PADRE JOSÉ ASSIS PEREIRA SOARES
PARÓQUIA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
CAMPINA GRANDE - PARAÍBA
Seguimos com as parábolas do capítulo 13 do evangelho de São Mateus. As palavras de Jesus conservam ainda após tantos séculos sua força expressiva, sensibilidade e atualidade; suas metáforas e imagens são universais. Jesus é um grande pedagogo e seus ensinamentos são dirigidos a todos, mulheres e homens de todos os tempos, utilizando em suas parábolas exemplos com os quais seus interlocutores se possam identificar.
A Liturgia da Palavra deste domingo do tempo comum nos situa no universo do poder de Deus. Ele é grande não porque julga, mas porque perdoa. Disso fala a Primeira Leitura (cf. Sb 12, 13.16-19). O fragmento do livro da Sabedoria faz parte da reflexão sapiencial sobre a atitude severa que Deus adotara para com os cananeus por causa dos seus crimes (cf. 12,3-7). Deus se mostrou indulgente e com sentimentos de misericórdia, não por medo ou fraqueza, mas por que o seu poder se traduz em justiça e esta não é vingança: “A tua força é o princípio da justiça e, por seres o senhor de todos, a todos perdoas... julgas com moderação e nos governas com muita indulgência”. (Sb 12, 16.18) Naquele tempo só podiam julgar, os que tinham autoridade para isso eram os poderosos. “Enquanto entre os homens costuma imperar a lei do mais forte e os ímpios convertem a força em instrumento de injustiça (cf. Tg 2,11), com Deus não é assim. Provavelmente porque Deus é o único verdadeiramente forte. Mesmo entre os homens, os que são autenticamente fortes mostram-se mais justos e equitativos. Os que agem por medo, embora exteriormente façam alarde do contrário, são os que cometem as maiores injustiças. A garantia da justiça de Deus é precisamente sua força e o seu poder. Aliás, precisamente por que é todo-poderoso é também misericordioso”. (Bíblia Litúrgica) Existe uma pedagogia no julgamento de Deus que requer de nós um aprendizado para nossos julgamentos humanos. O poder não o tem quem é violento ou o que ameaça, mas o misericordioso, o que perdoa e se compadece. Deste modo poderíamos analisar nossas atitudes e as de quem à nossa volta ostentam qualquer tipo de poder.
A pessoa egoísta, centrada em si mesma está incapacitada para saber pedir, por isso São Paulo fala na segunda leitura (cf. Rm 8,26-27) da função do Espírito ajudando a sair do egoísmo: "O Espírito socorre a nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26). Não temos de temer nossos poucos meios pessoais, nem nossa vontade fraca, nem tampouco, a reincidência de nossas faltas. O equilíbrio um dia chegará, virá da ação silenciosa do Espírito em nosso socorro.
Nas três parábolas do evangelho de hoje (cf. Mt 13, 24-43), duas delas continuam com o tema da “semente 2 e a terceira do “fermento” na massa. As três parábolas começam com a mesma frase: “O Reino dos Céus é semelhante...”
Na parábola do joio e do trigo (cf. Mt 13, 24-30), exclusiva de Mateus, só encontramos uma semelhante no evangelho apócrifo de Tomé; todos conhecemos os pormenores: um homem semeou boa semente no seu campo; desde o princípio havia entre os seus servidores um vizinho, seu inimigo que à noite, enquanto todos dormiam, semeou no meio do trigo o joio, que no princípio se parece com o trigo e logo o afoga como o mal frequentemente afoga o bem. Não é tão fácil para os agricultores distinguir entre o joio e o trigo, ambos são extremamente parecidos. Aí vem a pergunta chave desta parábola: “Queres, então, que vamos arrancar o joio?”
O campo onde se semeia, é o mundo, mas também é a vida de cada um de nós. Ora, o bem e o mal estão muitas vezes estreitamente misturados. Devemos ser conscientes de que a mistura do trigo e do joio não se realiza somente no espaço da comunidade ou da sociedade, mas também dentro de cada um de nós. Isto tem suas consequências. Na medida em que cada um de nós formos mais críticos e responsáveis consigo mesmo, seremos mais compreensivos com a conduta dos outros. O reconhecimento da existência do joio, não significa nada mais que o reconhecimento de que existe o mal. É a constatação de uma realidade que nos circunda. Jesus nos diz que existe o mal e no-lo mostra para que não sejamos enganados por "falsas bondades". Temos de proteger-nos da enganação do maligno, pois suas armas preferidas são precisamente essas mentiras com aspecto de verdades tecidas especialmente por nós mesmos, com parte do material mal que temos dentro de nós mesmos. Jesus nos avisa desse perigo e sua proposta é aprender com o homem da parábola. Surpreende-nos, logo, a sua segurança, sua confiança, sua paciência, diríamos, sua bondade e justiça à espera dos acontecimentos finais. Que não é o esperar para ver que no “juízo final”, na “colheita” os maus serão julgados e castigados. O sentido é bem diferente. “Deixai-os crescer juntos, trigo e joio até a colheita”. (Mt 13,30)
Hoje podemos nos perguntar: Por que existe o mal e por que Deus o permite? Quem semeia o mal e como podemos erradicá-lo? A existência do mal é o dilema que persegue o ser humano desde sua origem. Os meios de comunicação, cotidianamente, direto, em tempo real, ao vivo, nos metem dentro das guerras, da violência, nas casas de pessoas assassinadas, de crianças e jovens violentados... Não parece haver uma resposta sensata diante desse problema que não desaparece à medida que nos modernizamos, mas não nos humanizamos, no entanto, se arrasta por séculos. A filosofia, a sociologia, a psiquiatria e até as religiões oferecem respostas. Também o evangelho oferece a sua: o mal é invitável, faz parte do ser humano, da fragilidade da terra onde se joga a semente, ou do coração do inimigo que semeia na escuridão da noite o joio. É evidente que está aí não a maldição dos deuses, nem tampouco um castigo. O mal tem sua origem na fragilidade humana.
Quem semeia o mal? A perícope evangélica o situa na noite, enquanto todos dormiam, personalizado no “inimigo”, sem nome ou rosto. Mas todos semeamos o mal, ainda que não sejamos criminosos ou assassinos, somos cúmplices deles, basta analisar nossas reações em momentos de tensão e violência. Muitas vezes, sem querer, temos sido inimigos e criado rivais; outras temos, talvez buscando o bem, levantado, talvez por confusão de sentimentos, invejas, ciúmes e ódios. O mal toma parte da escuridão das nossas noites, das nossas vidas e da vida do mundo. Escuridão de não falar a verdade ou com clareza, de nossas soluções, nossas omissões, da não clareza de nossos sentimentos. Na Igreja, o bom e o mau não se encontram numa simples justaposição. Qual a solução para erradicar o mal?
O evangelho nos diz cuidado para não acontecer que “ao arrancar o joio com ele arranqueis também o trigo. Deixai-os crescer juntos até a colheita”. (Mt 13,29-30) A proposta é aprender a conviver com o joio. O pastor norte-americano Martin Luther King chegou a dizer: “Temos aprendido a voar como os pássaros e a nadar como os peixes, mas não temos aprendido a simples arte de viver juntos como irmãos”. O joio é aquilo que na convivência nos desestabiliza ou que nos produz insatisfação. Alguém já disse que por trás de cada ação existe um ator, e detrás de cada delito um irmão. Que não é muito diferente de mim, ou que talvez não tenha tido minhas oportunidades. Não são tão claros às vezes os papéis de vítima e culpado. A resposta cristã ao mal e ao malvado é a misericórdia: “deixai crescer juntos” é o que indica o dono do terreno. O risco de acabar com o joio por meio do fogo, ou da violência é que não se calcula o mal e a dor que pode vir com ele. O perdão não tem efeitos secundários negativos. Sara quem o recebe e dignifica quem o dá. A vingança não pertence à humanidade, vem do maligno.
Na segunda parábola o Reino dos Céus “é semelhante a um grão de mostarda” (cf. Mt 13,31-33), primeiro muito pequeno, mas depois torna-se uma árvore “onde as aves se abrigam nos seus ramos”, onde todos podem sentir-se acolhidos. E na terceira parábola (cf. Mt 13,33) Jesus recorda uma cena que havia contemplado desde criança no pátio de sua casa. Sua mãe e as outras mulheres se levantavam cedo, na véspera do sábado, para fazer o pão para toda a semana. “O Reino dos Céus é semelhante ao fermento” posto na massa pela mulher que amassa o pão; a boa notícia do Reino, ainda que pareça quase invisível ou insignificante é capaz de transformar o coração das pessoas, a sociedade e o mundo. Assim é a forma de atuar de Deus. Não impondo de fora seu poder ou sua justiça, mas transformando a partir de dentro a vida humana. Jesus sugere a atuação feminina e maternal de Deus introduzindo seu “fermento” no mundo. Assim tem de atuar os cristãos: como “fermento” que introduz no mundo sua verdade, sua justiça e seu amor de maneira humilde, mas com força transformadora. É essa a forma de abrir caminho para o Reino de Deus. Jesus repetiu isso uma e outra vez: o Reino já está entre nós. Temos de viver dentro da sociedade, compartilhando as incertezas, crises e contradições da Igreja e do mundo atual, apoiando nossa vida transformada pelo Evangelho. Temos de aprender a viver nossa fé “em minoria” como testemunhas fieis de Jesus. O que necessita a Igreja não é de mais poder social ou político, e sim, mais humildade para deixar-se transformar por Jesus e poder ser fermento de um mundo verdadeiramente mais humano.
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