É tempo de festa, de muita luz; o mundo está cheio de luzes, a cidade está cheia de luzes, a televisão não economiza as luzes da publicidade e os anúncios luminosos oferecem produtos que prometem a satisfação de necessidades nem sempre reais, às vezes apenas, “sonhos de consumo”. Sim, as luzes estão aí não só para iluminar a noite, mas também para nos indicar caminhos para a tão sonhada felicidade. Chegamos até a ficar ofuscados por tantas luzes!
O Natal e a Epifania (manifestação) são festas da luz, não são comemorações do aniversário cronológico do nascimento de Jesus. É bom contemplar o mistério da encarnação, o Menino no Presépio. Mas, importa não esquecer que aquele Menino veio “manifestar” ou revelar à humanidade o mistério e o dom de Deus. “O ciclo do natal-epifania é o ciclo da “manifestação do Senhor”, manifestação esplendorosa porque é a luz de Deus que ilumina e fez brilhar o mundo. É essa a ideia fundamental desse período do ano litúrgico que, origina-se da cristianização de festas pagãs em honra do sol ou da luz. No Ocidente, celebrava-se no dia 25 de dezembro a festa do Natalis Invicti. O Invicti refere-se ao sol que vence as trevas precisamente logo depois de começar o equinócio do inverno. A aplicação do simbolismo do sol a Jesus nada tem de forçado, encontrando seu fundamento na própria Escritura (Sl 18,6; Mt 4,2; Lc 1,78). É perfeitamente lógico que no sol se contemplasse a Cristo; a cristianização da festa estava feita. No Oriente, a origem da festa da epifania tem a mesma explicação, também se celebravam as festas do solstício do inverno, as festas de vitória da luz sobre as trevas, mas treze dias mais tarde, no dia 6 de janeiro, segundo já se verifica notável aumento da luz. Ao se cristianizar essa festa, celebra-se obviamente o nascimento da luz verdadeira que ilumina o mundo, Jesus Cristo.» (Borobio, 2000.)
A luz é o primeiro ato criativo de Deus. No primeiro dia da criação, “disse Deus: “Exista a luz”, e a luz existiu. Deus viu que a luz era boa; e Deus separou a luz da treva: Deus chamou à luz “dia”, e à treva, “noite”. Passou uma tarde, passou uma manhã: o primeiro dia.” (Gn 1,3-5) Essa luz não é a do sol, da lua ou das estrelas, os quais só foram criados no quarto dia. A luz do primeiro dia da criação é, a luz primordial, a luz que existiu antes do sol, da lua e das estrelas.
O autor do quarto evangelho que uma tradição antiga identificou como o apóstolo João, no prólogo do seu evangelho disse referindo-se a Jesus: “A luz verdadeira que ilumina todo homem estava vindo ao mundo. Estava no mundo, o mundo existiu por ela, e o mundo não a reconheceu.” (Jo 1,9-10) Jesus a luz autêntica e universal que brilhou nas trevas, veio ao mundo para uma revelação especial, mas a humanidade, por livre escolha, não compreende, nem reconhece a luz.
«A luz é um antigo símbolo arquetípico. Também é central para o antigo judaísmo e os primórdios do cristianismo, contexto em que Mateus e Lucas escreveram suas histórias sobre o nascimento de Jesus. E, para dizer o óbvio, a luz nas trevas é fundamental para a comemoração cristã do Natal. Jesus nasceu na mais profunda escuridão – no meio da madrugada, durante o solstício de inverno. Esse não é um tempo histórico, não é um fato histórico referente à data do nascimento de Jesus, mas um tempo parabólico, metafórico, sagrado, simbólico. O simbolismo é perfeito. O arquétipo, como sugere a raiz da palavra, é uma imagem, um “tipo” impresso na consciência humana desde tempos imemoriais, o arquétipo da luz, com seu oposto de escuridão, é central em tradições religiosas do mundo inteiro. É também, fundamental na Bíblia judaica, no Novo Testamento e na teologia. Escrevendo quase no fim do século I d.C., os autores de Mateus e Lucas redigiram seus evangelhos no contexto de um cristianismo em seu início, inundado por imagens de luz.» (Borg e Crossan, 2008.)
A luz é portanto, um dos elementos naturais que servem na linguagem bíblica para falar da grandeza divina. Isaías o Profeta-Poeta (VI a.C), canta um poema (cf. Is 60,1-22), com imagens e metáforas cheias de lirismo, sobre o triunfo da Jerusalém messiânica. “Levanta-te, brilha, pois chega a tua luz; a glória do Senhor amanhece sobre ti! Vê: as trevas cobrem a terra, a escuridão os povos; mas sobre ti amanhecerá o Senhor, sua glória aparecerá sobre ti; e à tua luz acorrerão os povos, os reis ao resplendor de tua aurora.” (Is 60,1-3) “As palavras são dirigidas à cidade, recém-destruída pela conquista babilônica de 586 a.C., e apenas humildemente reconstruída depois de os judeus retornarem do exílio na Babilônia. Jerusalém não é mais do que uma sombra de sua glória passada, como sede do templo de Salomão e capital do reino; tudo isso se foi. À Jerusalém despojada de sua glória, o profeta promete a glória de Deus, e as imagens são repletas de luz.” (Ibid. Borg e Crossan.) Podemos dizer que mais que descrever a futura Jerusalém, o autor apresenta-nos a presença luminosa de Deus, aurora que ilumina as trevas no meio do seu povo.
«Os evangelistas da Infância de Jesus viram o cumprimento desta profecia de Isaías no nascimento do “Sol da Justiça”, o verdadeiro rei messiânico. Sem dúvida que em Cristo se cumpriu o que fora anunciado pelo profeta, embora talvez pequemos por infantilidade ao querer reproduzir factualmente, historicamente, o que não é mais do que descrição poética, lenda ou parábola, obviamente com uma base sólida, do triunfo do Senhor e do seu Messias, atraindo a si todos os povos (simbolizados nos magos do Oriente que os apócrifos até os reduziram a três reis e no século VIII deram-lhe os nomes conservados pela tradição cristã: Melchior, Gaspar e Baltasar) e iluminando todo ser humano que vem a este mundo.» (Borg e Crossan, 2008.)
São Paulo disse que Deus é “o único imortal que habita na luz inacessível.” (1Tm 6,16) O Apóstolo, antigo fariseu, que na estrada de Damasco fez a experiência do Cristo Ressuscitado como luz que transformou sua vida, anuncia aos judeus-cristãos da comunidade de Efeso, um mistério que estava escondido e que unicamente se descobre por meio da graça da revelação de Deus. Jesus é a luz de toda humanidade, também “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do evangelho. (cf. Ef 3, 2-3.5-6) Esta é igualmente a mensagem do evangelho que Mateus quer fazer chegar à sua comunidade judeu-cristã com a cena do astro luminoso conduzindo os magos estrangeiros até a manjedoura do Menino Deus. (cf. Mt 2, 1-12) Mateus usa o simbolismo da luz, a estrela de Belém brilhando no céu noturno para guiar os magos ao local do nascimento de Jesus. “Jesus nasceu em Belém de Judá, quando Herodes reinava. Aconteceu que uns magos do Oriente se apresentaram em Jerusalém perguntando: Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Vimos surgir seu astro e viemos render-lhe homenagem... O astro que haviam visto surgir avançava à frente deles, até deter-se sobre o lugar em que estava o menino. Ao ver o astro, encheram-se de imensa alegria. Entraram na casa, viram o menino com sua mãe Maria, e, prostrando-se, prestaram-lhe homenagem”. (Mt 2,1-2.9-11)
«Os magos são figuras teológicas e desempenham a função de ratificar a dignidade única do protagonista do Evangelho a quem Mateus se refere. Estes homens – que eram pagãos, não judeus, e que por conseguinte desconheciam a revelação do Antigo Testamento – reconhecem o Messias e não se escandalizam com a sua humildade. Inversamente os doutores da Lei, especialistas em escritura, não O reconhcem. Estamos perante uma tese que é comum a todo o Evangelho de Mateus: Jesus é o rejeitado pelo povo de Deus e é aceito pelos gentios. Por outro lado, o episódio significa que, diante de Deus, não há acepção de pessoas. Desmoronam-se as barreiras do particularismo judaico e afirma-se o universalismo da salvação que a todos, sem distinção, é oferecida.» (Comentários à Bíblia Litúrgica)
A história dos magos é também a nossa história. Uma luz os chama, eles deixaram sua terra e empreendem uma grande viajem por terras desertas. Perdem a estrela, quando buscam na mediação dos poderosos e sábios de Jerusalém o que eles não podem dar. Voltam a encontrá-la com imensa alegria ao sair da cidade e encontrar a luz do Deus na simplicidade de um Menino no colo de Maria sua mãe.
Nossa fé é uma luz, um chamado pessoal de Deus a cada um de nós. Um chamado que problematiza uma vida inteira, que sacode a nossa escala de valores, porque exige que ponhamos como valor supremo nossa adesão a Deus, e logo tudo o mais se relativiza. O rastro luminoso da estrela segue brilhando, mas só os humildes e simples que poem sua confiança no Senhor podem vê-lo e segui-lo. Também nós temos a experiência de que quando nos apoiamos excessivamente no humano, quando deixamos nos envolver pelos problemas diários, perdemos o norte da estrela. Quando buscamos em nossa autossuficiência, na sabedoria humana a solução de nossos problemas, ou no poder, ou ainda no dinheiro, a estrela da fé se esconde, nos sentimos abandonados na escuridão, sem forças.
E ainda que pretendamos ocultar nossa falta de paz com uma falça alegria, nos falta o essencial. Só quando buscamos o Senhor com sinceridade, com simplicidade, reconhecendo nossos erros, experimentamos a imensa alegria dos magos ao encontrar o Menino luz, o menino Deus nos braços de sua mãe. E quando esta paz e alegria da fé vivida, nos invade, então somos capazes de andar por caminhos novos e cheios da luz de Deus, até somos luz para os outros. “Vós sois a luz do mundo”, disse Jesus. Luz que transforma tudo o que há ao nosso redor. Luz mágica como dos magos, que converta o ódio em amor, a ofensa em perdão e a discórdia em paz. Que o Senhor, nos conceda estes mágicos poderes contidos em nossa fé, nesta fé que ilumina nosso caminho como um estrela. Que Deus nasça em nossas vidas e inunde com sua luz cada um de nossos recantos escuros para podermos ver tudo, para que a noite torne-se dia. Pe. José Assis - Paróco de Fátima
Bibliografia: Citação de textos bíblicos - Schökel, Luis Alonço. Bíblia do Peregrino, São Paulo, 1997. Borobio, Dionisio. (org.) A Celebração na Igreja, vol 3, Ritmos e tempos da celebração. São Paulo, Loyola, 2000. Borg, Marcus J. e Crossan, John Dominic. O Primeiro Natal, o que podemos aprender com o nascimento de Jesus. Rio de janeiro, Nova Fronteira, 2008. Vários autores Comentários à Bíblia Litúrgica. Gráfica de Coimbra 2 (Portugal)
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