quinta-feira, dezembro 30, 2010
Deus quis nascer numa família
Deus quis nascer numa família e desde então a família é sagrada como sagrado é tudo o que Ele toca. Mas, esta sagrada família poderia ser apresentada com mais doçura e alegria, no entanto, o evangelho nos apresenta a página da família de Nazaré em dificuldade, em pleno caminho doloroso do exílio. Jesus, Maria e José vivem a condição dramática dos fugitivos e percorrem um caminho que antecipa, em certo sentido, o caminho do calvário: incerteza, medo, insegurança. Também hoje, muitas famílias podem reconhecer-se neste relato. Enfrentam com frequência condições sub-humanas de vida e trabalho, a insegurança, a marginalização, a falta de trabalho e de um lugar digno e seguro para viver. “Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho. Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão bela, do filho de Deus. Talvez se aprenda até, insensivelmente, a imitá-lo.” (Paulo VI)
A festa da sagrada família nos recorda que nesse espaço sagrado que é a família, porque Deus a tocou, se celebra a insustentável liturgia do cotidiano, feita de gestos recíprocos de amor e pertença, de tolerância e colhimento, comunidade de vida e amor capaz de ser sagrada porque quem a tocou com seu nascimento, é sagrado, é o Filho de Deus.
A liturgia da Palavra desta festa nos encaminha a um progressivo enriquecimento de nossa vida familiar e comunitária. Temer ou honrar o pai e a mãe é como acumular um tesouro dizia a sabedoria antiga (cf. Eclo 3,2-6; 12-14), é como uma fonte de recompensas, porque sem pai e sem mãe não se pode ser pessoa. A insistência na observância do quarto mandamento, “honrar”, nos põe em contato com o reconhecer o valor, o caráter sagrado da pessoa, independentemente de que suas mãos possam ser-nos ou não úteis; a delicadeza com os membros mais fracos de nossa família, de nossa comunidade, como os anciãos e as crianças, pode converter-se no suporte mais sólido e testemunhal da família, da comunidade, sem ter que recorrer a nenhuma defesa política.
O apóstolo Paulo na carta aos colossenses (cf. Cl 3,12-21) enfoca características e qualidades da família fundada nos valores cristãos, um verdadeiro código familiar cristão assumindo valores como a misericórdia, a bondade, a humildade, a mansidão, a paciência, que são necessários para toda família e o devem ser com mais razão para uma família que se sente cristã.
O relato da fuga de José com o menino e sua mãe para o Egito, para escapar à perseguição de Herodes e da volta deles do Egito para Nazaré (cf. Mt 2,13-15.19-23) foi, certamente influenciado literariamente pela tradição da fuga de Moisés para Madiã (cf. Ex 2,15). Como sabemos, este evangelho é escrito como uma catequese judeu-cristã, especialmente para o ambiente de judeus convertidos do primeiro século. Pretende fazer uma comparação entre o povo do Antigo Testamento e Jesus. Como o povo hebreu experimentou a fuga do Egito, no êxodo, em direção a terra prometida, assim o Salvador virá do Egito para introduzir o povo na nova terra prometida, o seu Reino. É a experiência vivida por José, cuidando da sagrada família para que volte do Egito para a sua terra Nazaré, porque é aí onde Mateus no seu evangelho quer enlaçar os dados históricos da vida de Jesus.
O relato é uma peça estranha que exige interpretação refinada porque não é uma narração propriamente histórica, mas fala de sonhos. “Um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e lhe disse: Levanta-te, pega o menino e a mãe, foge para o Egito e fica aí até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo.” (Mt 2, 13-14) “Aparentemente será difícil interpretar para o homem moderno, o significado de sonhos e as aparições de anjos. O homem moderno em sua superficialidade conhece apenas um mundo utilitarista, um mundo das experiências e das averiguações. O homem da nossa era ‘esclarecida e iluminada’ não sabe bem como colocar Deus dentro da sua cosmovisão científica. Não deseja apelar para os anjos a fim de explicar a realidade. Sonhos, admite-os, mas apenas como objeto científico da psicanálise... Não é intenção do evangelista ocupar os ouvintes com elucubrações ousadas para provar a historicidade da viagem por terras egípcias; mais importante é descobrir a verdadeira intenção do hagiógrafo... Do ponto de vista teológico nota-se a preocupação do evangelista em acentuar o cuidado especial de Deus por seu Messias. O próprio Deus, intervém no curso da história. A ordem divina é fugir para o Egito, o lugar clássico de refúgio para judeus perseguidos (cf. 2Rs 11,40; Jr 26,21). José assume plenamente sua missão de protetor e pai adotivo do Messias! Ele aceita a vontade de Deus sem reclamar, sem opor objeções; embora a fidelidade a essa missão lhe traga grandes dificuldades, inclusive o exílio em um país estrangeiro!” (Bouzon, 1978.)
“José levantou-se, pegou o menino e a mãe, ainda de noite, e se refugiou no Egito.” (Mt 2,14) Os antigos patriarcas se viram obrigados a descer para o Egito inquietados pela necessidade de alimentos. No Egito espera o patriarca José que seja fácil um lugar apropriado para a vida do seu povo de pastores. As situações mudaram e quatro séculos depois o povo hebreu se viu obrigado a duros trabalhos forçados, a escravidão do Egito. Foram perseguidos pelos faraós que decretaram a morte de todos os meninos. Deus interveio e os tirou do Egito pela mão de Moisés. Este acontecimento inspirou Mateus para compor este relato de Jesus.
“O anjo do Senhor apareceu em sonhos a José no Egito, e lhe recomendou: Levanta-te, toma o menino e a mãe e dirige-te para Israel, pois morreram os que atentavam contra a vida do menino.” (Mt 2,19-20) Voltou para a Galiléia e se estabeleceu em um povoado chamado Nazaré. O Egito não é a pátria definitiva do povo de Deus nem tampouco do Filho de Deus feito homem. É uma etapa dolorosa, ambos se dirigiram à terra prometida. Deus chama seu Filho Jesus do Egito para que volte à terra da verdadeira liberdade. “Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta: Chamei meu filho que estava no Egito.” (Mt 2,15) Jesus assume e realiza o itinerário de seu povo e o faz em família. O projeto de Deus para sua família e para todas as famílias não é a escravidão nem o exílio, mas a terra da liberdade. Mas, também para cada um de nós pode haver um “desterro” entendido como experiência de liberdade. Trata-se de nos libertarmos de tudo o que representa ameaça a pessoa, a vida, a liberdade, o espírito e a família mesma. Trata-se de por a salvo os valores mais preciosos aqueles que são transparentes à luz de um mundo diferente, de uma maneira de ser e de estar ao estilo de José “homem dos sonhos” que aceita a intervenção do alto, que está e é sensível ao convite de partir, quer dizer, de deixar o seu lugar à voz de quem bem sabe do humano pois é criatura sua.
A sagrada família se estabeleceu em um povoado chamado Nazaré, onde eles cumpririam um programa de vida familiar marcado pela busca de fazer a vontade de Deus fruto da escuta da Escritura, convivência íntima e amorosa, trabalho e vida religiosa e social comum às famílias daquele tempo, aí o Filho de Deus viveu a maior parte do seu tempo. “A vida de Jesus em Nazaré esconde um grande mistério. Ele escolheu o realismo da situação humana, marcada pela simplicidade, pelo anonimato, pelo trabalho. A Sagrada Família realiza a mais perfeita experiência de comunhão da Santíssima Trindade aqui na terra. A caridade vivida no dia-a-dia, a proximidade das pessoas, os problemas da vida em comum, separados pelo amor de oblação, fazem da Família de Nazaré o mais encantador modelo de convivência familiar”. (Goedert, 2004.)
O mundo necessita que os cristãos lhe anunciem o projeto de Deus para as famílias, a saber: que vivam em liberdade, em comunhão, em mútua ajuda, unidas nas alegrias e tristezas e tendo como modelo exemplar a família de Nazaré. Guiados por essa esperança é necessário trabalhar e cada um se incumba na construção desta realidade admirável que é a família. Hoje como ontem, a família é assaltada por todos os lados, portanto, necessita uma atenção vigilante. Todas as famílias que sofrem por qualquer motivo têm onde dirigir o olhar para recuperar sua comunhão profunda, sua mutua ajuda, suas razões para seguir adiante motivados por uma grande esperança. Só por aí, recuperaremos esta célula básica e insubstituível para a Igreja e para a sociedade.
É necessário voltar às raízes da família segundo o projeto de Deus, voltar às origens da família como comunidade de vida e de amor. É urgente recuperar na família, em todos os momentos, as relações de diálogo respeitoso e ternura. O projeto de Deus segue sendo válido e eficaz. Hoje como nunca é necessário recuperar o sentido total da família. Todos os membros devem respeitar-se e querer-se sinceramente. A convivência familiar estará apoiada continuamente pelo sacramento que está na base de sua formação.
Pe. José Assis - Paróco de Fátima CG.
Bibliografia:
Goedert. Valter Maurício. Nasceu o salvador, espiritualidade natalina. São Paulo, Paulinas, 2004.
Paulo VI. Liturgia das Horas, Festa da Sagrada Família, Vozes/Paulinas/Paulus/Ave Maria, 1999
Bouzon, Emanuel.; Romer, Karl Josef. A Palavra de Deus no anúncio e na oração. São Paulo, Paulinas, 1978.
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façam seu comentários pois nos ajudar a melhora nosso blog. hélio diniz... exclusividade do blog desta semana para o texto de Pe.Assis. muito bom!
ResponderExcluirexclusivo !!! legal
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