domingo, janeiro 23, 2011
A luz do Evangelho
O Tempo Comum da Liturgia e a vida cotidiana são o tempo e o lugar em que cada um de nós precisa descobrir as grandes e pequenas coisas como dons de Deus e como Pedro, André, Tiago e João perceber o chamado para o discipulado de Jesus. O fundamental no seguimento de Jesus é o amor, mas para segui-lo também é preciso nos converter e deixar iluminar as trevas de nossas vidas, para sermos capazes de como seus discípulos iluminar outras pessoas que muitas vezes atravessam momentos obscuros, confusos e tristes em suas vidas; estados resultantes da própria existência, como por exemplo: uma enfermidade, a morte de um ente querido, um amor fracassado, uma desgraça familiar... Mas, às vezes trata-se de obscuridades interiores: provações, aridez espiritual, sentimento da própria fragilidade moral, perda da energia interior. Ante esta situação humana tão real e tão universal, tão complexa e tão diversificada é preciso iluminar estes estados da vida com a fé em Deus como luz e salvação (cf. Sl 27,1) e ter sua Palavra como lâmpada e luz que ilumina o lugar tenebroso da existência humana. (cf. Sl 119,105)
O profeta Isaias num oráculo cheio de esperança fala de “uma luz” que irá começar a brilhar por cima dos montes da Galiléia e que irá iluminar toda a terra: “O povo que caminhava em trevas viu uma luz intensa, os que habitavam um país de sombras se inundaram de luz”. (Is 9,1) O profeta recorda as humilhações, as derrotas, os momentos difíceis de uma guerra perdida por que passou o povo de Israel. Por volta do ano 732 a.C. as tribos da Galiléia: Zabulon e Neftali foram invadidas pelos povos do Norte, despojadas de seus territórios, de seus bens e deportadas para a Assíria, ali condenadas a viver em terra estranha, no meio de seus próprios inimigos. Dessa situação de trevas, depois da humilhação, brilha uma luz de esperança e de alegria, o nascimento de um filho real, unido profeticamente ao “Emanuel” e cujos atributos excepcionais só serão realidade plena em Cristo. (cf. Is 9,5-6)
Mateus interpreta como um rabino o oráculo de Isaías, aplicando-o concretamente a Jesus. Nele a promessa de Isaías realiza-se, na visão teológica de Mateus. Para o judaísmo do tempo de Jesus ser luz era uma qualidade messiânica. Mateus vê no inicio da pregação de Jesus que ele é a grande luz para o povo que caminhava nas trevas do erro e da morte. Jesus é nossa luz, porque todos vivem de algum modo nas trevas, sobretudo em tempos de mudança de época; mudança de parâmetros culturais, sociais e religiosos, nos quais muitas vezes não sabemos ao certo o que devemos fazer. Nós devemos ser agora testemunhas desta luz. Como disse o Apóstolo Paulo: “O Messias não me enviou para batizar, mas para anunciar a boa notícia” (1Cor 1,17), quer dizer, não simplesmente batizar aos já convencidos, mas comunicar aos outros a luz do evangelho. Esta é a primeira tarefa da Igreja, que afeta a todos os cristãos.
As terras de Zabulon e Neftali, a Galiléia dos gentios, a região semi-pagã odiada pelos judeus desde a sua devastação vai ser sete séculos depois o cenário da revelação luminosa, o lugar escolhido por Jesus para iniciar a sua atividade messiânica: “Ao saber que João fora preso, Jesus se retirou para a Galiléia, saiu de Nazaré e se estabeleceu em Cafarnaum, junto ao lago, no território de Zabulon e Neftali.” (cf. Mt. 4,12-13) Jesus foi habitar nos confins desta terra, a “Galiléia dos gentios”, região sombria do ponto de vista religioso, de sincretismo e relaxamento dos costumes morais. Nesta periferia do mundo Jesus começou a anunciar o evangelho. Ele começa a partir dos últimos, dos mais desprezados pela elite religiosa de seu tempo. Para esta gente religiosa, cultural e socialmente desprezada Cristo quis brilhar como uma luz. Ele poderia ter-se situado num contexto mais “religioso” entre os sacerdotes e piedosos judeus em Jerusalém, ou ter escolhido o caminho de tantos monges essênios ou profetas, fugir para o deserto, mas não, ele escolhe aproximar-se de tudo isso, cercar-se dos mais desprezados, pois Deus se aproxima antes dos pequenos e humildes, dos que vivem no anonimato.
Esta é uma reflexão muito interessante para nós hoje, nos questionarmos: Perto de quem ou onde nos situamos, nós os cristãos-evangelizadores de hoje? Será que nos situamos nas fronteiras missionárias, desafiadoras da Galiléia de hoje? Não estaríamos nós acomodados ou por demais instalados em situações profundamente conservadoras? Já disse alguém que uma evangelização confinada a um território ou a um grupo fechado de pessoas não é autêntica.
A decisão de Jesus de deixar Nazaré e morar em Cafarnaum é um símbolo significativo de seu projeto missionário e evangelizador. Cafarnaum é uma cidade junto ao Lago de Genezaré, por onde passava uma importante estrada a caminho do mar, ligação entre diversas nações. Jesus escolhe um lugar estratégico para iniciar sua atividade missionária. Mas sua escolha não se situa somente neste plano estratégico, ela também não é símbolo de sua instalação ou imobilidade, Recordo-me agora de uma figura melancólica do passado, o chamado “vigário colado”, figura inamovível, imexível de uma estrutura eclesial que acredito, tenha ficado no passado, pelos enormes prejuízos causados à sadia e criativa evangelização. Pode-se imaginar o bem enorme ao padre-vigário e à comunidade a sua desinstalação, a sua mudança para uma nova realidade de vida e missão.
Cafarnaum tem uma significação simbólica, por ser uma cidade fronteiriça entre o povo de Israel e o mundo pagão, simboliza a abertura da evangelização ao mundo pagão, é um sinal da chegada do evangelho ao mundo “gentio”. A casa de Jesus não será estável e fechada, inclusive ele vai adotar uma forma nova de proclamação da Palavra de Deus, vai “caminhar” nas margens do lago da Galiléia, será um pregador permanentemente itinerante durante todo o seu ministério e fundará um movimento de pregadores ambulantes para alcançar as aldeias e os povoados mais distantes, para anunciar-lhes a Boa Nova da presença do reino de Deus, para que a luz continue brilhando, pois a luz e a salvação não são para muitos nem poucos, mas para todos, é universal. Como evangelizamos hoje? O que fazemos para ser luz para os que vivem conosco? Ser cristão, mais que limitar-se a ir à missa ou ser uma pessoa boa, é comunicar e testemunhar o evangelho.
A primeira mensagem de Jesus ao começar sua pregação é a conversão. Estejamos nós acomodados ou envolvidos no mar de dificuldades de evangelizar hoje, o que importa é escutar o Senhor que vem ao nosso encontro e nos lança o convite à permanente conversão: “Arrependei-vos pois está próximo o reinado de Deus” (Mt 4,17) e quer para nós, porque nos ama de verdade, uma mudança de rota e de rumo em nossa vida e por isso nos chama a segui-lo como o fez às margens do lago da Galiléia com duas duplas de irmãos, que ele os encontrou no seu ambiente familiar e de trabalho e lhes propôs outra coisa: “Vinde comigo e vos farei pescadores de homens. Imediatamente deixaram as redes e o seguiram.” (cf. Mt 4, 19-22) Pedro e André, Tiago e João sem saberem muito em que consistirá esta nova tarefa, e antes de penetrarem no seu conteúdo, dão uma resposta imediata.
Mateus parece ter a experiência da Igreja primitiva, sabendo que a conversão não é tão fácil ou evidente. Conversão, exige de nós uma mudança interior para com Deus, para com o outro, para com o mundo em que vivemos. Também nós nos acomodamos, nos instalamos e ficamos comodamente sentados no marco cristão no qual funciona nossa vida. Como se não houvesse nada que precisasse ser mudado, nada mais de novo a aprender, nada a conhecer, nada a experimentar ou a aspirar. Instalamo-nos muitas vezes em uma situação cômoda. A conversão é uma decisão que tenho que tomar agora e não deixar para depois, pois seria não ouvir o chamado do Senhor. “Deus não quer penitência, como se ele se alegrasse com nossas mortificações. Ele é o Deus da vida. Ele quer a nossa total adesão, a conversão de todo o nosso coração para ele. Isto não é possível sem sairmos de nós mesmos, sem uma profunda inversão de valores humanos. Isto é conversão, e conversão sem penitência não existe. Fé sem conversão de nosso coração para Deus é apenas uma fé superficial. Conversão sem verdadeira penitência permanente é uma bela teoria. A força de tudo está na fé que é entrega.” (Bouzon, 1978.)
“Farei de vós pescadores de homens”. “Esta frase não tem paralelo conhecido em nenhuma das literaturas do meio judaico envolvente, é de origem cristã e significa a missão de serviço da Palavra de Deus que Jesus confiará aos seus discípulos. É a palavra peremptória e vinculante de Jesus que confia este serviço àqueles que são por Ele chamados. Assim sendo, vemos Jesus situado no mesmo plano de Javé no Antigo Testamento, chamando os profetas para o mesmo serviço da palavra. É um chamamento insistente e irresistível, apesar da resistência e repugnância que experimenta aquele que é chamado a um tal serviço devido às dificuldades que o anúncio da Palavra de Deus acarreta. Foi o que aconteceu a Jeremias (Jr 20,7s), a Paulo (1Cor 9,16) e talvez, de uma maneira menos visível e sensível, a qualquer anunciador da Palavra de Deus.” (Comentários à Bíblia Litúrgica)
Seremos hoje Pedro, André, Tiago e João? Como aqueles apóstolos não fomos chamados para estarmos acomodados, fixos, quietos, instalados, mas para caminhar. “Segui-me, vem comigo!” Este chamado dirige-se também a cada um de nós homens e mulheres de hoje. Jesus, a luz do mundo, continua em todos os recantos da terra a nos chamar e nos pedir clareza, fidelidade, firmeza, radicalidade na fé e na missão. Importa a opção livre de seguir a Cristo e comprometer-se irrevogavelmente com o anúncio-testemunho do Evangelho.
Padre Assis - Paróco de Fátima
Bibliografia:
Citação de textos bíblicos - Schökel, Luis Alonço. Bíblia do Peregrino, São Paulo, 1997.
Vários autores Comentários à Bíblia Litúrgica. Gráfica de Coimbra 2 (Portugal)
Bouzon, Emanuel.; Romer, Karl Josef. A Palavra de Deus no anúncio e na oração. São Paulo, Paulinas, 1978.
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