domingo, janeiro 09, 2011

O ministério de Jesus começa com seu batismo

Com a festa do Batismo do Senhor encerramos hoje o tempo do Natal, ao mesmo tempo em que termina esse tempo litúrgico, abre-se o grande período da vida pública ou ministério de Jesus, iniciado com o seu batismo. Vem-nos espontânea a recordação do nosso batismo, quando fomos inseridos também nós na vida pública da comunidade cristã. Os dois batismos, o de Jesus e o nosso, têm muito a ver um com o outro.
O profeta-poeta Isaías nos introduz no mistério celebrado com o primeiro dos seus quatro poemas ou “cânticos do Servo e ungido de Iahweh” que ele nos deixou, de uma beleza incomparável tanto literária como teológica. Muito já se escreveu sobre estes poemas, o resultado é que se trata tanto do povo eleito como de uma pessoa, um profeta que sintetiza todas as qualidades dos profetas, escolhido por Deus com a missão de restaurar a aliança de Deus com seu povo e, através dele, com toda a humanidade por meio do sofrimento vicário: O “servo sofredor” foi humilhado até a morte, mas Deus o reabilitou, o ressuscitou e lhe deu um lugar de honra entre os grandes. O trecho (cf. Is 42,1-4,6-7) tirado do primeiro “cântico do servo”, um oráculo no qual Deus apresenta o seu servo e explica-lhe sua eleição divina: “Vede meu servo, a quem sustento; meu escolhido, a quem prefiro. Sobre ele pus meu espírito, para que promova o direito nas nações. Não gritará, não clamará, não alardeará pelas ruas. Não quebrará a cana rachada, não apagará o pavio vacilante. Promoverá fielmente o direito, não vacilará nem se quebrará, até implantar o direito na terra.” (Is 42,1-4)
Tanto Mateus como Marcos citaram este oráculo ao narrarem o batismo de Cristo. O contexto ou ambientação histórica desta colocação são os anos de exílio na Babilônia e a libertação do povo de Israel para um horizonte mais amplo, transpondo as fronteiras de Israel, englobando todos os povos e nações para entrar no projeto de salvação universal. Este pensamento aparecerá no Novo Testamento quando se falar da missão de Jesus chamando a todos para participar da salvação. “O cometimento é implantar o direito e a lei de Deus, ou seja, difundir a revelação da sua vontade, que é justiça e ordem entre os homens. O âmbito é universal. O servo realizará esta empresa não com as armas ou pela força, senão com novo estilo do Espírito: suavidade e mansidão com o que é fraco, mas também ele não fraquejará. Essa revelação da vontade de Deus, que é o estabelecimento de um reino universal de justiça, é o que obscuramente esperam os povos desconhecidos.” (Schökel, 1998.)
Em Jesus os cristãos descobriram o cumprimento das promessas que durante séculos alimentaram a esperança do povo de Israel. O “servo de Iahweh” anunciado pelo profeta Isaías, que traz o direito às nações é este Jesus de Nazaré que se aproxima como um judeu a mais do precursor que alardeia às margens do Jordão um batismo. Mateus diz em seu evangelho que Jesus foi da Galiléia ao Jordão se apresentar a João Batista e deixar-se batizar por ele. (cf. Mt 3, 13-17) Isto é surpreendente! Jesus que viveu ocultamente em Nazaré a maior parte de sua vida, faz sua primeira aparição acompanhando uma multidão vinda da Judéia e de Jerusalém para o batismo de João. “O que é verdadeiramente novo é que Jesus queria ser batizado, que entre na multidão triste dos pecadores, que aguardam nas margens do rio Jordão. O batismo implicava na sua essência, uma confissão dos pecados e a tentativa de se despojar de uma vida falhada e de receber uma nova vida. Podia Jesus fazer isso? Como ele podia confessar pecados? Como Ele podia separar-se da sua vida anterior diante de uma vida nova? Os cristãos deviam se colocar esta questão.” (Bento XVI, 2007.)
Todo este acontecimento está carregado de profundo sentido e o evangelista Mateus quer que desde o princípio voltemos nosso olhar na direção da missão e da tarefa do “servo do Senhor” de Isaías. É necessário dizer preliminarmente também, que todo o relato do Batismo de Jesus é uma “epifania” (manifestação), quer dizer, um relato revelador de realidades profundas em uma linguagem própria repleta de simbolismo. O batismo de Jesus e a revelação da sua identidade e o assumir público da sua missão como “Servo de Iahweh”. Naquele momento João tenta dissuadi-lo dizendo: “Sou que quem precisa ser batizado por ti, e tu vens a mim? Jesus lhe respondeu: Deixa por ora, pois desse modo convém que realizemos toda a justiça.” (Mt 3,14-15) Este certo diálogo de Jesus com João é altamente dramático e significativo. A resposta de Jesus é uma expressão carregada de sentido na história da salvação. Deus tem um plano e nele está incluído este encontro fundamental. Em outras palavras, Jesus insiste dizendo: “Realizemos este projeto desde o começo”.
Este gesto de Jesus deixando-se batizar por João tem um sentido muito profundo. “A partir da cruz e da ressurreição tornou-se claro para a cristandade o que estava acontecendo: Jesus tomou sobre os seus ombros o peso da culpa de toda humanidade; levou-a pelo Jordão abaixo. Ele inaugura o seu ministério inserindo-se no lugar dos pecadores... Todo o significado do batismo de Jesus, só na cruz é que se revela: o batismo é a aceitação da morte pelos pecados da humanidade.” (Ibid. Bento XVI.) Ele quer compartilhar plenamente esperanças e expectativas de todos os homens e mulheres. Não é a humanidade que vai a Ele, mas Ele que vai até ela, seguindo a lógica da encarnação. Como o “Servo sofredor” de Isaías, Ele é sem pecado, mas vem tomar sobre si todo o pecado do mundo; Ele quis, desde o início da sua vida pública, colocar-se ao lado e solidário com todos os pecadores, se fez um deles, aceitou a condição deles. Através da imersão de Cristo nas águas do Jordão se reabre os céus depois de estarem fechados tanto tempo por causa do pecado.
Tendo sido batizado, “o céu se abriu, e ele viu o Espírito de Deus que descia como pomba e pousava sobre ele; ouviu-se uma voz do céu que dizia: Este é o meu Filho querido, o meu predileto.” (Mt 3,16-17) Isto é já um chamado de atenção para a ressurreição.“Somente a partir daqui é que é possível compreender o batismo cristão. A antecipação da morte na cruz, que aconteceu no batismo de Jesus é a antecipação da ressurreição, que se tinha anunciado na voz celeste, tornam-se agora realidade... Seguir o convite para o batismo significa então entrar no lugar do batismo de Jesus e, assim, na sua identificação conosco, receber a nossa identificação com Ele.” (Ibid. Bento XVI.)
Através batismo acontece uma “teofania” (manifestação de Deus). O espírito que posa sobre Jesus, em forma de pomba e a voz do Pai, marcam e selam a identidade de Jesus, Deus mesmo está nele, o batizado no Jordão é o Filho de Deus. Esta é a nossa fé em Jesus como presença do mistério de Deus na história e no vir a ser da humanidade. O batismo de Jesus é também uma “epifania”, isso mesmo deve ser o nosso batismo. Essa epifania do que Deus é e do que Deus faz na pessoa. O cristão batizado podemos dizer é uma pessoa em quem se manifesta o Deus Trinitário. Em virtude da relação pessoal que mantém com cada uma das pessoas divinas. Como filho ou filha do Pai vive uma verdadeira relação filial, sobretudo na oração e na adoração. Como redimido pelo Filho e mergulhado em sua mesma vida, em relação principalmente de discipulado, de seguimento e imitação e como templo do Espírito Santo vive a dimensão santificadora do seu existir cotidiano, familiar, profissional e social. O batizado é ao mesmo tempo epifania da ação de Deus na pessoa humana; uma ação purificadora, que manifesta a “justiça” e o perdão de Deus.
O Apóstolo Pedro hospedado na casa de Cornélio, um não judeu, militar romano, que vivia em Cesaréia, primeira conversão ao evangelho e batismo de um pagão-gentio e de sua família como fruto da pregação de Pedro. Anuncia que Deus não faz distinção de pessoas, aceita qualquer pessoa que teme ao Senhor e pratica sua justiça, seja de que nacionalidade for e em seu discurso (cf. At 10, 34-48) resume o ministério de Jesus assim: “Vós conheceis o que aconteceu por toda Judéia, começando pela Galiléia, a partir do batismo que João pregava. Deus ungiu com Espírito Santo e poder a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos... porque Deus estava com ele.” (At 10, 37-38) Pedro comprova que Jesus é o verdadeiro “Servo de Iahweh” que realizou plenamente aquela missão anunciada e que todos são chamados à filiação divina, realmente todas as pessoas interessam a Deus. Para os que crêem já não há distinção de raça língua, nação ou expressão religiosa. Sim, Pedro e os seus companheiros são testemunhas de que Jesus passou pelo mundo fazendo o bem, dos gestos de bondade, de misericórdia, de perdão, de solidariedade, de amor, de Jesus para com as pessoas que encontraram nele o projeto libertador de Deus em ação. Esse projeto continuará hoje, em ação no mundo, se nós cristãos batizados, comprometidos com Jesus e com a sua missão, acreditarmos que o diálogo com todas as pessoas for possível, necessário e urgente e formos assim igualmente suas testemunhas, com gestos concretos de acolhimento, bondade, misericórdia, perdão e amor de Deus sem qualquer forma de distinção de pessoas.
Vivemos num mundo desafiador e questionador onde só palavra não convence. Há, aliás, uma inflação de discursos e pregações. Não basta termos recebido o batismo. Não são suficientes belas celebrações. O que se requer é um compromisso com a justiça que cria novas relações na comunidade e fora dela. Será que nós, cristãos batizados temos consciência de que somos instrumentos de Deus para renovação e transformação do mundo? Deixar-se batizar deveria implicar uma consciência da aceitação do projeto de Jesus; de uma vivência de seu mistério; de um compromisso com seu programa de construção do Reino de Deus. Mas isso não vem acontecendo. Talvez dois costumes da Igreja contribuíram para o fato: a grande maioria é batizada quando criança, e isto desde os tempos mais antigos; e tem-se administrado o batismo indiscriminadamente a filhos de pais não-praticantes e, portanto, alheios à fé viva e engajada na comunidade. A Igreja sente e vê esse problema (que não é teológico, mas pastoral) e procura contorná-lo com cursos de pais e padrinhos, renovação das promessas batismais, catequese de adolescentes e jovens, iniciação cristã de adultos e reforço no catecumenato crismal. O ideal para cada batizado seria o exemplo de Jesus que a partir do batismo assumiu de corpo e alma a sua missão e a levou até suas últimas consequências.

Padre Assis - Pároco de Fátima

Bibliografia
Referências bíblicas: Schökel, Alonso L.. Bíblia do Peregrino. São Paulo, Paulus, 2002.
Schökel, Alonso L.; Diaz, Sicre J.L.. Profetas I: Isaías e Jeremias. São Paulo, Paulinas, 1988.
Bento XVI. Jesus de Nazaré. São Paulo, Planeta, 2007.

2 comentários:

  1. As melhores coisas da
    vida são vistas com
    o coração!

    Um enorme Abraço para e fiquem com Deus.

    Loudes.

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  2. QUE O SENHO JESUS ILUMINE SEMPRE OS SEUS PASSOS E AS SUAS LINDAS MENSAGENS. QUE SEMPRE ALEGRAS OS NOSSOS CORAÇÕES!

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