus! Os magos viram uma luz e ela suscitou seu interesse e a sua busca. Foi um sinal que Deus lhes enviou e que, graças à sua atenção, eles decifraram e se puseram a caminho. Devemos estar atentos, porque Deus nos mostra dia a dia muitos sinais da sua presença e do seu amor, na pequena realidade da nossa vida e nos diversos acontecimentos da história. Temos que refletir, pois são sinais, não há evidências, e porque os sinais nos remetem a outra realidade que está além deles mesmos. Depois de interpretados corretamente, devemos passar da atenção e da reflexão para a ação. Deus continua a nos falar hoje, talvez o que esteja acontecendo é que não estamos preparados para decifrar a sua linguagem.
O que nos chama a atenção é também a desinstalação dos Magos: viram a “estrela”, deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, à nossa televisão... Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz de sairmos de nossa acomodação? 
Sigamos a estrela, ela nos levará ao presépio. Ali dobremos os joelhos e adoremos ao Menino Deus. Dali certamente nos converteremos em estrela, em luz, que guie outros até Belém, até o presépio, para que Deus seja a Boa Notícia para todos, especialmente para os que estejam passando pelo pior. Façamos possível que esta Luz chegue também aos de casa e como comunidade cristã, sejamos também uma Luz que guie aos que nos rodeiam e que lhes ajude a sair da obscuridade.

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Borg, Marcus J. e Crossan, Joh Dominic. O Primeiro Natal. O que podemos aprender com o nascimento de Jesus. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008.

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