domingo, março 06, 2011

Não bastam palavras, que falem as ações

Padre José Assis - Pároco de Fátima 06/03/2011


“A Igreja cresce e se constrói ao escutar a Palavra de Deus”. (Ordo Lectionum Missae, n. 7) Mas, a comunidade por esta palavra ouvida é chamada a ser evangelizadora, proclamando e dando testemunho.
O texto do livro do Deuteronômio (Dt 11, 18.26-28.32) lido na liturgia da Palavra deste domingo é uma pregação que termina com o tema da bênção e da maldição. Este livro se apresenta como o testamento espiritual ou o ponto alto da vida e da obra de Moisés, mas igualmente sabemos que é fruto de uma atividade que se prolonga muito para além de Moisés. Cada israelita é convidado a fazer da Lei do Senhor uma referência fundamental:  Parte superior do formulário“Ponde estas minhas palavras no vosso coração e na vossa alma, ataia-as como um sinal em vossa mão, e sejam como um frontal entre os vossos olhos. Ensinai-as aos vossos filhos...” (cf. Dt 11,18-19) A Palavra do Senhor deve ser penetrante e envolvente, abarcando a totalidade da vida das pessoas. Isto é o que justifica o uso dos “tefilim” (caixinhas de couro contendo trechos do Pentateuco que os israelitas geralmente usavam). Portanto, o texto sugere, em primeiro lugar, que a vida de uma pessoa de fé deve ser construída sobre a Palavra de Deus. É oportuno nos questionar se é a Palavra de Deus que orienta nossas decisões e opções. Que lugar ocupa a Palavra de Deus em nossa vida? Não basta como os judeus piedosos colocar os “tefilim” e exibir a Palavra de Deus, como se ela fosse apenas uma dessas bandeiras que se usam nas manifestações, não basta ter a Bíblia na mesinha de cabeceira: a Palavra de Deus tem de ser assimilada e acolhida, tem de tomar conta do nosso coração, alimentar nossos pensamentos e sentimentos, condicionar nossas ações.
“Vede: hoje proponho a bênção e a maldição diante de vós: A bênção, se obedecerdes aos mandamentos de Iahweh vosso Deus que hoje vos ordeno; a maldição, se não obedecerdes aos mandamentos de Iahweh vosso Deus...” (cf. Dt 11,26-28) “Toda a perfeição de Israel estava contida na lei e se exprimia na sua observância. Deus abençoava ou amaldiçoava o homem conforme sua obediência ou desobediência à lei”. (Sta. Mª Madalena, Pe. Gabriel de. 1990.) Bênção e maldição são concedidas como forças quase objetivas, que acompanham com o bem e o mal, a obediência e a desobediência, respectivamente.
O Apóstolo Paulo na segunda leitura nos aponta um novo caminho. «O Novo Testamento instaura nova ordem: Deus abençoa, portanto, salva o homem, não pela observância da lei antiga, que chegou a seu termo, mas pela fé em Cristo Salvador. É São Paulo o grande pregador deste princípio: “agora, porém, independentemente da Lei, se manifestou a justiça de Deus... justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo, em favor de todos os que crêem”. (Rm 3, 21-22) Grande é a mudança: os hebreus, fieis observantes da lei mosaica, não têm mais direito à salvação do que os outros homens, que ignoram tal lei; para uns e outros é a salvação dom gratuito, oferecido pela infinita bondade de Deus a todos os que crêem em Jesus Cristo. E especifica São Paulo: “o homem é justificado pela fé sem a prática da lei”. (Rm 3,28) Cumpre, porém compreender que as obras excluídas são, unicamente, as da lei mosaica, e não as boas obras, fruto da fé em Cristo. De fato, em outro lugar, explica o mesmo Apóstolo que para a salvação “vale a fé agindo pela caridade”, (Gl 5,6) isto é, a fé que não é apenas adesão da inteligência a Cristo, mas adesão do homem todo: inteligência e vontade, pensamentos e obras». (Ibid. Pe. Gabriel, 1990.) Justamente isto ensina Jesus, quando declara: “nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no reino dos céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus”. (Mt 7,21)
A perícope evangélica escolhida para a liturgia deste domingo (cf. Mt 7, 21-27) pertence à parte final do grande discurso chamado “Sermão da Montanha” que nos acompanha a vários domingos. Nos domingos anteriores refletimos a respeito de seus ensinamentos: sobre o caminho da verdadeira felicidade, que é o das bem-aventuranças; sobre a caridade, a pobreza e a confiança em Deus. Este “sermão” serve de introdução à vida pública de Jesus, é uma espécie de discurso inaugural e programático no evangelho de Mateus. Comparando as pessoas com casas que se edificam, exteriormente podendo até ser iguais, mas a diferença nota-se nos momentos decisivos, nas ocasiões de tormenta: uma, mantém-se firme, a outra desmorona. Portanto, quem deseja seguir Jesus deverá com sabedoria construir sua vida, como uma casa em bases sólidas, através da escuta e vivência de sua Palavra.
Disse Jesus: “Todo aquele que ouve essas minhas palavras e as põe em prática, será comparado ao homem sensato que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha. Por outro lado, todo aquele que ouve essas minhas palavras, mas não as pratica, será comparado ao homem insensato que construiu a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa e ela desmoronou. E foi grande sua ruína!” (Mt 7, 24-27)
A “casa” é a vida cristã fundada na fé em Cristo e no cumprimento de sua palavra que pode desafiar qualquer furacão. Só é capaz de perseverar no cumprimento das exigências propostas, e superar as tentações e as provas, aquele ou aquela que puser as suas orientações em prática. A sua palavra vivida é rocha; a sua palavra apenas escutada é areia. A rocha é Cristo, sobre ele e sobre a sua mensagem evangélica deveríamos estar edificados. A mensagem cristã oferece os melhores princípios sobre os quais podemos fundamentar nossa vida e a sociedade. Cristo é a única rocha sobre a qual deveríamos construir nosso ser. Ele dá firmeza, solidez e horizonte aos nossos projetos, à nossa vida no seu cotidiano. Não bastam os bons princípios, é preciso nos configurar a eles e dá-los a conhecer a outros, pelo nosso testemunho evangelizador. Ao que aceita e crê em sua palavra, Jesus diz que isto é insuficiente, pois as convicções que não se traduzem em atitudes são incapazes de resistir às provas da vida. Todos nós precisamos ter sólidos e bons “fundamentos” ou princípios. Estes princípios devem ser os que dão sentido à nossa vida, como a rocha de alicerce sobre a qual assentamos as colunas da construção de nossa personalidade, do nosso caráter, da nossa vida. Devia ser assim, mas nem sempre o é. Encontramos muitas pessoas desprovidas dos princípios elementares, de uma educação para a vida, para o amor à verdade. Em geral, influenciados por pseudo-valores ou princípios da sociedade contemporânea, apoiamos, ou edificamos nossa vida no desejo de comodidade, no prazer, no ser ou poder mais que os outros, etc. E assim agindo, construímos uma vida sobre areias movediças, lamaçais, ou em “áreas de risco” nas encostas dos morros.
Assistimos espantados aos vários fenômenos da natureza sacudindo a terra: tempestades, terremotos, furacões, inundações... E também tempestades que sacodem a sociedade como a escalada da violência, do consumo de drogas, da pornografia, da corrupção, da falta de valores morais e éticos... Fúria de um mundo hostil, mas do qual não podemos fugir. “O que está faltando: valores éticos e morais, leis mais rigorosas ou reconstruir a família?” Perguntava assustada nestes dias a apresentadora de um telejornal. Em que podemos nos segurar, quando ventos ou enxurradas querem nos desgarrar dos nossos princípios? Só a casa construída sobre um solo rochoso é capaz de resistir às torrentes passageiras ou violentas. Só os ensinamentos de Jesus são esta rocha firme onde o homem e a mulher, que constrói sobre este ensinamento, estarão seguros. No entanto, disse Jesus: “nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no reino dos céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus”. (Mt 7,21)
“O evangelho fala de modo inclemente daqueles que usam e abusam o nome de Deus. Falam em nome dele, interpretam sua lei, pregam, admoestam, fazem-se de profetas e de entendidos nos assuntos da religião, mas não fazem o que dizem... é um sinal muitas vezes significativo que a juventude de hoje dê pouco crédito às palavras e doutrinas dos mestres e pregadores. Eles exigem fatos, reclamam ações. Todavia, nas suas críticas há a percepção de que um evangelho que é ‘falação’ em lugar de ação, não vale a nossa vida, não vale o alto preço do engajamento duma existência cheia de aspirações e rica em perspectivas promissoras. Sempre existe o perigo que nossa pregação (portanto, nossas palavras) ultrapasse o alcance da nossa ação. Pode ser expressão autentica do nosso desejo de aspirar a uma vida mais cristã, mais verdadeira. Mas, pode também ser a simples ‘rotina’ de pregar as fórmulas estereotipadas dum catecismo. Então, seremos semelhantes aos pregoeiros nas feiras, matraqueando com falácias, chamam a atenção dos transeuntes. Sempre a minha pregação deve ultrapassar minha própria vida, porque não é a mim que prego, mas o Cristo. Por isso, a pregação deve sempre ter um aspecto de confissão da minha miséria, e ser expressão da sincera busca de conversão. No tempo de desmedida verbosidade e de descomprometida tagarelice dos meios de comunicação coletiva, a palavra perde seu sentido de comunhão. Não só: ai de quem mente; mas, também, ai de quem fala! O primeiro critério sóbrio da autenticidade das nossas palavras são as obras, os compromisso reais com o incerto com o risco desinteressado pelo bem do próximo. É absolutamente necessário que também o pregador se coloque na situação dos cristãos, sabendo que suas palavras serão julgadas pelas ações. Mas isto não basta!”. (Bouzon, 1978.) Por isso Santo Antonio de Pádua (1195-1231) dizia: “Cessem as palavras e falem as obras!”
É necessário “fazer a vontade do Pai” e esta vontade se resume na exigência do amor. O cristianismo precisa ser eficiente e operante; não só dizer mais fazê-lo. A fé cristã não é apenas a prática de um rito religioso, compreensão do evangelho ou vivência cristã apenas como “filosofia de vida”. “Deve a fé penetrar a vida toda e levar o homem não apenas ao simples reconhecimento abstrato da existência de Deus, mas ao reconhecimento prático: a submissão da própria vontade à de Deus, à conduta regulada conforme os divinos mandamentos... Somente a fé, concretizada em adesão plena ao divino querer, permite ao homem construir “sua casa sobre a rocha, sem medo de vir a ser destruída por ventos ou tempestades”. (Ibid. Pe. Gabriel, 1990.)
Em meio à crise e ameaça aos verdadeiros valores ou fundamentos da vida humana é necessário cavar até encontrar o terreno rochoso, aí construir alicerces sólidos em nossa vida pessoal, familiar, profissional, na comunidade cristã à qual pertencemos e na ordem mundial. É necessário “construir sobre a rocha”. 

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
Sta. Mª Madalena, Pe. Gabriel de. Intimidade Divina. São Paulo, Edições Loyola, 1990.
Bouzon, Emanuel; Romer, D. Karl Joef. A Palavra de Deus no anúncio e na oração. São Paulo, Paulinas, 1978.

Nenhum comentário:

Postar um comentário