terça-feira, dezembro 06, 2011

Abramos caminhos para o Senhor


Padre José Assis Pereira Soares
Pároco de Fátima-  Campina Grande/PB

Há uma semana estamos vivendo o tempo litúrgico do Advento, período de abertura para o futuro e de preparação para o Natal do Senhor. “Preparai no deserto o caminho do Senhor.” Esta é a mensagem central deste tempo e que neste domingo com a imagem do “deserto” se repete insistentemente na Palavra de Deus proclamada; tanto na profecia de Isaías uma voz misteriosa grita no exílio Babilônico: “Abri um caminho para o Senhor”. Como no evangelho de São Marcos a voz de João Batista, o precursor do Messias também no deserto se faz ouvir: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.”
O deserto que rodeava Jerusalém obrigava a abrir caminhos para que algum personagem ou o próprio povo que subia para celebrar a páscoa naquela cidade santa, pudesse transitar mais facilmente. O profeta Isaías (cf. Is 40,1-5.9-11) nos recorda como faziam este trabalho: “seja entulhado todo vale, todo monte e toda colina sejam nivelados; transformem-se os lugares escarpados em planície, e as elevações, em largos vales.” (v. 4) Tudo se fazia para facilitar o encontro com o Senhor em Sião. O texto trata-se de um maravilhoso canto de consolação que o chamado “Segundo Isaías”, um continuador do grande Isaías do séc. VIII, lança em meio aos israelitas provados por décadas de amargo exilio na Babilônia.
O exílio havia atirado por terra todas as teologias e as seguranças religiosas que até então se haviam feito sobre o Deus de Israel. O profeta, se atreve, em meio àquela situação desesperada a animar os deportados a disporem-se para o caminho de volta  à terra mãe. Aproveitando um decreto de Ciro, rei dos Persas, que tendo conquistado a Babilônia em 539 dava aos deportados a liberdade e os autorizava a regressarem à sua terra. Este regresso é apresentado como um “novo êxodo”, uma nova libertação tão prodigiosa quanto a primeira, a do êxodo do Egito.
Na tradição bíblica o “deserto”, passa a ter um profundo significado simbólico. O “deserto” é o lugar do espírito, do silêncio interior e do recolhimento dos sentidos; e ainda o lugar ou o tempo de prova e purificação interior.
Vamos ao deserto para escutar a Palavra de Deus, de maneira completamente livre. Hoje mais do que nunca surge a necessidade do “deserto”, do silêncio interior e recolhimento dos sentidos, mediante a escuta e meditação da Palavra de Deus e oração assídua. Deserto como estado de espírito capaz de recriar o ambiente propício e favorável para a experiência do encontro com Deus e com a nossa própria dignidade e imagem de filhos e filhas de Deus, perdida quem sabe pela sedução do progresso científico e tecnológico, a propaganda de paraísos alucinantes do consumismo, onde reina o álcool e as drogas, o prazer, a sensualidade e o sexo, a doce e adormecedora inconsciência do pecado... Tudo isso requer “espaços” sejam eles interiores ou exteriores, de recuperação do sentido, dos princípios, dos valores e convicções do ser humano e cristão. O Advento é o espaço e tempo para abrir esse caminho.
No deserto sabemos que Deus não quer que alguém se perca, mas que todos se convertam. No deserto vemos com clareza que a espera da vinda do Senhor deve levar as pessoas a uma conduta santa, quer dizer, ao cumprimento perfeito da santa vontade de Deus. Só no "deserto" nos damos conta, como os judeus exilados na Babilônia séculos antes de Cristo, como nos apresenta a profecia de Isaías que vales precisam ser nivelados, colinas rebaixadas e caminhos tortos endireitados a fim de regressar outra vez à terra prometida. Uma ousada metáfora a ser aplicada às disposições interiores da liberdade da alma para que Deus possa entrar nela. 
“As palavras do Profeta nos convidam para preparar a estrada através da qual poderemos encaminhar-nos rumo à liberdade. Somos escravos das nossas paixões, dos nossos egoísmos, das nossas invejas, dos nossos rancores. O Senhor vem para libertar-nos, mas nós devemos preparar os caminhos. No mundo há povos que lutam um contra o outro; no mesmo povoado há pessoas que se odeiam, na mesma família o marido que nem sequer conversa com sua esposa. Entre essas pessoas que vivem numa constante discórdia há montanhas que devem ser abaixadas, há vales que devem ser aterrados, há estradas que devem ser abertas: entre pais e filhos, entre marido e mulher, entre parentes, entre vizinhos de casa. Os que se recusam a restabelecer as relações nunca serão libertados. Continuarão escravos dos próprios sentimentos mesquinhos.”  (Armellini, 1996.)           
Numa sociedade pluralista e secularizada a religião é uma opção entre muitas e se pode “viver livre” sem religião. Em geral, os levantamentos sociológicos indicam uma porcentagem em torno de 5% das pessoas que se declaram explicitamente pertencentes a um grupo religioso. Para as pessoas, viver de fé e viver a fé são coisas que no fundo pode se dispensar, sem graves inconvenientes. São tantos hoje os que fazem a descoberta, de certa maneira assombrosa, que é possível abandonar a fé e a prática religiosa sem que nada aconteça, sem sentir nenhuma consequência negativa que em tese deveria seguir-se a um passo tão grave. Essa é a experiência de muitos contemporâneos nossos. Não acontece nada: a fé é vista como algo que se pode prescindir. Nesta sociedade a religião é uma realidade desprezada e a atitude mais frequente é da indiferença religiosa de quem prescindi da religião.
Ante esta perda de sentido de Deus, da religião e do pecado. Ante esta crise não do cristianismo em si, mas da sua concreta realização histórica, hoje se requer ”espaços” e caminhos, sejam interiores ou exteriores, se pede para ser transformada esta realidade. A solução parece estar numa revisão profunda da identidade e da missão do cristianismo na nossa sociedade. Recuperação de princípios e valores verdadeiramente ético-cristãos. Um novo modelo de cristão, uma renovação da comunidade cristã e um mais convincente projeto de evangelização.
Em poucos versículos, na abertura do seu evangelho, Marcos (cf. Mc 1,1-8) faz uma esplêndida atualização da voz profética do Segundo Isaías: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus, conforme está escrito no livro do profeta Isaías: ‘Eis que envio meu mensageiro diante de ti a fim de preparar o teu caminho; voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, tornai retas suas veredas.” (vv 1-3) Marcos nos apresenta uma das grandes figuras da espiritualidade bíblica e do tempo do Advento e do Natal. João Batista, que “esteve no deserto proclamando um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados”. (v 4)
Consideremos apenas alguns detalhes da vida e da missão deste profeta, notemos o lugar que ele ocupa no projeto de Deus e porque ele é um modelo e símbolo para nós cristãos, da pessoa pronta para receber o “evangelho”, a boa nova do Messias.
“Em João encontramos as qualidades de quem está preparado para abraçar os novos tempos, a nova realidade dentro da história da salvação. Antes de tudo o desprendimento, manifestado na sobriedade do comer e do vestir (v. 6). Depois, a humildade diante das pessoas e do mistério de Jesus, manifestada na afirmação de não ser digno de ser seu escravo (v. 7). Desprendido e humilde, mas entusiasmado pela causa (vv. 4-5), verdadeiro profeta, isto é, alguém cheio de Deus e que fala de Deus.
Ao descrever a figura de João Batista, Marcos dá todos os traços dos grandes profetas. Ao dizer que o Batista se vestia com pele de camelo, o ligou imediatamente ao mais respeitado profeta do Antigo Testamento, Elias, que também se vestia assim (2Rs 1,7). Ao dizer que João andava com um cinto de couro à cintura, está dizendo que era um homem sóbrio, puro, atento à voz do Senhor, pronto a ir para onde Deus quisesse (Lc 12,35). O cinto fazia parte do modo de vestir-se dos profetas. Os gafanhotos, encontráveis também no deserto, eram considerados ‘animais puros’. Segundo antigas tradições, o gafanhoto, na sua debilidade, enfrenta as serpentes e chega  a matá-las. Por isso simbolizava a Palavra de Deus sempre humilde, mas uma força interna capaz de derrotar os demônios. O mel, também encontrável no deserto, é outro símbolo da palavra de Deus (Sl 19,11; 119,103, Ez 3,3). João Batista, portanto, se alimenta da Palavra de Deus e, com a força desse alimento, transmite ao povo a chegada daquele que é a Palavra de Deus encarnada, a Palavra eterna.” (Neotti, 2002.)  
O último dos profetas e precursor preparou com sua atividade a vinda de Jesus. Também para nós a Boa Notícia nos chega através de pessoas e acontecimentos bem concretos que nos indicam o caminho que leva a Jesus. Ao longo da história da minha vida, quem me indicou o caminho até Jesus? Terei eu sido um mensageiro das boas notícias e ajudado alguém a descobrir a Boa Notícia de Deus em sua vida?
“Hoje é o dia do ‘mensageiro da Alegria, das boas notícias’. Em hebraico seu nome é Mebasser ou Mebasseret. Mebasser era o próprio profeta que escreveu o texto, o Segundo Isaías, um profeta radicalmente distinto de outros; estes eram profetas de desventuras, mas o Mebasser é ‘profeta da Boa-Nova’, mensageiro da consolação... Em grego, o termo Mebasser se traduz por ‘evangelizador’. No evangelho deste dia, quem anuncia a Boa-Nova, o Evangelho, é João Batista. Impregnado desse Espírito, o autor da Segunda Carta de Pedro também se torna Mebasser e anuncia a chegada de um novo céu e uma nova terra; convida a acelerar esse acontecimento... Nós, esta grande comunidade mundial que é a Igreja Católica, temos o rosto de mulheres e homens da Boa-Nova? Somos portadores de uma mensagem alegre e esperançosa para os pobres da terra, os excluídos dos processos de transformação... os jovens indiferentes à fé, as novas gerações? Só sabemos condenar, ou, ao contrário, oferecemos alternativas, compreensão, caminhos de saída?” (Paredes, 2011.)
O melhor modo de viver o Advento de maneira ativa, hoje mais do que nunca, é sendo um Mebasser preparando a vinda do Senhor, endireitanto os caminhos tortuosos, evangelizando, abrindo caminhos para que este anúncio alegre chegue a todos: a nós os primeiros, a nossa família, ao nosso ambiente de trabalho, à nossa sociedade indiferente…  
“Há, contudo, uma coisa, amados, que não deveis ignorar; É que para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos como um dia. O Senhor não tarda a cumprir sua promessa, como pensam alguns, entendendo que há demora; o que ele está, é usando de paciência convosco, porque não quer que ninguém se perca, mas que todos venham a converter-se”. (vv 8-9)  O autor da segunda carta de São Pedro, um dos escritos mais tardios do Novo Testamento (cf. 2Pd 3,8-14); afirma que para Deus o tempo é relativo, da mesma maneira, a paciência de Deus conosco.  Portanto, o Advento é um tempo de esperança e uma boa oportunidade para aprendermos a crescer na paciência, a ter calma... a dar tempo ao tempo. O amor de Deus age lentamente, o tempo é o grande aliado de Deus. Saber esperar, confiando nas promessas de Deus e em sua Providência é uma grande sabedoria. 


Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Armellini, Fernando. Celebrando a Palavra, Ano B. São Paulo, Ave Maria, 1998.
Neotti, Clarêncio. Ministério da Palavra, comentários aos Evangelhos dominicais e festivos, Ano B. Petrópolis, Vozes, 2001
Paredes, José Cristo Rey García. Liturgia da Palavra comentada, Ano A.B.C. São Paulo, Ave Maria, 2011

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