domingo, maio 29, 2011

O DOM DO PASCAL ESPÍRITO

PADRE JOSÉ ASSIS PEREIRA SOARES
PÁROCO DA PARÓQUIA DE FÁTIMA
CAMPINA GRANDE/PB


Estamos já nos últimos domingos da Páscoa. Ao longo destes quarenta dias Jesus Ressuscitado, que é verdadeiramente o Crucificado, permaneceu junto aos seus discípulos preparando-os para que pudessem descobri-lo. A Igreja segue o mesmo caminho de Jesus durante estes domingos pascais, através da liturgia da Palavra e das orações vai preparando de maneira didática a todos para perceberem e descobrirem a presença viva do Ressuscitado em seu meio.
A liturgia deste VI Domingo da Páscoa nos apresenta um aspecto novo deste tempo solene. Igual a Jesus que na Última Ceia, no contexto da sua partida, promete a presença do Paráclito, a Igreja prepara o evento de Pentecostes revelando a identidade e missão do Espírito Santo. Aprofundemos a pessoa do Espírito Santo, “o ilustre desconhecido” como dizia o teólogo suíço Von Balthasar. 
Qual a finalidade de refletir neste tempo pascal sobre a relação entre Cristo e o Espírito Santo. A resposta nos dá João Paulo II em sua encíclica dedicada ao Espírito Santo, “Dominum et vivificantem” (Senhor e Vivificador): ”Encontramo-nos no limiar dos acontecimentos pascais. Vai completar-se a nova e definitiva revelação do Espírito Santo como Pessoa que é o Dom, precisamente neste momento. Os eventos pascais – a paixão, a morte e a ressurreição de Cristo – são também o tempo da nova vinda do Espírito Santo, como Paráclito e Espírito da verdade. Eles constituem o tempo do “novo princípio” da comunicação de si mesmo da parte de Deus uno e trino à humanidade, no Espírito Santo, por obra de Cristo Redentor. Este novo princípio é a Redenção do mundo: “Com efeito, Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho unigênito”. Ao “dar” o Filho, no dom do Filho, já se exprime a essência mais profunda de Deus, o qual, sendo Amor, é a fonte inexaurível da dádiva. No dom concedido pelo Filho completam-se a revelação e a dádiva do Amor eterno: o Espírito Santo, que nas profundezas imperscrutáveis da divindade é uma Pessoa-Dom, por obra do Filho, isto é, mediante o mistério pascal de Cristo, é dado de uma maneira nova aos Apóstolos e à Igreja e, por intermédio deles, à humanidade e ao mundo inteiro”. (DV, n. 23)
Nas três leituras da Liturgia da Palavra deste domingo se faz presente o protagonismo do Espírito que é o que dá vida à comunidade. Alguns chamam este domingo de “Domingo da Expansão Missionária” a partir do relato dos Atos (cf. At 8, 5-8.14-17) que explica como Filipe, um dos novos diáconos do grupo helenista chegou à Samaria, terra de um povo semi-pagão, herético para os judeus e por eles odiado. O jovem missionário prega a Cristo e consegue aí a conversão de muita gente. É que a perseguição que se desencadeou na Judéia protagonizada com o martírio de Estevão (cf. At 8,1-4), obrigou a dispersão, sobretudo dos judeus helenistas que fugiram de Jerusalém. Filipe foge para uma cidade da Samaria e ali, movido pelo Espírito realizou milagres e prodígios. Os samaritanos acolheram a sua pregação, se converteram, foram batizados e muitos enfermos foram curados o que provocou a alegria naquela cidade. (cf. At 8,6-8) Mas, o grupo ainda não havia recebido o Espírito Santo. O fato das conversões numerosas foi tão extraordinário que mobilizou Pedro e João para avaliar a situação. “Estes, descendo até lá, oraram por eles, a fim de que recebessem o Espírito Santo.” (cf At 8,14) A força do Espírito será concedida com a imposição das mãos daqueles apóstolos que “confirmaram” todos aqueles novos cristãos. Alguém chamou este evento de “pentecostes samaritano”. Por este motivo dizemos que a Igreja é na verdade a comunidade do Espírito. A partir daí, desta abertura e espontaneidade nasce uma nova comunidade formada por aqueles que eram excluídos do judaísmo que entram e passam a tomar parte na comunidade cristã, na Igreja, por iniciativa do Espírito que estabelece os laços de comunhão.
“A inabitação do Espírito nos crentes é a nova forma de o Senhor ressuscitado viver entre os seus discípulos para sempre. É também o Espírito de Cristo que mantém unida a comunidade pascal e lhe dá impulso e audácia evangelizadora, rompendo o estreito conceito nacionalista de salvação e criando a liberdade de Cristo frente ao legalismo religioso estéril. Por isso, o Espírito é o grande dom de Cristo ressuscitado para a Igreja, nascida do mistério pascal, quer dizer, da morte, ressurreição e exaltação gloriosa de Jesus. Para que o espírito não continue a ser um ‘ilustre desconhecido’, o movimento eclesial de renovação carismática deve ser algo mais do que uns grupos individualizados na Igreja de hoje; há-de-ser o clima de abertura missionária e vitalizante de toda a vida cristã: comunitária e pessoal. Hoje é dia de nos perguntarmos até que ponto o Espírito de Jesus dá alento à nossa comunidade e à nossa vida pessoal.” (Caballero, 2001.)
Vemos também refletido o Espírito na experiência da comunidade de Roma para a qual escreve o Apóstolo Pedro (cf. 1Pd  3,15-18) exortando os cristãos a não desanimarem diante da perseguição e a estarem preparados para responder a todos sem agressividade dando razões de sua esperança. E ele aponta para o exemplo de Cristo: “Com efeito, também Cristo morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, afim de vos conduzir a Deus. morto na carne, foi vivificado no espírito.” (1Pd 3,18) Como vemos, as primeiras gerações de cristãos foram capazes de defender a causa de Cristo, a presença de Cristo em seus corações graças a ação do Espírito, testemunha e defensor.
No Evangelho (cf. Jo 14,15-21) continua o discurso de despedida de Jesus na Última Ceia. Os discípulos entenderam que Jesus está prestes a deixá-los, entristecidos se perguntam como lhes será possível permanecer unidos a Ele. Jesus promete não deixá-los sós, sem proteção. João fará em seu Evangelho uma Teologia da presença real de Jesus na primeira comunidade, ou seja, na Igreja: “Não os deixarei órfãos. Eu virei a vós.” (Jo 14,18) Jesus diz que pedirá ao Pai para lhes enviar o Espírito que permanecerá sempre com eles. Essa nova presença, a do Espírito podemos experimentá-la no meio da comunidade e dentro de nossos corações.
A promessa de Jesus de não nos deixar “órfãos” ou desamparados, tem toda a carga social que naquele tempo incluía. No Antigo Testamento, o “órfão” é o protótipo do desvalido, do desamparado, do que está totalmente à mercê dos poderosos e que é a vítima de todas as injustiças. Jesus é claro: os seus discípulos não vão ficar indefesos, pois Ele vai estar ao lado deles. Mas, a promessa tem uma condicionante. São João situa este fragmento do evangelho, nas vésperas da Paixão. E a grande preocupação que Jesus tinha nesse momento abre e fecha o texto: que seus discípulos o amem. Esse amor de Jesus é o que diferencia o discípulo de quem não o é. “Quem tem meus mandamentos e os observa é que me ama”, e a recompensa desse amor sincero, é a maior que pode esperar um ser humano: “Quem me ama será amado por meu Pai. Eu o amarei e me manifestarei a ele.” (cf. Jo 14, 21) Só o que ama a Jesus está em condições de apreciar a verdade do que Jesus disse. “Se me amais, guardareis os meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito, para que convosco permaneça para sempre, o Espírito da verdade”. (cf. Jo 14, 15-17) Só quem se abre a esta declaração de Amor e este ambiente de vida e Amor divinos pode receber o Espírito de Deus. Este Espírito não se nos dá apenas como “pessoa”, mas constitui-se luz da nossa inteligência, serenidade do amor, liberdade dos sentimentos; torna-se uma maneira divina de ser da criatura.
«Paráclito, no grego significa a pessoa chamada para ficar ao lado de alguém que necessita de assistência, particularmente em processos legais; contudo, não significa um advogado profissional (o que o latim advocatus significa). Por isso o significado geral de paráclito é “ajudador”. Portanto, em sentido lato o paráclito é concebido como ajuda. Também o termo é empregado como alguém que fala a favor de outro, um intercessor. O próprio Jesus é o primeiro paráclito, pois o Espírito que é enviado é o “outro” paráclito. Ele é o espírito da verdade; ele ensinará aos discípulos toda a verdade e lhes lembrará tudo aquilo que Jesus lhes disse (Jo 14,26); ele dará testemunho de Jesus (Jo 15,26) demonstrará o erro do mundo concernente ao pecado, à justiça e ao juízo (Jo 16, 6-11); ele glorificará a Jesus (Jo 16,14)(Mckenzie, 1983.)
Receber o Espírito deve nos converter em “paráclitos”, em pessoas que acompanham e ajudam outras pessoas, que estão junto, ao lado daqueles que necessitam de nós. Se Jesus não nos deixa órfãos, tampouco nós devemos abandonar os que têm necessidade de nós.
Jesus garantiu aos seus discípulos o envio de um “defensor”, de um “intercessor”, que havia de animar a comunidade cristã e conduzi-la ao longo da sua marcha pela história. É o Espírito o protagonista da Primeira Evangelização. Podemos aceitar a mensagem cristã de uma maneira superficial e por motivos espetaculares. Mas, se não se dá a presença do Espírito não se dá uma funda assimilação. A presença do Espírito é que faz com que uma comunidade cristã seja autêntica. Nós acreditamos, portanto, que o Espírito está presente, animando-nos, conduzindo-nos, criando vida nova, dando razões de esperança aos que têm fé na caminhada e nos perguntamos: Como percebemos a ação silenciosa, mas eficaz do Espírito nas mais diferentes circunstâncias da vida das pessoas e nos acontecimentos da história da Igreja? Quais são as manifestações do Espírito, as luzes e moções deste divino Amigo ajudando-nos a discernir o caminho da verdade de Deus no concreto da vida? Como constatamos os frutos que o Divino Hóspede nos concede no caminho do testemunho cristão e de nossa própria santificação?
Numa sociedade como a nossa, onde se vive ainda em muitas situações um estado de cristandade, talvez seja necessário uma “nova evangelização” ou como Igreja reafirmar com os bispos em Aparecida: “O que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade ou as tarefas que devemos empreender, mas acima de tudo amor recebido do Pai graças a Jesus Cristo pela unção do Espírito Santo. Essa prioridade fundamental é a que tem presidido todos os nossos trabalhos, que oferecemos a Deus, à nossa Igreja, ao nosso povo, a cada um dos Latino-americanos, enquanto elevamos ao Espírito Santo nossa confiante súplica para redescobrir a beleza e alegria de ser cristãos. Aqui está o desafio fundamental que afrontamos: mostrar a capacidade da Igreja para promover e formar discípulos e missionários que respondam à vocação recebida e comuniquem por toda parte, transbordando de gratidão e alegria, o dom do encontro com Jesus Cristo. Não temos outro tesouro a não ser este. Não temos outra felicidade nem outra prioridade senão de sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja, para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante todas as dificuldades e resistências. Este é o melhor serviço – o seu serviço! – que a Igreja deve oferecer às pessoas e nações.” (DA n. 14) 


Bibliografia:

Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
João Paulo II. Encíclicas de João Paulo II, (“Dominum et vivificantem”). São Paulo, Paulus, 1997.
Mckenzie, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo, Paulus, 1983.
Caballero, B. A Palavra de Cada Domingo, Ano A. Apelação (Portugal), Paulus, 2001.
Celam. Documento de Aparecida, Texto conclusivo da V Conferência geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Edições CNBB/Paulus/Paulinas. 2007.

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