Padre José Assis Pereira Soares
Pároco da Paróquia de Fátima
A principal mensagem deste 13º Domingo do Tempo Comum é muito clara: Amor e hospitalidade. Proclama-se hoje uma página do evangelho bastante incômoda (cf. Mt 10,37-42). No texto há duas ideias principais: Na primeira, Jesus expõe o programa ou exigências para o seu seguimento; na segunda, o Senhor faz suas promessas de salvação, através de um paralelismo com o texto de 2 Reis 4,8-11.14 (1ª. Leitura) em que o profeta Eliseu anuncia um filho à sunamita que o hospedou em sua casa, como recompensa de Deus pela hospitalidade ao profeta.
Jesus, usando expressões próprias da sua cultura afirma: “Aquele que ama pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim. Aquele que não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim”. (Mt 4,37-38) Isso nos desconcerta. Talvez pensemos que Jesus é exigente demais ou talvez ignora nossa realidade pecadora. Nada disso... Jesus sabia muito bem a quem estava falando e o que queria dizer. Estas palavras desconcertantes mostram a radicalidade do seguimento de Jesus. Não vale ficar no meio do caminho. Se decidimos segui-lo, deve ser com todas as consequências. A pessoa de Cristo deve ser para o cristão o centro e o valor absoluto de sua vida. O mais deve ficar em segundo plano. Isto não quer dizer que não amemos ou não nos preocupemos com nossa família, mas o que priorizamos. Estou certo de que o que ama a Jesus Cristo com todo seu ser demonstra também seu amor aos outros, começando pelos seus.
Jesus põe a claro que o discípulo precisa colocar o amor ao Reino numa perspectiva especial: trata-se de um amor preferencial e absoluto. Outras preferências podem e devem existir, mas precisam ser compatíveis, coerentes com esse valor absoluto. Na verdade não se trata de amar mais a Jesus, a Deus, ao Reino; trata-se de estruturar a vida inteira a partir desse amor que dá sentido a todos os outros.
“No que diz respeito aos vínculos familiares é evidente que Jesus relativiza-os uma vez mais... Perante a primazia do reino de Deus, os afetos familiares e os laços de sangue, a raça, nação ou grupo cultural cedem o lugar. Contudo, Jesus não os desvaloriza na sua vertente humana e religiosa. Pelo contrário, Ele reafirmou, por exemplo, as relações paternofiliais que fundamentam o quarto mandamento da lei de Deus quando condenou as tradições rabínicas contrárias. Todavia, no evangelho de hoje Cristo reclama um amor maior do que a família. Pretende com isto açambarcar para Si, como Deus que é, afetos humanos tão carinhosos e vivências tão pessoais como são a filiação, a fraternidade e a maternidade? Terá Deus ciúmes do homem? A Bíblia diz, efetivamente, que Deus é cioso da Sua glória, mas não do homem que a reflete. Jesus equaciona aqui
casos concretos do dilema preferencial. Quer dizer, se os laços familiares significarem um obstáculo insolúvel para a opção dos discípulos pelo reino de Deus, presente na pessoa de Jesus, é o reino que tem a primazia de valor e opção.” (Caballero, 2001)
“Aquele que não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim.” (Mt 4,29) Quando o evangelho segundo Mateus era escrito, as situações violentas dentro das famílias eram o pão de cada dia. Podemos imaginar a oposição dos pais ou dos irmãos maiores de uma família patrícia romana quando chegava a saber que uma de suas filhas ou um de seus filhos havia se convertido em seguidores de Jesus, esse judeu julgado e condenado por um Procurador romano na mais vergonhosa das condenações, a morte de cruz. Esse novo cristão se via diante da difícil escolha entre o Senhor que o chama a segui-lo e sua família. E hoje mesmo, não só em países de minoria católica, mas entre nós mesmos, um jovem ou uma jovem que não admita o divórcio ou o aborto, pode ter dificuldades para encontrar um companheiro ou companheira; ou uma jovem que não admita relações pré-matrimoniais pode perder um bom número de oportunidades. O Senhor nos diz que nem a família, nem a amizade são valores supremos, que sobre eles há algo como disse S. Bento em sua regra que não podemos antepor nada ao amor de Cristo. Quando um filho ou filha sentem a necessidade de viver segundo os valores cristãos evangélicos, na maior sinceridade e simplicidade, vai encontrar grande dificuldade em romper os laços familiares. Também ele ou ela vai ter que fazer uma escolha entre Jesus e sua família. É que há famílias que educam pondo o valor supremo no sucesso e no dinheiro a todo custo, no consumismo, no ter sempre mais e melhor, fomentando um profundo egoísmo entre os filhos. O Reino pede, exige outro valor absoluto. “Aquele que acha a sua vida, a perderá, mas quem perde sua vida por causa de mim, a achará.” (Mt 10, 39) O cristão tem que saber perder-se vivendo em uma vida entregue aos outros. Não uma vida encontrada para si mesmo, centrada egoisticamente, fechada em si mesmo. Tem que saber perder-se numa vida cheia de sentido, plena, aberta, uma vida como a de Jesus que passou fazendo o bem.
As exigências cristãs derivam do admitir que só Deus é absoluto. Toda realidade temporal, por legítima que possa nos parecer e por mais justa que seja, há de evitar erigir-se em chave absoluta da existência humana. Tem seu lugar o amor, sem dúvida; o trabalho; a arte, a política, a criatividade tem sua própria posição. O cristão não tem por que marginalizar nada de quanto há no mundo. Mas, não pode fazer de nenhum valor temporal um ponto de referência absoluto diante do qual sacrifique sua própria dignidade e sua solidariedade para com o próximo.
Nada pode ser preferido ao seguimento de Cristo, com todas suas consequências. Assim, disse o Evangelho, o que trai ou nega a Cristo para salvar sua vida, perderá a Cristo, e com ele, a verdadeira vida, a
eterna. O que, por confessar a Cristo, perde sua vida, ganhará a vida eterna, imortalizada, com o direito a ressuscitar como Cristo.
Estas dramáticas decisões eram o normal para os cristãos dos primeiros 300 anos da Igreja. Era o absolutamente normal para um cristão ter que escolher entre confessar a Cristo ou ter família, entre ter a Cristo ou perder os bens, entre confessar a Cristo ou perder a vida. Aceitar ser cristão era aceitar morrer como mártir. O cristão que morria, nessa época primeira, em sua cama, morria de vergonha; isso significava que sua vida não havia chamado a atenção de nada e que nada o havia acusado por ser cristão.
Na segunda parte do texto o paralelismo com o livro dos Reis: “Certo dia, Eliseu passava por Sunam e uma mulher rica que lá morava o convidou para uma refeição. Depois cada vez que passava por ali, ia até lá para comer." (2 Rs 4, 8) Aquela mulher sunamita o acolhe cordialmente cada vez que passa por sua casa. Como tantas outras mulheres, ela possui um especial sentido do sobrenatural, tem sensibilidade para as coisas de Deus. E na pessoa do profeta, do enviado, honra o que o envia, no profeta do Senhor honra o Senhor. Cristo dirá depois no Evangelho: “Quem vos recebe, a mim me recebe, e quem recebe um justo na qualidade de justo, receberá recompensa de justo.”
O profeta Eliseu, profundamente agradecido perguntou ao seu servo Giezi o que poderia fazer por aquela mulher e ele respondeu. “Ela não tem filhos, e seu marido é idoso. Disse-lhe Eliseu chama-a, o servo a chamou e ela apareceu na porta, e ele disse: daqui a um ano, nesta mesma época terás um filho nos braços” (1Rs 4,15-16) Eliseu se pergunta sobre o modo de pagar de alguma forma a hospitalidade ou os cuidados que recebeu daquela mulher. Certo do que ela mais sonhava, com o desejo mais vivo de seu coração. Pois a sunamita era estéril, levava sobre seus ombros o opróbrio máximo para uma mulher de seu tempo, não poder ter filhos e o que mais podia alegrá-la era precisamente ter um filho. Eliseu, em nome de Deus, lho promete e cumpre: “E a mulher concebeu e deu à luz um filho da mesma época, no ano seguinte, que Eliseu lhe havia dito.” (2Rs 16).
De novo nos vem à memória as palavras de Jesus: “Quem der, nem que seja um copo d´água fria a um desses pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo que não perderá sua recompensa.” (Mt 10,42) Se Deus paga tudo o que a pessoa faz por seu amor divino. Sobretudo, premia abundantemente quanto se faz por seus enviados, por seus profetas, por seus sacerdotes, por todos os que se consagram a Deus e receberam a missão de anunciar, incansavelmente, a mensagem que redime e salva.
Hoje nos perguntamos: A quem amamos? A quem amamos mais? O amor se demonstra com atos. Se estivermos dispostos a perder nossa vida por alguém, então demonstraremos amor por alguém. Esse Alguém é Jesus Cristo. O que você está disposto a fazer por Ele? Mas, amar a Jesus é amar aos irmãos, especialmente o mais necessitado e carente. Lembre-se se você "perde seu tempo" pelos
outros, não ficará sem recompensa. Este é o presente que obteve a sunamita quando demonstrou sua hospitalidade com o profeta Eliseu ou a promessa que hoje o Senhor nos faz: Quem der, nem que seja um copo d’água a um pequenino, por ser meu discípulo, não ficará sem recompensa. Aí está o amor preferencial.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Caballero, B. A Palavra de Cada Domingo, Ano A. Apelação (Portugal), Paulus, 2001.
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