domingo, fevereiro 06, 2011

SER SAL, VIVER O AMOR E FAZER ENTRAR A LUZ NO MUNDO


Neste 5º Domingo do Tempo Comum, somos convidados a viver a páscoa semanal de Cristo e da Igreja iluminados e impulsionados pelo símbolo da luz que esteve presente até o último dia 02 Festa da Apresentação do Senhor, que por assim dizer encerra o ciclo das festas epifânicas, quarenta dias depois da celebração do Natal do Senhor; e igualmente presente nestes primeiros domingos da pregação de Jesus. Depois de Jesus ter proclamado para a multidão as “bem-aventuranças”, ele se dirige aos discípulos valendo-se de duas imagens fortes para falar da sua missão: o sal e a luz.
Desde cedo, Jesus preocupou-se em evitar que o grupo de seus discípulos se transformasse numa espécie de seita fechada de iluminados, como havia naquele tempo. Assim era a comunidade dos essênios, às margens do mar Morto, com um fanatismo tão radical, a ponto de se considerarem filhos da luz, relegando o resto da humanidade à condição de filhos das trevas. Ou a prática religiosa dos judeus, centrada em cerimônias e jejuns coletivos.
Depois da volta do exílio babilônico, diante da difícil tarefa de reconstrução da pátria mergulhada no caos, o povo de Israel se perguntava por que motivo Deus não os ajudava mais. Coloca-se então na comunidade a necessidade de jejum e mortificação para conseguir de novo o favor divino. Em nome de Deus, o profeta Isaías responde que eles jejuam, mas, no mesmo dia, correm atrás dos negócios, exploram os trabalhadores, entregam-se a contendas e rixas. São palavras tão belas que é melhor repeti-las: “Por acaso não consiste nisso o jejum que escolhi... em repartir o teu pão com o faminto, em recolheres em tua casa os pobres desabrigados, em vestires aquele que vês nu e em não te esconderes daquele que é tua carne? Se fizeres isso a tua luz romperá como a aurora...” (cf. Is 58, 7-10) Sabemos que este é um texto da escola do profeta Isaías, que se refere ao jejum. O profeta fala, interpreta e interpela, que o que Deus quer como jejum e mortificação é não fechar-se ao próximo, a “tua própria carne”, na linguagem antropológico-semítica do Antigo Testamento. O jejum que não se abre ao próximo é um jejum estéril. Portando, o jejum aqui não se refere somente ao privar-se de comida, mas sim banir a miséria e opressão. Com isso se revelam as causas da situação: a injustiça, a falta de identificação com o que sofre; o não sentir-se afetado pessoalmente pela fome, nudez ou a pobreza dos outros, considerando esses fatos como notícias distantes ou frios dados sociológicos.
O que nos diz o profeta é tão valido para nós, cristãos do século XXI, como o era para os judeus dos séculos VII e VIII a.C. O rosto de Deus se manifesta mais na misericórdia que no cumprimento de normas, leis e ritos. Ao final de nossas vidas não seremos julgados pelas belas palavras que tenhamos dito, seremos julgados pelo amor, por nosso amor a Deus manifestado em nosso amor ao próximo. Se nossa vida está dirigida pelo amor ao próximo, se nossa luz brilhou ao longo de nossa vida em ações de caridade e justiça, desembocará necessariamente em Deus.
Parece interessantíssimo o comentário que faz o profeta Isaías às palavras de Cristo no evangelho de hoje (cf. Mt 5,13-16). Os séculos que separam a existência do profeta da existência de Cristo não impedem de ver no texto do profeta acima citado uma maravilhosa aplicação do que Jesus recomenda a seus discípulos: “Vós sois o sal da terra. Ora se o sal se tornar insosso, com que o salgaremos? Para nada mais serve, senão para ser lançado fora e pisado. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre o monte...” (Mt 5,13-14)
Mateus continua o “Sermão da Montanha” com comparações, tiradas do cotidiano das pessoas, sobre o papel do cristão na história: ser sal da terra e a luz do mundo. Todos sabemos muito bem para que serve o sal e como tudo se deteriora ou perde o seu sabor se não usá-lo. Da mesma maneira, a partir da escuridão todos conhecemos a grandeza da luz. Provavelmente são essas expressões das mais conhecidas do cristianismo e das mais usadas.
“Em razão de suas propriedades de conservar e dar gosto, o sal era considerado como portador de especial força de vida. Por causa de seu efeito de purificação, o sal desempenhou papel também no culto. O Antigo Testamento usaria com o sal a ideia de força que conserva a vida e lhe dá duração. Não faz parte apenas das necessidades vitais do homem (Jó 6,6), mas, segundo a lei mosaica, é prescrito para todos os sacrifícios. E, inclusive, o sal surge como instrumento de ligação entre o homem e Deus. O sal torna-se símbolo da inviolabilidade da Aliança com Deus e da fidelidade inquebrantável que este tem para com seu povo (Nm 18,19). São Jerônimo diz que o próprio Cristo é o “sal celeste” que penetra o céu e a terra com sua força unificadora [...] A luz é expressão para o imaterial e, sendo assim, especialmente apropriada no sentido de simbolizar a espiritualidade de Deus. Luz é o atributo da divindade: “Envolto em luz como num manto.” (Sl 104,2) A primeira apreciação de valor na Escritura foi dada à luz: “Deus viu que a luz era boa.” (Gn 1,4) A luz associa-se ao céu, como o divino. O caráter espiritual da luz manifesta-se pelo fato de ela ser o fundamento do ver e do conhecer. A sabedoria é “reflexo da luz eterna.” (Sb 7,26) O agir de Deus, o seu agir e a sua graça, revelam-se na luz.” (Lurker, 1993.)
“Se o sal se tornar insosso...” Isso é quimicamente impossível, só se a ele se misturar outras substâncias ao ponto de descaracterizá-lo ou, se o sal da vida, o que deve dar sabor e sabedoria à existência humana terminar dissolvendo-se na apatia e na vulgaridade. Então, só serve para ser jogado fora. Isso é o pior que pode acontecer ao cristianismo, deixar acontecer que ele se torne anódino, convencional, roupagem meramente exterior, tradição cultural e até folclórica. Então pode ser jogado fora, porque pode ser substituído facilmente por outros ritos e costumes sociais igualmente meramente convencionais. É que se o cristianismo não tem força interior, não é uma grande luz da alma, ficará só nisso: gestos externos, tradições seculares e costumes sociais e convencionais. Mais cedo ou mais tarde, acabará na insignificância e no nada. Os outros, o mundo, não verão nem se sentirão iluminados por nossa luz.
Não é tão evidente que tenhamos entendido como e quando o cristão é sal ou luz. Vivemos os cristãos, ombro a ombro com os problemas diários e participamos ativamente desse entremeado de alegria e dor que é a vida? Evidentemente armazenamos, fechamos, possuímos, desprezamos e impomos, logo não somos nem sal nem luz. Temos estado longe em muitas ocasiões, de ser sal e luz, porque a luz e o sal devem estar na fábrica, no escritório, na escola, na oficina, na loja, na família... O sal e a luz devem estar no esporte, no lazer, nos problemas concretos, na conta corrente, no sistema fiscal justo, na política honestamente concebida e realizada, na política que busca o bem comum. O sal e a luz estão no trato simples e amável, nas mãos que se estendem com compreensão, sem imposição e sem esperar nada em troca.
Jesus termina a perícope evangélica de hoje dizendo: “Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. (Mt 5,16) Boas obras se convertem em luz que possibilita a outras pessoas descobrir o amor e a proximidade de Deus. São sinais de uma evangelização que não se fará só com palavras, mas com gestos de amor, com gestos e maneiras de Jesus, que seguem sendo válidos e atuais.
A caridade sempre foi uma característica decisiva da comunidade cristã e dos primeiros passos da Igreja. “Com o passar dos anos e a progressiva difusão da Igreja, a prática da caridade confirmou-se como um dos seus âmbitos essenciais, juntamente com a administração dos sacramentos e o anúncio da Palavra: praticar o amor para com as viúvas e os órfãos, os presos, os doentes e necessitados de qualquer gênero pertence tanto à sua essência como o serviço dos sacramentos e o anúncio do Evangelho. A Igreja não pode descurar o serviço da caridade, como também não pode negligenciar os sacramentos nem a Palavra.” (Bento XVI, Deus Caritas Est, 2006.)     
Mas, sejamos conscientes que só seremos sal ou luz se nos deixarmos salgar e iluminar pelo próprio Cristo, e o apóstolo Paulo nos conta na sua experiência de evangelizador que é preciso deixar-se iluminar pela participação da luz que brota da Cruz de Jesus. (cf. 1Cor 2,1-5) Paulo, pregador e apóstolo se apresentou em Corinto consciente do pouco que podia fazer diante da sabedoria dos filósofos gregos, inclusive havia tido um grande fracasso em Atenas (cf. At 17), porque havia anunciado a ressurreição de um crucificado. Mas, a sabedoria de Deus, está claro não se encaixa com a do mundo. Corinto era uma cidade diferente, sendo uma cidade comercial, frente aos poderosos economicamente havia muitos marginalizados e pobres. No entanto nesta difícil e heterogenia cidade Paulo encontrou os que aceitaram a mensagem de Cristo crucificado. Disse o apóstolo: “Minha palavra e minha pregação nada tinham da persuasiva linguagem da sabedoria, mas eram uma demonstração de Espírito e poder, a fim de que a vossa fé não se baseie na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus.” (1Cor 2, 4-5) São Paulo disse aos primeiros cristãos de Corinto que ele não lhes atraiu à fé em Cristo com palavras sabias e cultas, senão que o verdadeiro artífice da evangelização foi o poder do Espírito. Por isso lhes disse, deve ficar claro que “vossa fé não se baseie na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus.” Se cremos que vamos converter e evangelizar o mundo com razões cientificas estamos equivocados. Não será à luz de nossa razão cientifica que se converterá o mundo, senão à luz de nosso amor e de nossa caridade. As razões cultas de nossos teólogos influem menos na conversão ao contrário, do exemplo de caridade e amor como o que nos deram tantos cristãos.
“A fé, que toma consciência do amor de Deus revelado no coração trespassado de Jesus na cruz suscita por sua vez o amor. Aquele amor divino é a luz fundamentalmente a única – que ilumina incessantemente o mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir. O amor é possível e nós somos capazes de praticá-lo porque criados à imagem de Deus. Viver o amor e, assim fazer entrar a luz de Deus no mundo esse é o convite que vos quero deixar. [...] Olhemos os santos, aqueles que praticaram de forma exemplar a caridade... Figuras de santos como Francisco de Assis, Inácio de Loyola, Camilo de Léllis, Vicente de Paulo, Luisa de Marilac, José B. Cottolengo, João Bosco, Luis Orione, Teresa de Calcutá – para citar apenas alguns nomes – são modelo insignes de caridade social para todo os homens de boa vontade. Os santos são os verdadeiros portadores da luz dentro da história, porque são homens e mulheres de fé, esperança e caridade” (Ibid. Bento XVI, 2006.)
Como discípulos e discípulas de Jesus, chamados a ser sal e luz, cabe-nos conservar e manter viva e acesa a fé e a consciência da presença de Cristo Crucificado e Ressuscitado e do seu mandamento do amor. Seguindo a Cristo, mudemos e melhoremos o “sabor” da história humana com nossa fé, esperança e, sobretudo, com a luz da caridade com que devemos iluminar e humanizar o mundo em que vivemos. 
PADRE ASSIS É PÁROCO DE FÁTIMA - CG/PB

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