Padre José Assis Pereira Soares
Pároco da Paróquia de Fátima
Ao longo do tempo pascal, vão aparecendo aspectos fundamentais da missão de Jesus compreendidos a partir de sua Ressurreição: Ele é a Porta (Jo 10,7), o Bom Pastor (Jo 10,11), o Caminho (Jo 14,6). Estas imagens da Teologia do Quarto Evangelho têm que ser emolduradas pela dinâmica da História da Salvação, quer dizer, é um caminho até uma meta segura e certa que chegará: a Casa do Pai.
Em pleno centro da Páscoa, neste quinto domingo pascal João nos leva de novo ao cenário da Última Ceia. É neste contexto, enquanto ceavam que Jesus, como num discurso de despedida dirige aos seus discípulos as verdades mais profundas e aí também se autorevela: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.” (Jo 14,6)
A liturgia da Palavra da Páscoa segue pondo diante do nosso olhar e para a nossa contemplação textos da leitura semicontínua do Livro dos Atos dos Apóstolos, relatos da vida da primeira geração cristã. Já vimos como viviam unidos, como se ajudavam mutuamente em tudo aquilo que podiam (cf. At 2,42-47) e a perícope de hoje (cf. At 6,1-7) nos apresenta a primeira crise da história do cristianismo primitivo, na comunidade de Jerusalém: “Aumentando o número dos discípulos, surgiram murmurações dos helenistas contra os hebreus. Isto porque, diziam aqueles, suas viúvas eram esquecidas.” (At 6,1)
Na comunidade de Jerusalém havia a presença de dois grupos: os judeus, nascidos e criados na Palestina, que falavam o aramaico e frequentavam as sinagogas e tradições judaicas; e os helenistas que nasceram e cresceram no exterior, falavam a língua grega, tinham outra mentalidade, outra cultura e outras concepções sobre as tradições religiosas de Israel. “Embora Lucas nos informe apenas muito fragmentariamente sobre circunstâncias e bastidores do surgimento desse círculo, sua reconstrução aproximada é possível. Os “helenísticos” eram judeus de fala grega, provenientes da diáspora, que haviam aderido à fé em Jesus, mas promoviam reuniões próprias.
As razões decisivas para tal devem ter sido, antes de mais nada, de ordem linguística, mas não só: também parece ter havido certas diferenças teológicas, pois os “helenísticos”, diferentemente da comunidade de fala aramaica, posicionavam-se criticamente em relação ao culto no templo, inclusive retomando tópicos da crítica que Jesus fizera à lei. Aparentemente esses helenísticos não estavam integrados, ou apenas insuficientemente integrados, no sistema de provimento social e compensação financeira que havia sido estabelecido na comunidade de fala aramaica: este deve ser o momento de verdade histórica da narrativa lucana, que fala de um conflito em torno do provimento das viúvas helenísticas. Por essa razão eles se depararam com a necessidade de montar um sistema próprio de provimento, a exemplo do que, em princípio, cada comunidade sinagogal possuía... Assim os “helenísticos” foram os primeiros a fazer a experiência de que assuntos administrativos e sociais podiam exigir a criação de cargos. Essa experiência logo se imporia também à comunidade de fala aramaica”. (Roloff, 2005.)
As razões decisivas para tal devem ter sido, antes de mais nada, de ordem linguística, mas não só: também parece ter havido certas diferenças teológicas, pois os “helenísticos”, diferentemente da comunidade de fala aramaica, posicionavam-se criticamente em relação ao culto no templo, inclusive retomando tópicos da crítica que Jesus fizera à lei. Aparentemente esses helenísticos não estavam integrados, ou apenas insuficientemente integrados, no sistema de provimento social e compensação financeira que havia sido estabelecido na comunidade de fala aramaica: este deve ser o momento de verdade histórica da narrativa lucana, que fala de um conflito em torno do provimento das viúvas helenísticas. Por essa razão eles se depararam com a necessidade de montar um sistema próprio de provimento, a exemplo do que, em princípio, cada comunidade sinagogal possuía... Assim os “helenísticos” foram os primeiros a fazer a experiência de que assuntos administrativos e sociais podiam exigir a criação de cargos. Essa experiência logo se imporia também à comunidade de fala aramaica”. (Roloff, 2005.)
Os Apóstolos, “os Doze”, pedem a comunidade que escolha “sete homens de boa reputação, repletos do Espírito e de sabedoria” (At 6,3) que mediante o dom da fé levarão a cabo o serviço da caridade a seus irmãos ficando eles responsáveis pela administração dos bens da comunidade enquanto os Apóstolos ficavam com o serviço mais espiritual, a oração e a pregação. (cf. At 6,4) A “diaconia”, não se trata simplesmente de servir as mesas dos pobres, ainda que essa fosse uma de suas responsabilidades; os diáconos são representantes dos Apóstolos, responsáveis diretos pela administração dos bens da comunidade e da ação social. Deste conflito aprendemos que não é somente a língua que diferenciava os dois grupos de cristãos, mas uma mentalidade mais renovada que busca a identidade futura mais própria para o movimento de Jesus. Posteriormente, depois da morte de Estevão, começa a se traçar um perfil dos discípulos de Jesus que serão chamados pela primeira vez de “cristãos”, em Antioquia da Síria (cf. At 11, 26). Era necessária essa resposta porque os discípulos de Jesus não podiam manter-se amparados nas tradições do judaísmo, da lei e do culto do templo e não queriam perder a identidade que Jesus havia conquistado com sua Páscoa.
A Primeira Carta de São Pedro (cf. 1Pd 2,4-9), nos apresenta uma outra imagem de Jesus, Ele é a “Pedra Viva”, sublinha assim, que Jesus Cristo descartado pelos homens, excomungado pelos chefes de Israel e eliminado pelos romanos, é agora a base e fundamento da nova comunidade. Sobre Ele se edifica a Igreja. “Chegai-vos a Ele, a pedra viva, rejeitada, é verdade, pelos homens, mas diante de Deus eleita e preciosa. Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, constituí-vos em um edifício espiritual, dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo”. (1Pd 2,4-5) Nasce assim, após a ressurreição de Jesus um novo povo, uma nova comunidade santa e sacerdotal que tem em suas entranhas a plenitude espiritual e cultual. Ele é o único mediador e todos os fieis constituem um só sacerdócio. O novo Israel, a comunidade de Jesus, herda os títulos de glória e as promessas do velho Israel. Todos na Igreja temos, pelo Batismo, a mesma dignidade e constituimos um só “sacerdócio real”. Cada um dos batizados, pois, recebe uma herança pessoal e comunitária. Não necessita nascer da estirpe sagrada, nem ser consagrado especificamente, para comunicar-se com Deus, para sentir sua salvação e proclamá-la no mundo. Esta é uma das propostas mais importantes da Teologia do povo de Deus, que temos no Novo Testamento.
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.” (Jo 14,6) Jesus é o verdadeiro caminho para chegar ao Pai, porque é a Palavra eterna feita história humana na Encarnação. É caminho porque é plenamente homem. Aqui está subentendida toda a teologia Joanina da Encarnação. O caminho, para nós cristãos é o ideal da conduta cristã, a maneira cristã de viver, pois o cristianismo é indicado simplesmente como “o caminho”. Todos queremos caminhos que nos levem à felicidade, amamos a verdade, porque a mentira é a negação do ser e queremos viver eternamente, não morrer. «O caminho constitui um dos arquétipos mais arcaicos da psique humana... Cada ser humano é um “homo viator”, é um caminhante... Como diz o poeta espanhol Antonio Machado: “caminhante, não há caminho, o caminho se faz caminhando”. Efetivamente estamos sempre a caminho de nós mesmos. Fundamentalmente, ou nos realizamos ou nos perdemos.” (Boff, 2004.)
Jesus nos fala de um caminho, de que Ele é o Caminho. Na medida em que nós vamos seguindo esse caminho que é Jesus e que Ele nos propõe, iremos nos aproximando mais dele, compartilhando sua mesma vida, seu destino final, unindo-nos mais a Deus até nosso encontro definitivo com Ele em “sua casa”. “A comunidade de Jesus tem que percorrer um caminho. A metáfora do caminho expressa o dinamismo da vida, que é progressão. É um viver que vai levando o homem à perfeição e acabamento de si mesmo. Mas o seu termo pode ser êxito ou insucesso. O êxito é a maturidade, o pleno desenvolvimento das potencialidades. O insucesso, a decadência, a ruína. Jesus aponta a direção em que o homem se realiza: o caminho que ele próprio abriu e traçou, o caminho da solidariedade com o homem e da entrega, o caminho do amor crescente. Aí se encontra o êxito da vida, a vida definitiva. Todo outro caminho leva ao nada, à morte. A meta é a máxima solidariedade com o homem, dando-se inteiramente a ele. Nesse amor encontra-se com o Pai”. (Mateos, Juan. 1999) “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim.” (Jo 14, 6) João afirma que não é possível experimentar a Deus, senão por meio de Jesus.
Jesus é a Verdade. «O termo é comum em João e é frequentemente combinado com outros termos chaves Joaninos como Luz e Vida. Para João a Verdade que Jesus apresenta é alguma coisa que pode ser conhecida e que liberta... Jesus veio para testemunhar a Verdade e quem é da Verdade, escuta a sua voz (cf. Jo 18,37). Esta é a afirmação que leva Pilatos a terminar o interrogatório de Jesus com a pergunta: “Que é a verdade?” Em Pilatos João apresenta o mundo que repete essa pergunta e seu evangelho afirma que só Jesus pode responder... Verdade é a realidade de Deus divinamente revelada, manifestada nas palavras e na pessoa de Jesus Cristo. É verdade suprema e definitiva: diante da Verdade de Deus que é Jesus Cristo Deus, a língua, o pensamento, as ambições e as ações humanas são todas falsidades. Sem esta verdade o homem é ignorante e enganado.» (Mckenzie, 1983.)
Jesus é a Verdade que o ser humano necessita e que o conduz à liberdade dos filhos e filhas de Deus. A Verdade que aqui se fala não se limita ao âmbito do conhecimento. A Verdade é a última realidade de Jesus, quer dizer sua mais profunda identidade; seu próprio ser divino. Por isso a Verdade não se adquire somente por via do conhecimento, mas, sobretudo, pela experiência, pela fé no sentido de encontro pessoal e aceitação fiel daquele com quem me encontro. No Cristo Ressuscitado entramos em comunhão com a realidade que pode nos conduzir à mais autêntica liberdade: “Se permanecerdes em minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará... O escravo não permance sempre na casa, mas o Filho aí permanece para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, sereis realmente, livres.” (Jo 8,31ss) Por isso o encontro com o Cristo vivo é o acontecimento definitivo e libertador.
Jesus é a Vida. Jesus Ressuscitado manifesta plenamente e sem equívocos ou ambiguidades qual foi realmente o projeto de Deus para o ser humano e seu destino. Deus não o criou para a morte. O Senhor é amigo da vida, Deus criou a pessoa humana para a imortalidade (cf. Sb 2,22) e a imortalidade nos aproxima a Deus. Em Jesus se revela o destino do ser humano à vida. Por isso, o Cristo Ressuscitado nos oferece a resposta às nossas perguntas mais angustiantes sobre o sentido da vida humana e da morte. Em Jesus Ressuscitado está a Vida, Ele é a Vida e nos oferece a Vida definitiva e este é um aspecto fundamental da Páscoa.
Jesus é a Vida. Jesus Ressuscitado manifesta plenamente e sem equívocos ou ambiguidades qual foi realmente o projeto de Deus para o ser humano e seu destino. Deus não o criou para a morte. O Senhor é amigo da vida, Deus criou a pessoa humana para a imortalidade (cf. Sb 2,22) e a imortalidade nos aproxima a Deus. Em Jesus se revela o destino do ser humano à vida. Por isso, o Cristo Ressuscitado nos oferece a resposta às nossas perguntas mais angustiantes sobre o sentido da vida humana e da morte. Em Jesus Ressuscitado está a Vida, Ele é a Vida e nos oferece a Vida definitiva e este é um aspecto fundamental da Páscoa.
Caminho é metáfora, Verdade e Vida são experiências humanas. Frente às ideologias dominantes e confusões, Jesus é o Caminho que aponta para a segurança e a confiança. Frente à mentira e falsidades maquiadas com o creme do “modernismo”, se alça a Verdade de Jesus sustentada em Deus e não como no mundo, apoiada nos interesses de alguns. Frente à morte, às vezes pregada como avanço da ciência (o aborto, as experiências com embriões humanos, a eutanásia ou a morte assistida) Cristo nos recorda que seu projeto é um plano de vida e que ninguém, exceto o Pai, pode considerar-se dono ou Senhor da vida.
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Roloff, Jürgen. A Igreja no Novo Testamento. São Leopoldo, Sinodal/Centro de Estudos Bíblicos, 2005.
Boff, Leonardo. O Senhor é o meu Pastor. Consolo divino para o desamparo humano. Rio de Janeiro, Sextante, 2004.
Mckenzie, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo, Paulus, 1983.
Mateos, Juan. O Evangelho de São João, análise linguística e comentário exegético. São Paulo, Paulus, 1999.
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