Depois da
parábola dos trabalhadores enviados à vinha (cf. Mt 20,1-16), Mateus segue com
a mesma temática dos últimos domingos. Jesus conta a “parábola do pai e seus
dois filhos” (cf. Mt 21,28-32). De novo neste domingo a imagem da vinha aparece
e o mesmo convite, agora feito por um pai a seus filhos: “Filho, vai trabalhar
hoje na vinha.” (Mt 21,28) As respostas são diferentes, um filho disse ‘sim’ e
depois não foi trabalhar; o outro disse ‘não’, mas depois pensa na palavra do
pai e vai trabalhar na vinha. Cada um de nós está representado em um desses
dois filhos. Ou talvez, temos algo dos dois. São duas atitudes que podem se dar
em nós, e que se dava entre os judeus contemporâneos de Jesus. Aliás, eles até
pensavam que Israel fosse o filho único de Deus. Na vida frequentemente nos
equivocamos, por isso é muito importante saber ratificar a tempo. O bom filho
da parábola foi o que soube corrigir-se a tempo, porque foi este o que escutou
e fez a vontade do pai, o que de fato obedeceu. As atitudes são mais decisivas
e mais eficazes que as palavras que não se traduzem em atos. O que o pai pedia
a seus dois filhos é que fossem trabalhar na sua vinha: só o filho que
trabalhou cumpriu a vontade do pai. O que disse e não fez é mentiroso e
hipócrita.
Com o capítulo 21
se abre uma importante parte no evangelho de São Mateus. Ao se aproximar de
Jerusalém, começa o momento em que chega ao cume a vida e o ensinamento de
Jesus. Aí Mateus sublinha de modo especial o conflito de Jesus com os
dirigentes do povo. Depois da expulsão dos vendedores do templo (cf. Mt
21,12-17) se abre uma série de controvérsias sobre a autoridade de Jesus
ilustradas pela parábola dos “dois filhos”. As tensões entre Jesus e os
dirigentes do povo vão aumentando, as hostilidades irão crescendo até
desembocar na decisão deles de prendê-lo e eliminá-lo.
A parábola dos
dois filhos nos põe na pista dessa afirmação tão desconcertante de Jesus: “Em
verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de
Deus.” (Mt 21,31) Não por serem publicanos ou prostitutas, é óbvio, mas
precisamente porque escutaram o profeta João Batista e se converteram. Os
dirigentes do povo, no entanto, escutaram também a João, mas não creram nele
nem se converteram.
O profeta
Ezequiel não está de acordo com o pensamento e a atitude de muitos judeus do
seu tempo que atribuíam os males que sofriam aos pecados praticados por seus
antepassados. O profeta (cf. Ez 18,25-28) não se cansa de sublinhar a
responsabilidade individual e a necessidade e o valor da conversão individual e
lhes diz, em nome de Deus, que cada um é responsável pelo que ele mesmo fez e
que Deus julgará a cada um segundo suas próprias obras. O pecador que se
arrepender e se converter da maldade que fez e praticar o direito e a justiça
“certamente viverá e não morrerá” (Ez 18,28). O pecado estrutural certamente
existe, mas cada um se salva ou se condena pelo que ele mesmo faz ou deixa de
fazer.
“Os publicanos e
as prostitutas vos precederão no Reino de Deus.” Para a compreensão desta
palavra é necessário recorrer ao itinerário completo das manifestações da
misericórdia de Deus através de Jesus. Sabemos pelo relato evangélico que Jesus
compartilha a mesa com os pecadores e convive com eles. Este comportamento era
escandaloso para os piedosos fariseus. Mas, certamente todos aqueles gestos e
encontros de Jesus com os necessitados de perdão e de reabilitação terminavam
com uma mesma exortação: “Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não
peques mais” (Jo 8,11). O que é realmente paradoxal é seu comportamento que
rompia com as regras mais elementares de uma convivência e um comportamento
considerado correto em Israel. Mas Jesus agia com seu estilo desconcertante,
mas libertador. Era necessário oferecer ao mundo a verdadeira face do Pai. E
seu Pai é assim, sente profundamente a situação de seus filhos e filhas
extraviados e quer atraí-los à sua misericórdia amorosa, para que sejam
felizes.
A parábola põe a
descoberto a falta de compromisso dos interlocutores de Jesus, escribas e
sacerdotes e nos mostra também como os que eram considerados pecadores pelo
aparato religioso judaico eram na realidade, os únicos atentos ao chamado à
conversão. Esta não é assunto de solenes pregações ou longos retiros
espirituais, mas um chamado inadiável à fraternidade porque todos somos filhos
e filhas queridos deste mesmo Pai, cercados do seu carinho e possuidores do seu
Espírito.
As palavras de
Jesus feriram profundamente a sensibilidade religiosa das autoridades judaicas
que se consideravam autênticos homens de fé, profundamente obedientes a Deus.
Por que Jesus colocava diante deles o testemunho daquelas pessoas que eles
consideravam uma mancha social: os publicanos e as prostitutas? “No tempo de
Jesus, os escribas e fariseus eram altamente considerados. A par dos puros
sacerdotes e dos anciãos, eles eram líderes religiosos que sabiam o que
agradava ou não a Deus. Os publicanos ou cobradores de impostos, pelo seu lado
eram universalmente odiados e tratados como marginais na sociedade de então. O
sistema de cobrança de impostos era profundamente injusto. Os pobres eram
implacavelmente espoliados por um triplo imposto: o imposto romano, o imposto
de Herodes e o imposto do templo. Mas quem acabava com a ira e com a rejeição
do povo eram aqueles que tinham por função a cobrança de impostos. Estes
certamente, muitas vezes exploravam a situação para seu próprio benefício.
Jesus, porém, nutria uma certa simpatia e compreensão por esses homens que, tal
como as prostitutas, eram sempre considerados culpados. Contra tudo o que se
poderia esperar, Jesus decidiu ficar na casa de Zaqueu, o ignominioso cobrador
de impostos de Jericó (cf. Lc 19,1-10). Sabendo que toda a gente pressupunha
que os lideres religiosos, como os escribas e os fariseus, os sumos sacerdotes
e os anciãos, seriam os primeiros a ser aceitos no Reino de Deus, Jesus
atreveu-se a contrapor-se afirmando que as prostitutas e os publicanos
entrariam no novo mundo de Deus na frente dos líderes religiosos (Mt 21,31)
isso deve ter deitado por terra os conceitos de quase todo mundo, incluindo as
próprias prostitutas e os cobradores de impostos.” (Nolan, 2008.)
Jesus radicaliza.
Espontaneamente pensemos em Levi-Mateus (cf. Mt 9, 9-13) e Zaqueu (cf. Lc
19,2-10) cobradores de impostos e na adúltera (cf. Jo 8,2-11) ou na mulher (cf.
Mc 14,3-9) que se lança aos pés de Jesus e derrama cheia de amor sobre ele um
frasco de perfume, no jantar na casa de Simão. Ela entrou muito mais no Reino
que os aristocratas que lhe ofereceram o jantar. A viúva indigente que lançava
duas moedinhas no tesouro do templo (cf. Lc 21,1-4) está muito mais
comprometida com o Reino de Deus que o rico religioso que faz uma grande doação
com grande alarde disso. Alguém já disse que nos publicanos e prostitutas
talvez Jesus visse um coração mais aberto a Deus e ao perdão, mais humildade e
consciência do próprio pecado e menos orgulho que nos escribas e sacerdotes. Ao
final da vida o que importa será escutar o desconcertante e questionador
veredicto de Jesus: “O que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a
mim o fizestes.” (Mt 25,40)
Quem são hoje os
publicanos e prostitutas a quem devemos dar preferência em nossa ação pastoral?
Quem são esses pobres que como dizia Dom Oscar Romero, Arcebispo de San
Salvador, assassinado em 1980: “Me ensinaram como ler o Evangelho”? “Cabe aos
cristãos de hoje, discípulos e discípulas, missionários, seguidores do
Ressuscitado, voltar constantemente a Jesus de Nazaré, para prosseguir a sua
prática e, na força de seu Espírito, perguntarem-se sempre quem são os pobres
de hoje com quem Jesus se identifica e pelos quais são chamados a optar.”
(Ribeiro, 2011.)
Já nos
acostumamos a que no dia a dia de nossas paróquias e igrejas centenas de
pessoas de todas as idades sejam batizadas, recebam a Eucaristia, sejam
crismadas, celebrem seu matrimônio, participem das festas dos santos padroeiros
ou participem de encontros e retiros espirituais... todos professem sua fé com
os lábios e até com certa emoção mas, quantas dessas pessoas perseveram em
torno de nós participando efetivamente da comunidade eclesial? Quantas dessas
pessoas estão comprometidas, engajadas e inseridas na construção de um mundo
melhor, na prática da justiça e do amor?
Teólogos e
pastoralistas já disseram à exaustão, sobretudo nos últimos anos, que não há
verdadeira evangelização se só ficarmos no anúncio, na pregação de uns valores
evangélicos e não promovermos o discipulado ou seguimento de Jesus, construindo
comunidades comprometidas com os valores de Jesus na opção pelos mais pobres. E
isso é valido para nossas paróquias, comunidades religiosas tradicionais ou
novas, colégios ou instituições assistenciais católicas ou movimentos cristãos.
O sentido da parábola dos dois filhos é claro: o importante não é falar, mas
fazer. E o fazer se experimenta no interior de uma comunidade cristã e não no
individualismo como “franco-atiradores”; no compromisso com melhorar o mundo
que nos rodeia com nossas ações concretas. Nossa fé não é um livro de práticas,
mas o estilo de vida de uma pessoa: Jesus de Nazaré. Ele é nosso “manual”, o
modelo a seguir. Crer em Deus é viver como Jesus. É ter, como disse o Apóstolo
Paulo: “o mesmo sentimento de Cristo Jesus” (Fl 2,5). Não se trata tanto de
saber-se a teoria, quanto de agir conforme ela. Está claro que temos que
conhecer a teoria para poder pô-la em prática. Mas ao final das contas o que
importa é agir.
Que não
professemos nossa fé, nem assumamos nossos compromissos apenas com meras
palavras. Que não sejamos como o segundo filho que disse: “sim”, mas não foi.
Que acolhamos com alegria o convite de Jesus: “Filho vá hoje trabalhar na minha
vinha.”
Bibliografia:
Textos e referências
bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Nolan, Albert. Jesus
hoje, uma espiritualidade da liberdade radical. São Paulo, Paulinas, 2008
Ribeiro
de Oliveira, Pedro. (org.) Opção pelos pobres no século XXI. São Paulo,
Paulinas, 2011
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