quarta-feira, novembro 30, 2011

Esperar, vigiar e confiar, o Senhor vem!


É tempo de Advento. Para nós cristãos do séc. XXI o Advento não tem o significado que tem para a grande parte do povo judeu em sua espera pela vinda do Messias libertador. Tampouco é a mesma importância que davam as primeiras comunidades cristãs que esperavam de um momento para o outro a segunda vinda do Senhor. Os cristãos do século XXI não esperamos como algo iminente e definitivo o fim do mundo e o juízo universal. Que significa então para nós, o Advento? É um tempo litúrgico no qual preparamos e nos preparamos para celebrar, com a maior alegria possível o solene nascimento, o natal de nosso Senhor Jesus Cristo. Preparamos-nos espiritualmente enquanto limpamos e adornamos nossas casas e nossa morada interior e nos preparamos social e liturgicamente para que o Natal seja um tempo de alegria e paz. Percorremos esse tempo de espera na convicção profunda que algo novo deve abrir-se em nosso interior, para melhor receber o Filho de Deus.
Olhando tanto o interior de nossa vida como o exterior dos acontecimentos do mundo nos perguntamos. O que esperam as pessoas hoje? Sonham com algo além do transitório? O que esperamos da vida ou a quem esperamos? Onde mora a nossa esperança? Em cada etapa de nossa vida estamos a esperar algo: terminar os estudos, conseguir um trabalho, comprar a casa própria, conquistar alguém, educar os filhos, realizar um sonho... Nossa história pessoal e a própria história da humanidade é um Advento, um tempo de espera, um caminho até o futuro. Mas, há alguns que confessam que não sabem esperar ou já não esperam nada. Realmente, saber esperar não é fácil, em geral é um caminho difícil, porque a vida mesma e a espera são difíceis. Então, por que, em vez de sentir-se vagabundo e sem metas claras as pessoas não são capazes de saltar do sonho à esperança? Este tempo do Advento deve ser para nós um tempo de purificação interior, um tempo da educação à esperança: uma esperança alegre, vigorosa e teimosamente paciente; uma esperança que aceita a hora da provação e das demoras ou lentidão no crescimento do reino; uma esperança que confia no Senhor e liberta das impaciências subjetivistas.
Não queremos que o Advento seja apenas um tempo litúrgico e passageiro; queremos que o espírito do Advento encha e dinamize todo o tempo de nossas vidas. A alma do Advento tem sido e continuará sendo a esperança confiante na vinda do Senhor até nós. Ele já veio uma primeira vez e virá novamente. Nós, em pleno séc. XXI seguimos crendo que Deus quer vir visitar-nos e libertar-nos e esperamos que isto aconteça plena e definitivamente algum dia.
“O grande Advento, preparado, porém nunca merecido, aconteceu quando ‘a palavra se fez carne’, quando ‘Deus enviou seu Filho nascido de mulher’. Aquele Advento converteu o tempo histórico em ‘plenitude dos tempos’. Com Jesus nos foi dado tudo o que nosso Deus nos podia dar: ‘Tanto Deus amou o mundo, que lhe entregou seu filho único’. Todavia, aquele Advento não se concluiu, não foi suficientemente acolhido. O Filho de Deus é presença e ausência, promessa, encarnação e parúsia. Podemos dizer que nos encontramos em um advento continuado’. Este tempo que vamos celebrar não é um espaço para a futurologia, mas para a acolhida da graça surpreendente que nos chega. Será mais advento na medida da estranheza que nos invade diante do mistério que nos é dado. Quatro semanas, quatro domingos nos são concedidos para compreendermos a linguagem de Deus, que nos fala daquilo que nem o olho viu nem o ouvido ouviu...”(Paredes, 2011.)



A liturgia é uma forma de catequese que reúne o povo de Deus todos os dias em assembleia. A presença e a escuta dos textos sagrados na Liturgia da Palavra atualiza a fala de Deus ao seu povo. Esses ensinamentos, essa verdadeira catequese se faz de maneira especial nas missas dominicais, uma verdadeira escola dominical nas eucaristias do Dia do Senhor, sobretudo nos chamados tempos fortes, como o ciclo do Advento-Natal que ora iniciamos. A Liturgia da Palavra deste primeiro domingo do Advento tem uma oportuna continuidade com os textos do domingo anterior em que celebrávamos a solenidade de Cristo Rei. O conselho se repete: temos que estar vigilantes porque a vinda do Senhor está próxima. Na realidade, cada vez, que nas orações da missa dizemos “Vinde, Senhor Jesus!” ou “enquanto esperamos a vossa vinda!” rezamos a espera da segunda vinda de Jesus Redentor, a Parúsia, que ainda que esteja secreto o momento em que vai acontecer nem por isso é menos desejada e esperada pelos cristãos. E é, entre outras coisas, um dos maiores sonhos do cristão, encontrar-se em Jesus definitivamente.



O profeta Isaías (cf. Is 63,16-17;64,1.3-8) que depois do exílio da Babilônia conhece a crise de identidade de seu povo; Um povo que vive sem Deus, buscando simplesmente sobreviver, não tem perspectiva de futuro, porque perdeu a esperança. Colocando-se no lugar dos simples, o profeta nos oferece uma verdadeira profissão de fé, um “credo” sobre quem é Deus: “Tu Senhor, és nosso pai, nosso redentor: tal é teu nome desde a antiguidade. Por que fazes com que nos desviemos dos teus caminhos? Volta, por amor dos teus servos... Oxalá fendesses o céu e descesses... Tu és nosso pai, nós somos a argila e tu é nosso oleiro, todos nós somos obras de tuas mãos.”



É um dos poucos textos do Antigo Testamento que usa esta expressão para falar de Deus como “pai do povo”. Enquanto nas outras religiões os deuses mostram-se vingativos o Deus de Isaías tem entranhas de



misericórdia e age como um Pai e redentor e considera as pessoas como seus filhos e filhas ou revela-se como um paciente ceramista, um oleiro que sempre sabe criar algo novo para os seus. De agora em diante tendo a Deus como pai e redentor, nem importa mais sentir-se como o barro nas mãos do ceramista, porque de suas mãos sempre sai um vaso novo. Cada dia devemos pedir ao Senhor que venha a nós nos restaure e faça de nós um vaso novo.



“Oxalá fendesses o céu e descesses.” Efetivamente Deus não fica em seu céu, mas desceu para ser um de nós, para experimentar essa aventura humana. Este Deus veio, isto aconteceu na realidade, no séc. I com Jesus de Nazaré, o profeta novo da Galiléia, desde então, começa a contar-se uma nova história. Mas, séculos antes, profetas como o chamado terceiro Isaías, o intuíram como se o estivessem vendo com seus olhos.



Hoje estreamos o ciclo litúrgico do evangelho de São Marcos, que nos presidirá e nos ensinará durante este ano com um trecho do chamado “discurso escatológico” (cf. Mc 13,33-37) que fala das coisas que se referem ao final da vida e dos tempos. É um texto difícil, que emprega imagens e linguagem marcada pelas alusões enigmáticas, bem ao jeito do gênero literário “apocalipse”. É um discurso que não corresponde exatamente à ideia que Jesus tinha sobre o fim do mundo ou sobre a consumação da história. É bastante aceito pelos estudiosos que se trata de um discurso elaborado posteriormente, sobre uma “tradição” de Jesus, em situações de crise das comunidades cristãs acontecidas no tempo do imperador Calígula. Aqui o evangelista, se vale da “parábola do porteiro”. Um homem que partindo em viagem, distribuiu tarefas aos seus servos e mandou ao porteiro que vigiasse a sua casa até que ele volte.



Estamos no final do discurso escatológico e se vê que é uma espécie de consequência que tira o redator do evangelho, da tradição que lhe havia chegado. A raiz dos acontecimentos que gerou a então “crise de Calígula” é que ele mandou fazer um altar a Zeus no templo de Jerusalém. Para os judeus e os judeu-cristãos isso motivou certa resistência dos oprimidos frente ao poder do romano, o que resultou numa interpretação religiosa ou apocalíptica da história, como é normal em momentos de crise ou em situações impossíveis de dominar do ponto de vista social e político ou ainda quando não é uma catástrofe natural. O fato que não se pode assegurar o dia e a hora põe em evidência aos grupos sectários que as pintam muito bem para meter medo nas pessoas. A linguagem apocalíptica, que não era a própria de Jesus, se converte para alguns na panacéia da interpretação religiosa nos momentos de crise e de identidade. Hoje, sem dúvida, devemos interpretar o texto apocalíptico em coerência com a ideia que Jesus tinha de Deus e de sua ação salvadora. A palavra-chave deste evangelho é: “vigilância”. O que isto significa?



A vigilância é atitude fundamental para o cristão. O evangelho insiste: “Vigiai...” Por que vigiar? A primeira razão é nossa confiança em Deus. Essa confiança é a fé. Confiamos porque cremos. Vigiamos porque confiamos, confiamos porque vemos e cremos, porque somos pessoas de esperança, porque não nos conformamos, nem queremos deixar as coisas como estão. Vigiar é, portanto, no fundo, esperar, mas uma espera ativa, dinâmica, operosa, uma espera de conversão, conscientes de nossas faltas, de nossos vacilos para que não aconteça que o Senhor venha inesperadamente e nos encontre dormindo.



Se aplicarmos isso à situação atual, à nossa realidade, necessitamos um Advento para que se faça presente uma nova realidade. Vigiar é viver atentos à realidade. Pois essa vigilância não significa viver à margem da história num angelismo alienante evitando comprometer-se com as realidades conflitivas do mundo. Escutar os gemidos dos que sofrem. Sentir o amor de Deus à vida. Viver mais atentos à sua vinda, à nossa vida, a nossa sociedade e a terra inteira. Sem esta sensibilidade, não se segue Jesus.
Nossa vigilância passa pela oração e por uma escuta atenta da Palavra de Deus, uma vivência ativa dos Sacramentos e um exercício prático da caridade ou solidariedade ante os irmãos que mais sofrem. Vigilância cristã e não cálculos matemáticos ou a precisão informática de nosso final. Vigiar é tão importante como saber viver com dignidade e com esperança. Falar da “segunda” vinda do Senhor hoje não teria muito sentido se não a entendemos como um encontro a nível pessoal e de toda a humanidade com aquele que deu sentido à historia; um encontro e uma consumação, porque este mundo criado por Deus e remido por Jesus Cristo não acabará no vazio. Deus, por Jesus Cristo, consumará a história. É isto o que temos que esperar e o Advento deve criar em nós a fonte dessa esperança cristã: tudo acabará bem, nas mãos de Deus.



Que bom seria que o Apóstolo Paulo pudesse dizer de cada um de nós e de nossa comunidade cristã o que ele disse à comunidade de Corinto, no prólogo da sua carta (cf. 1Cor 1,3-9). Na espera da vinda do Senhor dizia o apóstolo, não se pode perder a dimensão essencial da fé e não esquecer que o mais importante, é viver a vida de Jesus Cristo, isto é, ter seus sentimentos. Por isso desejo a todos: “graça e paz a vós da parte de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo!... Pois fostes nele cumulados de todas as riquezas, todas as das palavras e todas as do conhecimento... e ele também vos fortalecerá até o fim, para que sejais irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo.”





Bibliografia:



Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.



Paredes, José Cristo Rey García. Liturgia da Palavra comentada, Ano A.B.C. São Paulo, Ave Maria, 2011

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