domingo, julho 03, 2011

São Pedro e São Paulo, uma só fé e o mesmo testemunho

Padre José Assis Pereira Soares
Paróquia Nossa Senhora de Fátima
Campina Grande - Paraíba
Grande dia de festa para a Igreja, celebramos a solenidade litúrgica de dois grandes santos mártires, duas verdadeiras colunas da Igreja: Pedro, pedra sobre a qual Cristo edificou a sua Igreja e Paulo Apóstolo das nações, mensageiro do evangelho aos povos pagãos. “A vitória da morte os uniu, como irmãos consagrados no sangue, verdadeira oblação; pela fé coroados, ao Senhor louvarão.” (Liturgia das Horas)
São Pedro e São Paulo tinham personalidades distintas, mas os dois foram fieis seguidores do Mestre, desde o momento em que se convenceram de que Jesus era o verdadeiro Messias, enviado por Deus. Os dois professaram a mesma fé, mas cada um viveu sua experiência em conformidade com seu temperamento, com suas convicções e com seus sentimentos mais profundos. “Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação. Por diferentes meios, os dois congregaram a única família de Cristo e unidos pela coroa do martírio, recebem hoje, por toda a terra, igual veneração”. (Missal Romano - Prefácio da Missa)
Pedro era mais primitivo, mais inculto, mais titubeante em suas convicções, mas foi sempre sincero, espontâneo, disposto a reconhecer e até chorar seus erros no momento mesmo em que os reconheceu. Deus mesmo lhe revelou que Jesus era o Messias, o Filho do Deus vivo. O Mestre fez dele pedra e fundamento de sua Igreja. Paulo era mais culto, mais seguro de si mesmo, mais iluminado, mais batalhador. Deus mesmo lhe revelou que Jesus era o verdadeiro Messias, nosso único Salvador. O Mestre, mediante revelação particular, lhe enviou a pregar seu evangelho aos gentios, a anunciar a superioridade da fé em Jesus sobre a Lei de Moisés e os profetas. Os dois, apesar de suas diferenças, são pedras vivas e fundamentais na edificação da Igreja de Cristo.
O livro dos Atos dos Apóstolos (cf. At 12,1-11) nos relata o início das perseguições aos cristãos. “O rei Herodes começou a tomar medidas visando maltratar alguns membros da Igreja. Assim mandou matar a espada Tiago, irmão de João. E, vendo que isto agradava aos judeus, mandou prender também Pedro.” (At 12,1-3) Não tinha o Apóstolo motivos para confiar em Herodes, que acabava de mandar matar Tiago. O mais provável era que com ele fizesse o mesmo. “Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja fazia ardentemente oração a Deus, em favor dele.” (At 12,5) O Apóstolo não podia crer no que via, ante a presença do “Anjo do Senhor”, as correntes se soltaram e recebeu a ordem: “‘Levanta-te depressa!’. Disse-lhe ainda: ‘Cinge-te e calça as sandálias’. E ele o fez. Disse-lhe mais. ‘Envolve-te no manto e segue-me’. Pedro saiu e foi seguindo-o, mas não sabia se era verdade o que estava acontecendo por meio do Anjo: parecia-lhe antes uma visão.” (At 12, 7-9) Pedro obedece sem saber aonde vai, só quando o anjo lhe acompanhou até a porta da casa onde a Igreja orava por ele, se deu conta da realidade. “Agora sei realmente que o Senhor enviou o seu Anjo, livrando-me das mãos de Herodes.” (At 12, 11) Deus o tirou das mãos de Herodes. Neste momento, emerge de sua consciência sua fé profunda no Messias salvador e se dá conta, alvoroçado, de que foi ele mesmo, por meio de um anjo, que o libertou. Pedro tinha que provar as cadeias para depois, com verdadeira liberdade anunciar a liberdade conquistada por Cristo para a humanidade. O encontro com ele nos dá a autêntica e verdadeira liberdade.
É provável que muitos de nós em mais de uma ocasião nos achamos perdidos e alguém, algum anjo, nos tenha salvado. É bom reconhecer a mão de Deus em nossa vida, mão poderosa que tem feito possível o que a nós nos parecia humanamente impossível. Certos de que cada um de nós tem seu anjo que o guarda. O Senhor seguirá livrando-nos de todo mal.
Desde o momento mesmo de sua conversão o Apóstolo Paulo foi um homem sem medos. Estava seguro que Deus estava com ele e, tendo Deus a seu lado, a quem iria temer? É esta segurança na mão protetora de Deus que permite a Paulo assumir riscos e dificuldades em sua missão de evangelizar, sem medos. É assombrosa a serenidade e a coragem com que Paulo, fiando-se em Deus, enfrenta em muitas ocasiões dificuldades que pareciam insuperáveis. Que grande lição para nós que com muita frequência vamos pela vida, vacilantes, tímidos, com a alma cheia de angústias e temores!
Ao final de sua vida Paulo tem consciência de ter sido fiel: “Eu já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. Combati o bom combate, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça”. (2Tm 4, 6-8) O Apóstolo levou a mensagem de Cristo em toda sua integridade, combateu, lutou, correu até alcançar a meta, agora espera a justa recompensa, que Cristo dá a quantos lhe seguem e proclamam sua verdade no mundo.
A vida do Apóstolo Paulo foi entrega total a Cristo, ao evangelho. Sofreu cadeias, perseguições, torturas, tudo por proclamar a mensagem, até os últimos rincões da terra. Agora ancião, sabe que lhe resta pouco tempo de vida. Em Roma lhe espera o martírio, mas não tem medo, por isso declara: “O Senhor esteve ao meu lado e me deu forças, ele fez com que a mensagem fosse anunciada por mim integralmente, e ouvida por todas as nações; e eu fui libertado da boca do leão. O Senhor me libertará de todo mal e me salvará”. (2Tm 4, 17-18) Aprendamos deste grande Apóstolo: todo cristão é chamado a proclamar o evangelho, muitas vezes isso será motivo de perseguição. Hoje também alguém é perseguido por ser cristão, 75% dos que são perseguidos por motivos religiosos são cristãos, mas não tenhamos medo, como Paulo nos espera o encontro com Cristo. 
Pois bem, o que quero agora dizer é que cada um de nós somos diferentes e devemos viver nossa fé, uma mesma fé, de acordo com nosso próprio temperamento, com nossas próprias convicções, com nossa própria maneira de sentir e de amar a Deus e ao próximo. A fé cristã, evidentemente, é uma e única, mas a vivência e a expressão dessa fé será sempre pessoal e intransferível. Ainda que nossa profissão de fé se faça dentro de uma mesma Igreja e dentro de uma mesma comunidade cristã. Deus é um e único, mas cada um de nós nos relacionamos com ele de forma particular. O importante é que não percamos nunca a fé profunda e fundamental de Pedro e a fé católica e universal de Paulo. E que sejamos sempre respeitosos com a fé dos outros.
No Evangelho (cf. Mt 16, 13-19) São Mateus indica que, a pouco tempo do seu chamamento, Pedro ratificou ante os Doze sua adesão ao Senhor. Ocorreu em Cesareia de Filipe, uma cidade à beira do mar da Galileia, região pagã, como uma previsão de que a missão de Pedro e dos Apóstolos não ficaria limitada à sua própria terra. Devem estar dispostos a alcançar as regiões pagãs e seguir o Mestre onde quer que os leve. Ele começa com uma pergunta impessoal a seus discípulos: “‘Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?’”(Mt 16, 13). Que impressão tem os outros de mim? Como me vêm? O que dizem as pessoas que eu sou? Vários do grupo lhe respondem vagamente: “Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas.” (Mt 16, 15) O evidente é que as pessoas percebem Jesus como um homem santo, na linha dos profetas. Neste momento crítico da história de Israel, os judeus o veem como profeta, porta-voz de Deus. Mas, diante da insistência do Mestre: “E vós quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondendo, disse: ‘Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo’” (Mt 16,15-16) O valor desta afirmação não é a palavra fervorosa do Apóstolo, à qual seguiram dolorosas circunstâncias de dúvidas e negação. O valor foi o esforço posterior de seguir a Jesus até a morte.
Jesus não deixa os apóstolos só em um nível superficial. Quer uma relação mais pessoal: decidam-se, “quem vocês pensam que sou eu?” Jesus não é um mero profeta; é muito mais. É o Messias longamente esperado, é o Ungido de Deus, realmente o Filho mesmo de Deus. Conhecendo-o e permanecendo com ele, Pedro e os Apóstolos possuem a autêntica presença de Deus. A mesma pergunta nos faz Jesus a cada um de nós: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Podemos nos esquecer agora do texto e do contexto evangélico, e perguntar-nos a nós mesmos: Quem é para mim Jesus de Nazaré? Esqueçamos o que disse as pessoas e das respostas que aprendemos mais ou menos em nossa formação cristã. Entremos no santuário de nossa consciência e a sós consigo mesmo repitamos, tranquila e profundamente, a pergunta: Quem é para mim Jesus de Nazaré?
Devemos pensar antes de responder. Não se trata de dizer com palavras bonitas aprendidas do catecismo, trata-se de responder com a vida. Até que ponto minha fé em Jesus de Nazaré condiciona e dirige toda minha conduta? Meu comportamento no trabalho, em casa, na vida pública, tem presente o que Jesus espera de mim? Às vezes me dá a impressão de que não estamos de todo convertidos a Jesus. É mais fácil cumprir uns preceitos, que no fundo não alteram nossa vida, que “molhar-se”, comprometer-se de verdade e deixar que o Evangelho “empape” nossa vida e questione inclusive nossas seguranças. É mais fácil responder de memória, que Jesus Cristo é o Filho de Deus, que pensar a sério nossa fé cristã. Raramente somos capazes de atitudes mais radicais no seguimento de Jesus. Nós criamos um cristianismo, uma religião à nossa maneira, por medo de nos comprometer de verdade. Muitas pessoas até se escandalizam e se afastam de Deus por nossa causa. Seríamos capazes de ser como Pedro e Paulo verdadeiras testemunhas-mártires de Jesus Cristo?
Muitos de nós proclamamos nossa fé a Cristo de palavra, mas nossa vida permanece distante do Evangelho. Se alguém observa nosso comportamento cotidiano, podia numa pesquisa, por exemplo, colocar-nos no espaço dos que “não sabem. Não responde”. Chama-nos a atenção o curioso itinerário de muitos, que um dia foram batizados, mas nunca identificaram com clareza seu cristianismo. Permanecem como crentes de pesquisas, apenas um índice, mas nenhum valor cristão se descobre em suas vidas. Um primeiro estado para eles consiste em afirmar: “Eu creio em Cristo, mas na Igreja não!”. Depois descem para outro degrau: “Eu creio em Deus, mas no Cristo, não!” E ainda virá um terceiro passo, pasmem: “Não creio em Deus, mas sim numa transcendência ou religiosidade”. Para estas pessoas religião significa sentimentalismo, que os projeta a uma imprecisa transcendência. Outras pessoas chegaram a uma situação ainda mais precária: religião não, sacralidade sim. Ali o “crente” contempla o universo a partir de certa visão estética, mistura de filosofia oriental, esoterismo, ecologia e egoísmo que os converte em centro do mundo e da história.
Como tudo isso está longe de Jesus e seu Evangelho! Se tirarmos do horizonte religioso a paternidade de Deus, e uma vida futura, eterna, de plenitude e bem-aventurança, o que pode acontecer a estas pessoas frente à pessoa de Jesus? Não sabem. Não respondem!
Jesus espera uma resposta que defina o que estamos dispostos a dar por ele. Tomara que da resposta, sincera e da imagem que dou de Cristo, possa dizer-se de mim como Jesus disse com Pedro: “Bem-aventurado és tu Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai que está nos céus”. (Mt 16,17) Seria a melhor homenagem que, nesta festa, poderíamos oferecer a São Pedro e a São Paulo.

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