segunda-feira, dezembro 26, 2011

Natal, uma luz brilhou para nós


Padre José Assis Pereira Soares
Paróquia Nossa Senhora de Fátima
Campina Grande/PB

Os que vivem no campo sabem bem o que é a escuridão da noite, muito diferente dos que vivem na cidade, devido à iluminação pública. Antigamente, quando ainda não tinha sido inventada a eletricidade, a noite mergulhava o mundo nas trevas, sobretudo quando a lua não projetava sua prateada luz. Então era muito perigoso aventurar-se na noite, porque nas trevas qualquer coisa podia acontecer. Ao chegar a noite, de certo modo o mundo sumia no caos.
Mas, paradoxalmente, no meio da total escuridão, o firmamento mostra toda sua beleza e esplendor. Quando conseguimos olhar para o alto e contemplarmos o céu coberto de estrelas, nosso coração certamente se enche de paz e alegria desfrutando tanta beleza. Parece que a grandeza do céu estrelado, com sua exuberante grandiosidade, beleza e harmonia nos fala de Deus. Ao contemplar com fé o firmamento, nosso coração se enche de amor por nosso Criador.

Pois bem, é nesse contexto de escuridão da noite e de contemplação da luz, que a Igreja celebra a Missa da noite de Natal. No meio do caos, do perigo das trevas e obscuridade da noite, cantamos cheios de fé: “resplandeceu a Luz sobre nós, porque nasceu Cristo, o Salvador” (Sl 96). Para iluminar nossa vida, para dar-lhe todo o seu sentido.

Deus criou o mundo bom e belo, mas o ser humano o submergiu na escuridão do pecado. E a humanidade caminhou no meio das trevas, no meio do perigo e caos, até que o próprio Deus enviou seu Filho ao mundo para iluminar nossas vidas. O menino Jesus veio para por um fim àquela longa noite espiritual. Não é de estranhar que o lugar do seu nascimento fora indicado por uma estrela, pois Ele é a estrela mais bela, a luz mais formosa, o mais belo dos homens.
Falar do Natal do Senhor é falar da beleza, do firmamento estrelado à beleza que envolve nossa vida quando Jesus nasce no meio dela ou quando nos deixamos iluminar por esta divina luz. Com Ele, a escuridão e o caos de nosso coração são transformados em amor, alegria e felicidade.
Essa experiência a viveu o decadente povo de Israel nos tempos do profeta Isaías (cf. Is 9,1-6). Nós como ele, vimos “uma grande luz” (Is 9,2). E a partir dela temos caminhado espiritualmente durante o tempo do Advento até chegar a esta noite, a Boa Noite, em que celebramos que “nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho” (Is 9,5), para dilatar nossa existência “com uma paz que não há de ter fim” (Is 9,6).
O poema de Isaías em sua beleza propõe o que não se pode tocar com as mãos, mas que sempre se sonha. Os profetas sempre são utópicos, mas realistas quando é necessário. Como canto de esperança e de alegria, é uma exortação à alegria. Para trás ficam muitas coisas da história de um povo: guerras e opressões, a busca de “deuses” que não tem olhos, nem coração. Há, pois, um horizonte de luz para o povo. A luz, portanto, se converte no sinal deste poema. A luz traz a vida, a salvação, e por isso, até a noite é bela, quando nela “há luz”.
A luz é, por outro lado, o sinal da grande libertação que o profeta propõe ao povo em nome de Deus. Libertação que fala da utopia da justiça; e com a justiça a paz “shalom”, essa palavra chave da Bíblia e de todo coração humano. A paz nunca pode acontecer sem justiça: é um bem “messiânico”. A tirania do opressor, sua vara, as botas dos soldados e os trajes manchados de sangue foram destruídos... (cf. Is 93-4) Quem faz tudo isto? “um menino”. O profeta, é óbvio não pensa no menino de Belém. Provavelmente se referia ao menino que seria depois o rei Ezequias. Nós, sem dúvida, somente podemos ler este poema a partir de Belém. É um dos privilégios da hermenêutica cristã. Temos todo o direito a isso, porque podemos ir mais além do poema e das circunstâncias históricas, A utopia se realiza na história concreta, humana: um menino, um filho, um de nós é quem pode trazer tudo isto. E isto na terra não se faz presente se Deus não intervém, se nós não lhe deixamos intervir: isso é Natal.
Nesta Noite de Paz compartilhamos juntos a Boa Notícia do nascimento do Salvador no meio do mundo. Ele se fez carne, um de nós, para encher de luz nossa existência, para dar pleno sentido a nossa vida. Ainda que às vezes parece que vivemos em uma “noite” escura e impenetrável e pensamos que nunca passará, que não poderemos vencê-la, que sempre seremos “treva”… a festa da Noite Boa nos diz que não há mal no mundo que não seja superável, que não há tristeza nem angústia que não se possa vencer, pois Deus nos enviou um Salvador cuja Palavra é iluminadora. Com o Nascimento do Filho de Deus o mundo recobra a visão. E o mesmo podemos dizer de nossa família, de nossa comunidade e de cada um de nós. É uma experiência semelhante à que teve aquele cego de Jericó que foi curado por Jesus (cf. Mc 10,46-52): a vida muda totalmente porque se enche de sentido, se enche de luz. O Natal não é só uma experiência pessoal é, sobretudo, uma experiência comunitária que celebramos junto à família e à comunidade eclesial. E temos de reconhecer que nem nossa família nem nossa comunidade são perfeitas. Há alguns momentos nos quais não são precisamente um exemplo para nada. Às vezes é melhor escondê-las “debaixo do alqueire ou debaixo da cama” (Mc 4,21), pois, mais que luz, transmite trevas...
“Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo. Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isso vos servirá de sinal. Encontrareis um recém-nascido, envolvido em faixas e deitado numa manjedoura”. (Lc 1, 10-12) anunciou os anjos aos pastores, dentro da noite escura.
Estamos ante o grande texto da noite de Natal (cf. Lc 2,1-14). O Natal se tem expressado sempre na “noite” por este relato. Lucas, seu criador, a cobriu de “luz” como escritor e como teólogo, talvez não tanto como historiador. Há muitas maneiras de ler e interpretar o que significa o nascimento de Jesus, o “Salvador, Messias e Senhor na cidade de Davi”; os três títulos que enchem de conteúdo o anúncio do céu. Haveria de dizer muitas coisas do ponto de vista exegético e narrativo, mas vamos nos deter ao essencial.
O evangelho que ilumina esta noite santa está construído em dois momentos: No primeiro (vv.1-5) se mostra a autoridade de “César”, dono do império, do mundo de então. Um decreto seu mobiliza os oprimidos e escravos de sua autoridade e de seu poder. Entre esses “submetidos” estavam Maria e José que têm que “por-se a caminho”, que é uma constante do evangelho de Lucas. Jesus antes de nascer vai caminhar, como quando sua mãe vai visitar Isabel. O que verdadeiramente nos deve chamar a atenção é como o ‘deus’ do mundo; Augusto era considerado divino, um deus, quer “recensear”, controlar, submeter, fazer pagar tributo todos os habitantes do mundo. E é isso o que pretende Lucas que se considere como causa de um acontecimento de graça e salvação: a visita de Deus aos que não tinham direito e liberdade e, pelo mesmo, ao mundo inteiro, em contraponto ao decreto e a autoridade do “deus” de Roma, que construiu um império sobre a escravidão e a injustiça.
O segundo momento (vv. 6-14) quer apresentar-nos ao Deus de verdade, segundo Lucas. As coisas vão ser bem diferentes: um grupo de pastores vão se converter nos “emissários”, vão dar voz ao projeto de Deus, o que é muito estranho. Os pastores não têm a autoridade de Quirino, nem há um “decreto” como na primeira parte, apenas uma “voz” celeste, a do anjo do Senhor e da glória que os envolve. Tudo é muito irreal pelo contraste que se representa. Podia-se ter escolhido emissários mais dignos do testemunho que haviam de dar.
Os pastores são gente considerada rude e marginal. O evangelista sugere, desta forma, que é para os pecadores que Jesus vem; por isso, a chegada de um tal “salvador” é uma “boa notícia”: a partir de agora, os pobres, os fracos, os pecadores, são convidados a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. A intencionalidade de Lucas, pois, é “kerygmática”; proclama que Deus, quando parece que tudo está perdido para os sem lei, sem direito e sem nome, tem uma palavra que diz e visita os seus.
Quando José e Maria não encontram “acolhida”, um lugar, uma casa, para dar a luz, o céu mostra que nada é impossível para Deus. O Salvador, o Messias e o Senhor nem sequer tem lugar na “cidade de Davi”. Qualquer letrado teria interpretado que a cidade de Davi era Jerusalém, mas os ignorantes pastores acertam com a outra cidade de Davi, a verdadeira, a primitiva, a que havia perdido sua história. No caso da tradição primitiva recolhida por Lucas é Belém.
Do céu se lhes dá um “sinal”: “um menino envolvido em faixas e deitado numa manjedoura”. Existe relação entre os títulos de quem nasceu: “Salvador, Messias e Senhor” com este sinal, mas só a percebe quem tem a alma e a consciência dos pastores e dos marginalizados, dos sem poder. Pois é aqui que se revela o extraordinário e a grandeza da Noite de Natal: trata-se de sinais muito humanos que fazem possível falar de uma “noite divino-humana”. Ninguém reconheceria a um personagem de tais títulos em um menino enrolado em cueiros, que é a primeira coisa que faz uma mãe quando dá à luz. Os ignorantes pastores não se equivocaram; o humano é verdadeiramente reconhecível. A história que começou desde a tirania de um decreto, Deus a transforma, por obra e graça de sua decisão salvífica, em uma história de libertação e de amor. Efetivamente, Natal se escreve com a mão do Deus vivo e verdadeiro que sai ao nosso encontro. “E Maria deu à luz o seu Filho."
O Natal é a festa do acolhimento, acolher Jesus, celebrar o seu nascimento é aceitar a proposta de amor de Deus, sua justiça e a paz que ele veio trazer à humanidade.
O Natal nos leva a perguntar-nos não uma pergunta geral, mas uma pergunta pessoal: para mim ou para você, quem é Jesus Cristo? Que se responda a esta pergunta não só na recitação de nosso credo, mas com o coração e, sobretudo, com a vida.
Se Jesus é tudo para mim: meu Deus, meu Salvador, meu modelo, meu tudo. Ou se Jesus Cristo é um homem extraordinário, o mais enigmático e grandioso homem, mais nada mais do que um homem, serei talvez um grande admirador de sua figura, tratarei de seguir sua vida moralmente exemplar, mas nunca cairei de joelhos diante dele em adoração, nem lhe invocarei como redentor, nem estarei disposto a dar minha vida por crer nele.
Além da festa do acolhimento o Natal é a festa da fé. Que esta celebração do Natal do Senhor reafirme nossa fé em “Jesus Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem”, em “Jesus Cristo redentor da humanidade”.
A simplicidade, pobreza e acolhimento eloquentes do presépio que hoje contemplamos, apresenta-nos a lógica de Deus que não é igual à nossa. A salvação de Deus não se manifesta nos grandes encontros internacionais onde os donos do mundo decidem o destino da humanidade, nem nos gabinetes ministeriais, nem nos salões onde se concentram as estrelas do mundo artístico, mas numa gruta de pastores onde brilha a fragilidade, a ternura, a simplicidade de um menino recém-nascido no colo de sua mãe. 
A presença libertadora de Jesus neste mundo é a “boa notícia” que devia encher de alegria e felicidade a todos nesta noite santa em todos os dias de nossas vidas, tornado-nos como os pastores, mensageiros e testemunhas de Jesus única esperança do mundo; reevangelizando um mundo que está em grande parte pagão. Mais do que nunca os cristãos somos responsáveis em reevangelizar ou cristianizar o Natal.
Não me basta reconhecer Jesus como Salvador do mundo, é necessário nos ensina o Natal, que eu o encontre como os pastores, o reconheça e o acolha como “meu Salvador”, algo que se pode experimentar e descobrir no cotidiano de nossas vidas.
Feliz Natal a Todos nossos paroquianos!

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