domingo, setembro 25, 2011

O importante não é falar, mas fazer.


O importante não é falar, mas fazer.

Depois da parábola dos trabalhadores enviados à vinha (cf. Mt 20,1-16), Mateus segue com a mesma temática dos últimos domingos. Jesus conta a “parábola do pai e seus dois filhos” (cf. Mt 21,28-32). De novo neste domingo a imagem da vinha aparece e o mesmo convite, agora feito por um pai a seus filhos: “Filho, vai trabalhar hoje na vinha.” (Mt 21,28) As respostas são diferentes, um filho disse ‘sim’ e depois não foi trabalhar; o outro disse ‘não’, mas depois pensa na palavra do pai e vai trabalhar na vinha. Cada um de nós está representado em um desses dois filhos. Ou talvez, temos algo dos dois. São duas atitudes que podem se dar em nós, e que se dava entre os judeus contemporâneos de Jesus. Aliás, eles até pensavam que Israel fosse o filho único de Deus. Na vida frequentemente nos equivocamos, por isso é muito importante saber ratificar a tempo. O bom filho da parábola foi o que soube corrigir-se a tempo, porque foi este o que escutou e fez a vontade do pai, o que de fato obedeceu. As atitudes são mais decisivas e mais eficazes que as palavras que não se traduzem em atos. O que o pai pedia a seus dois filhos é que fossem trabalhar na sua vinha: só o filho que trabalhou cumpriu a vontade do pai. O que disse e não fez é mentiroso e hipócrita.
Com o capítulo 21 se abre uma importante parte no evangelho de São Mateus. Ao se aproximar de Jerusalém, começa o momento em que chega ao cume a vida e o ensinamento de Jesus. Aí Mateus sublinha de modo especial o conflito de Jesus com os dirigentes do povo. Depois da expulsão dos vendedores do templo (cf. Mt 21,12-17) se abre uma série de controvérsias sobre a autoridade de Jesus ilustradas pela parábola dos “dois filhos”. As tensões entre Jesus e os dirigentes do povo vão aumentando, as hostilidades irão crescendo até desembocar na decisão deles de prendê-lo e eliminá-lo.
A parábola dos dois filhos nos põe na pista dessa afirmação tão desconcertante de Jesus: “Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus.” (Mt 21,31) Não por serem publicanos ou prostitutas, é óbvio, mas precisamente porque escutaram o profeta João Batista e se converteram. Os dirigentes do povo, no entanto, escutaram também a João, mas não creram nele nem se converteram.
O profeta Ezequiel não está de acordo com o pensamento e a atitude de muitos judeus do seu tempo que atribuíam os males que sofriam aos pecados praticados por seus antepassados. O profeta (cf. Ez 18,25-28) não se cansa de sublinhar a responsabilidade individual e a necessidade e o valor da conversão individual e lhes diz, em nome de Deus, que cada um é responsável pelo que ele mesmo fez e que Deus julgará a cada um segundo suas próprias obras. O pecador que se arrepender e se converter da maldade que fez e praticar o direito e a justiça “certamente viverá e não morrerá” (Ez 18,28). O pecado estrutural certamente existe, mas cada um se salva ou se condena pelo que ele mesmo faz ou deixa de fazer.
“Os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus.” Para a compreensão desta palavra é necessário recorrer ao itinerário completo das manifestações da misericórdia de Deus através de Jesus. Sabemos pelo relato evangélico que Jesus compartilha a mesa com os pecadores e convive com eles. Este comportamento era escandaloso para os piedosos fariseus. Mas, certamente todos aqueles gestos e encontros de Jesus com os necessitados de perdão e de reabilitação terminavam com uma mesma exortação: “Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,11). O que é realmente paradoxal é seu comportamento que rompia com as regras mais elementares de uma convivência e um comportamento considerado correto em Israel. Mas Jesus agia com seu estilo desconcertante, mas libertador. Era necessário oferecer ao mundo a verdadeira face do Pai. E seu Pai é assim, sente profundamente a situação de seus filhos e filhas extraviados e quer atraí-los à sua misericórdia amorosa, para que sejam felizes.
A parábola põe a descoberto a falta de compromisso dos interlocutores de Jesus, escribas e sacerdotes e nos mostra também como os que eram considerados pecadores pelo aparato religioso judaico eram na realidade, os únicos atentos ao chamado à conversão. Esta não é assunto de solenes pregações ou longos retiros espirituais, mas um chamado inadiável à fraternidade porque todos somos filhos e filhas queridos deste mesmo Pai, cercados do seu carinho e possuidores do seu Espírito.
As palavras de Jesus feriram profundamente a sensibilidade religiosa das autoridades judaicas que se consideravam autênticos homens de fé, profundamente obedientes a Deus. Por que Jesus colocava diante deles o testemunho daquelas pessoas que eles consideravam uma mancha social: os publicanos e as prostitutas? “No tempo de Jesus, os escribas e fariseus eram altamente considerados. A par dos puros sacerdotes e dos anciãos, eles eram líderes religiosos que sabiam o que agradava ou não a Deus. Os publicanos ou cobradores de impostos, pelo seu lado eram universalmente odiados e tratados como marginais na sociedade de então. O sistema de cobrança de impostos era profundamente injusto. Os pobres eram implacavelmente espoliados por um triplo imposto: o imposto romano, o imposto de Herodes e o imposto do templo. Mas quem acabava com a ira e com a rejeição do povo eram aqueles que tinham por função a cobrança de impostos. Estes certamente, muitas vezes exploravam a situação para seu próprio benefício. Jesus, porém, nutria uma certa simpatia e compreensão por esses homens que, tal como as prostitutas, eram sempre considerados culpados. Contra tudo o que se poderia esperar, Jesus decidiu ficar na casa de Zaqueu, o ignominioso cobrador de impostos de Jericó (cf. Lc 19,1-10). Sabendo que toda a gente pressupunha que os lideres religiosos, como os escribas e os fariseus, os sumos sacerdotes e os anciãos, seriam os primeiros a ser aceitos no Reino de Deus, Jesus atreveu-se a contrapor-se afirmando que as prostitutas e os publicanos entrariam no novo mundo de Deus na frente dos líderes religiosos (Mt 21,31) isso deve ter deitado por terra os conceitos de quase todo mundo, incluindo as próprias prostitutas e os cobradores de impostos.” (Nolan, 2008.)   
Jesus radicaliza. Espontaneamente pensemos em Levi-Mateus (cf. Mt 9, 9-13) e Zaqueu (cf. Lc 19,2-10) cobradores de impostos e na adúltera (cf. Jo 8,2-11) ou na mulher (cf. Mc 14,3-9) que se lança aos pés de Jesus e derrama cheia de amor sobre ele um frasco de perfume, no jantar na casa de Simão. Ela entrou muito mais no Reino que os aristocratas que lhe ofereceram o jantar. A viúva indigente que lançava duas moedinhas no tesouro do templo (cf. Lc 21,1-4) está muito mais comprometida com o Reino de Deus que o rico religioso que faz uma grande doação com grande alarde disso. Alguém já disse que nos publicanos e prostitutas talvez Jesus visse um coração mais aberto a Deus e ao perdão, mais humildade e consciência do próprio pecado e menos orgulho que nos escribas e sacerdotes. Ao final da vida o que importa será escutar o desconcertante e questionador veredicto de Jesus: “O que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.” (Mt 25,40)
Quem são hoje os publicanos e prostitutas a quem devemos dar preferência em nossa ação pastoral? Quem são esses pobres que como dizia Dom Oscar Romero, Arcebispo de San Salvador, assassinado em 1980: “Me ensinaram como ler o Evangelho”? “Cabe aos cristãos de hoje, discípulos e discípulas, missionários, seguidores do Ressuscitado, voltar constantemente a Jesus de Nazaré, para prosseguir a sua prática e, na força de seu Espírito, perguntarem-se sempre quem são os pobres de hoje com quem Jesus se identifica e pelos quais são chamados a optar.” (Ribeiro, 2011.)
Já nos acostumamos a que no dia a dia de nossas paróquias e igrejas centenas de pessoas de todas as idades sejam batizadas, recebam a Eucaristia, sejam crismadas, celebrem seu matrimônio, participem das festas dos santos padroeiros ou participem de encontros e retiros espirituais... todos professem sua fé com os lábios e até com certa emoção mas, quantas dessas pessoas perseveram em torno de nós participando efetivamente da comunidade eclesial? Quantas dessas pessoas estão comprometidas, engajadas e inseridas na construção de um mundo melhor, na prática da justiça e do amor?
Teólogos e pastoralistas já disseram à exaustão, sobretudo nos últimos anos, que não há verdadeira evangelização se só ficarmos no anúncio, na pregação de uns valores evangélicos e não promovermos o discipulado ou seguimento de Jesus, construindo comunidades comprometidas com os valores de Jesus na opção pelos mais pobres. E isso é valido para nossas paróquias, comunidades religiosas tradicionais ou novas, colégios ou instituições assistenciais católicas ou movimentos cristãos. O sentido da parábola dos dois filhos é claro: o importante não é falar, mas fazer. E o fazer se experimenta no interior de uma comunidade cristã e não no individualismo como “franco-atiradores”; no compromisso com melhorar o mundo que nos rodeia com nossas ações concretas. Nossa fé não é um livro de práticas, mas o estilo de vida de uma pessoa: Jesus de Nazaré. Ele é nosso “manual”, o modelo a seguir. Crer em Deus é viver como Jesus. É ter, como disse o Apóstolo Paulo: “o mesmo sentimento de Cristo Jesus” (Fl 2,5). Não se trata tanto de saber-se a teoria, quanto de agir conforme ela. Está claro que temos que conhecer a teoria para poder pô-la em prática. Mas ao final das contas o que importa é agir.
Que não professemos nossa fé, nem assumamos nossos compromissos apenas com meras palavras. Que não sejamos como o segundo filho que disse: “sim”, mas não foi. Que acolhamos com alegria o convite de Jesus: “Filho vá hoje trabalhar na minha vinha.”

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Nolan, Albert. Jesus hoje, uma espiritualidade da liberdade radical. São Paulo, Paulinas, 2008
Ribeiro de Oliveira, Pedro. (org.) Opção pelos pobres no século XXI. São Paulo, Paulinas, 2011

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