ARTIGO Pe. ASSIS

ARTIGO DE PADRE ASSIS!

O encontro com a misericórdia do Pai

15| Setembro de 2013
No Evangelho de hoje (cf. Lc 15,1-32) Jesus nos mostra com imagens cotidianas as feições do amor que Deus tem por cada um de nós e o medo de nos perder. Ele se apresenta como um “pastor” (15,4-7) preocupado por todas e cada uma de suas ovelhas, que se põe a caminho para recuperar a “ovelha perdida”; como uma “mulher” empenhada em conservar até a última moeda de seu patrimônio, que procura atentamente uma “drácma” perdida (15,9-10); ou ainda como um pai amoroso que não se resigna com a perda do filho (15,11-32) e se alegra com a sua volta e busca a reconciliação com o outro filho que não se sente mais de casa. Isto é o que quer significar estas parábolas, todos e cada um de nós, filhos e filhas, somos importantes, valiosos e amados individualmente pelo Deus-Pai que se afeiçoou a nós com um amor tão absoluto que estremece de medo de nos perder ou de nos condenar para sempre, como quem ama tem medo de perder a pessoa amada.
Estar longe deste Deus-Pai e dos outros por razões humanas é perder tempo, é perder Deus. Então deveria nascer espontaneamente em nós a necessidade de pedir perdão, pois só o amor gratuito e livre é capaz de perdoar.
Jesus começa estas “parábolas da misericórdia” porque está sendo questionado em sua atitude frente aos pecadores: “Este homem acolhe pecadores e come com eles.”(v. 2) “Para bem compreendermos o Evangelho de hoje é necessário partir do enquadramento da cena nos versículos 1-3 e das personagens presentes em primeiro plano: de um lado, ‘publicanos’ e ‘pecadores’ quer se aproximar de Jesus para o ouvirem; e do outro, os ‘fariseus’ e os ‘escribas’ que murmuraram, julgam e, de certo modo, condenam Jesus (15,1-2). As parábolas apresentam então, uma intenção polêmica em relação a estes últimos, mas a finalidade primeira é a de mostrar a publicanos e pecadores a infinita misericórdia de Deus, a importância da conversão para a salvação, a alegria no Céu por um pecador que se arrepende.” (Casarin, 2010.)
Os fariseus e escribas criticam Jesus porque ele sai da ordem estabelecida na sociedade judia da época porque mantém relações de proximidade com cobradores de impostos, prostitutas, enfermos, que se acreditavam assim por causa do seu pecado, ou com os que a sua própria origem ou profissão lhes fazia indignos da relação com eles e inclusive sem possibilidade de salvação divina, os não pertencentes ao povo judeu: samaritanos, pagãos, romanos etc. a todos esses Jesus, com a parábola do “filho prodigo”, lhes faz saber que também são

amados por Deus. Que a graça de Deus e o amor do Pai são tão grandes, e sua misericórdia tal, que não leva em conta quanto imperfeitos ou importantes tenham sido nossos pecados aos olhos das pessoas, pois somos dignos de implorar seu perdão, ser humildes para reconhecer nossos erros e voltar à sua casa.
Os pecadores aproximavam-se de Jesus porque Ele lhes apresentava um Deus do qual não lhes falavam os escribas e doutores da lei. “O verbo ‘aproximar-se’ evoca distância. Somente a distância pode ser cenário do aproximar-se. Para se aproximar alguém precisa se sentir distante. E como se trata de Deus e do ser humano, sabemos que foi este a se afastar de Deus. Adão fugiu da presença do Senhor (Gn 3,8). Desde as primeiras páginas da Sagrada Escritura se fala de Deus que procura encurtar as distâncias e desce, ao jardim, à brisa da tarde, chamando o homem que havia se escondido. ‘Adão, onde estás?’, pergunta aquele que criou o homem para que lhe seja interlocutor e habite em sua casa todos os dias da vida (Sl 27,4). O pecador se afasta de Deus, porque o pecado consiste exatamente em errar de direção, em caminhar no sentido contrário, de modo que a meta acaba ficando para trás. No nosso contexto, aproximar-se significa kairós, isto é, que o tempo está próximo (Ap 22,10), que os tempos messiânicos estão à porta. Este é o tempo favorável. Os pecadores aproximam-se de Cristo, mas porque ele se aproxima deles... Deus entrou no pecado dos pecadores para desfazer qualquer distância, para fazer reviver a proximidade idealizada na criação, entra bem aí onde a pessoa está convencida de que pode se esconder de Deus, vem e encurta essa distância, entregando-se, de modo que a pessoa o possa descobrir, libertando-se em Cristo, o possa aproximar.” (RupniK, 2005.) 
Só um amor muito forte explica e justifica esta proximidade de Deus e este medo de perder a humanidade tão amada por Ele, fazendo-se próximo em Cristo, o perdão e a misericórdia. De um amor infinito é natural que saia um infinito perdão. Esse amor, tão retratado ao longo do Antigo Testamento, culmina em Jesus e é colocado por Ele como centro da sua atividade e pregação. Este amor misericordioso de Deus é o protagonista destas três parábolas: está representado no pastor que vai atrás da ovelha perdida, na mulher que encontra a moeda e no pai que espera a volta do filho menor, que pede sua herança com toda liberdade, para abandonar seu pai e sua casa. O jovem menor pagará caro sua insensatez, sentirá a amargura da solidão e o abandono dos que lhe festejavam quando tinha dinheiro e lhe deram as costas quando tudo se acabou. Na lama, entre porcos, ruminou sua dor, sua fome e sua vergonha; chorou em silêncio ao recordar o pão da casa de seu pai, cujos trabalhadores viviam mil vezes melhor que ele. Como é grande o número de pessoas que não se sentem amadas por ninguém, para as quais não se tem um olhar a não ser para o que elas possuem; muitas pessoas sabem que quando não forem mais úteis, ninguém mais se interessará por elas. Esta descoberta fez o filho menor descobrir a humildade e esperança de seu perdão, mesmo que não seja mais considerado como filho, decide voltar para casa. Cada entardecer, certamente, aquele pai olhava para o caminho, esperando que seu filho perdido retornasse. Por isso quando o vê se aproximar corre ao seu encontro, se alegra e festeja. Mas, “o filho mais velho, trabalhador, obediente às regras, revela-se também desordenado, porque diante da festa do pai que recuperou o filho não quer entrar, não quer tomar parte numa alegria que deveria ser também sua, pois o irmão voltou são e salvo... que atitude é essa do ser humano que não lhe permite alegrar-se com o bem do outro?... Parece até que o pai, apesar da dupla descendência, não tinha nenhum filho verdadeiro. Um deles foi embora, o outro viveu em casa como servo, estranho aos sentimentos do pai... A resposta do pai é tão desconcertante, que levaríamos uma vida toda para compreendê-la. ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu’ (15,31)”. (Ibid. RupniK.)  
Um Deus como este Pai, preocupado com cada um dos seus dois filhos e que não se senta à mesa enquanto os dois não tenham entrado em casa. Um Deus assim merece confiança. É curioso que isso o tenha que fazer agora as terapias psicológicas ou as experiências com deuses e deusas das religiões orientais, como com o “misericordioso Buda” e não esteja presente em nossa experiência com o Deus-Pai dos cristãos. O que Deus faz segundo Jesus é ter paciência, compreender e respeitar a liberdade. A melhor maneira para abandonar a vida sem sentido não é falar de um Deus castigador implacável, sem misericórdia, senão do Deus real de Jesus, que espera, vem ao nosso encontro para perdoar-nos cheio de alegria pela volta, pela recomposição da existência e da dignidade pessoal convida-nos para a festa da comunhão.
Como é grande a experiência de se saber amado e perdoado! Mas faz falta a humildade para prostrar-se primeiro diante dele e reconhecer-se pecador. Não acontece assim com o irmão maior. Encontramo-nos frente a quem se sente perfeito diante de Deus. Cumpridor de todas as normas, obediente aos preceitos, mas que, é incapaz de levá-los a cabo com amor, não sentindo compaixão pelo sofrimento de seu irmão que regressa. É incapaz, portanto, de mostrar misericórdia.
Ao lado do amor incondicional do Pai nossos “amores” se parecem tão cheios de medos e prudências, com interesses ambíguos e mesquinhos que nos dão até vergonha de dizer que é “por amor” que agimos e o mais terrível é sentir-se satisfeito e se crer bons.
As respostas do pai a reclamação do filho maior: “Filho, tu estás sempre comigo”, lhe dá a chave: está fazendo o que se espera dele, mas sem “viver com o pai” sem sentir de verdade a salvação, sem sentir o Reino, sem sentir o pai. Talvez encontremos aqui um paralelismo com a atitude comum de cifrar a boa conduta com o cumprimento de certas práticas religiosas, como a comunhão ou confissão frequente, a missa dominical, e evitar depois o encontro sincero e o diálogo com os irmãos e irmãs que vivem situações sociais de marginalização, defendem posicionamentos ideológicos e políticos discordantes, ou que afrontam orientações sexuais divergentes, entre outros. Não existe verdadeira experiência humana sem intercâmbio, diálogo e confidência, verdadeiro amor recíproco.
Não tem cabimento, à luz desta parábola, rancores nem ressentimentos na comunidade cristã. Só a alegria e a festa cada vez que um de nós busca reconciliar-se com o Senhor. Não haverá reconciliação verdadeira sem essa aproximação primeira, sem a atitude de reparação do dano, onde se inclui a proximidade e a reconciliação com o resto de nossos irmãos. A atitude do filho menor é humilde, com disposição de entrar e servir: “trata-me como um dos teus trabalhadores”. E o ambiente que alardeia o pai diante tal atitude é de alegria e festa.
Cabe, pois nos perguntar qual é nossa atitude. Primeiro frente ao pecado pessoal: arrependimento verdadeiro, sem condições, atitude de reparação, pondo-nos a serviço, implorando misericórdia. Em segundo lugar nossa atitude como irmãos maiores da parábola, como cristãos implicados na construção do Reino: como pomos em prática a correção fraterna em nossos grupos e comunidades, para procurar um melhor ambiente e viver uma contínua festa de reconciliação? Como levamos a cabo a acolhida que Deus-Pai nos pede que tenhamos ante quem se aproxima de nossas comunidades querendo viver uma experiência de Deus, a partir de suas realidades?

Bibliografia:

Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado. Lisboa (Portugal), Paulus, 2010.

Rupnik, Marko Ivan. “Abraçou-o e o cobriu de beijos”, lectio divina sobre a parábola do pai misericordioso. São Paulo, Paulinas, 2005.



Jesus e os vínculos familiares

 08|Setembro de 2013


No evangelho de Lucas deste domingo (cf. Lc 14,25-33) Jesus continua compartilhando seus ensinamentos a caminho de Jerusalém. De uma maneira concisa e clara, oferece as condições imprescindíveis para um verdadeiro discipulado ou seguimento de Jesus. Viver como cristão, seguir a Jesus Cristo não é fazer passeata com o Senhor. Sua palavra é clara, Lucas nos apresenta hoje um conjunto de ditos e parábolas que nos revelam que Jesus não ocultou as dificuldades para aquelas pessoas que querem segui-lo: Construir, lutar e renunciar.

“Se alguém vem a mim e não odiar seu próprio pai e mãe, mulher, filhos irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não vem após mim, não pode ser meu discípulo.” (vv. 26-27)

Trata-se aqui de uma das afirmações mais radicais do evangelho. Nenhum outro mestre ou rabino fez este tipo de exigência tão radical para quem queria ser seu discípulo. Jesus se atreve a colocar-se acima dos laços sagrados da família, dos pais e os filhos. “Ele relativiza os vínculos familiares na perspectiva do Reino. Também o fez noutras ocasiões: perda no templo, chamados vocacionais, escuta da palavra, relações com os seus parentes e com Maria, sua mãe. Diante da primazia do Reino perdem lugar os afetos de família e os laços de sangue e raça, nação e grupo cultural. Contudo Jesus não menospreza estes vínculos de parentesco na sua vertente humana e religioso-moral. Pelo contrário, reafirmou as relações paterno-filiais reguladas pelo quarto mandamento da lei de Deus quando condenou as tradições judaicas contrárias ao mesmo (cf. Mc 7,10). (Caballero, 2000.) 

No texto, todas as expressões estão subordinadas à frase principal do conjunto: “se alguém vem a mim”, ser seu verdadeiro discípulo ou discípula deve centrar sua vida nele. Cristo reclama para si, um amor maior que a própria família, pretende açambarcar afetos humanos tão profundos e vivências tão pessoais.

A ruptura com a ideologia familiar, em principio não tem nada a ver com a parábola do homem que quer construir uma torre ou com a o rei que deve ir à guerra (cf. vv. 28-32). Mas, as duas parábolas ilustram um pouco o empenho de construir e lutar, que deve haver ante estas propostas tão radicais. Concluindo com a máxima: “Portanto, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”. (v. 33)

Talvez sejam necessárias algumas explicações exegéticas para poder medir o alcance deste evangelho de hoje. “Lucas é o evangelista da misericórdia de Deus, mas também das exigências radicais. É verdade, o ensinamento de Jesus apresenta absolutos irrenunciáveis em todos os evangelhos, mas em Lucas eles são evidenciados com maior frequência e vigor. Assim no caso presente: enquanto no texto paralelo de Mateus, inserido no discurso missionário, se afirma ‘quem ama o pai ou mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim’ (Mt 10,37); no texto de Lucas, ambientado na catequese sobre o discipulado, proclama-se de modo claro e paradoxal. ‘Se alguém vem ter comigo e não Me preferir [odiar, no texto original] ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos... não pode ser Meu discípulo.’ (Lc 14,26) Como se vê, Lucas conservou o semitismo do verbo ‘odiar’ (que no entanto tem o significado de ‘amar menos’), para sublinhar a necessidade de uma opção radical, sem meias medidas nem compromissos. Este ‘ódio’ diz respeito a todas as pessoas e realidades mais queridas, mais intimas, e até à ‘própria vida’. Negativamente, trata-se de eliminar para sempre tudo o que poderia impedir a sequela de Jesus; positivamente, pede-se que ‘se leve a própria cruz’ (Lc 14,17); não só ‘tomá-la’, como afirma (Mt 10,38) ‘todos os dias’ (cf. Lc 9,23), seguindo o Mestre. Quem não coloca Jesus e o Reino de Deus no centro da sua vida e acima de tudo não pode ser Seu discípulo.” (Casarin, 2010.)

Deixar a família de origem pela família cristã, como exige Jesus, era uma decisão que custaria muitíssimo tomar. Inclusive a maioria dos autores pensa que Jesus nunca mandou seus seguidores odiarem seu pai, sua mãe ou seus irmãos. Alguns profetas levaram até o extremo a renuncia ao status familiar e falaram de odiar, com todo o semitismo que isso comporta. Mas, Jesus não pode ter pedido para “odiar”, quando exigiu amar inclusive aos inimigos (cf Lc 6,27; Mt 5,44). Isto está hoje bastante bem assumido, sem que denote “adoçar” a radicalidade do Reino e do seguimento de Jesus.

Logo, ser discípulo de Jesus significa um valor absoluto como alternativa a todo projeto deste mundo inclusive o familiar. É verdade que Jesus põe em evidência a pobreza dessa expressão: amar menos, “odiar”. Por isso, muitos traduziram o odiar pelo "preferir". Efetivamente, se alguém quer ser discípulo de Jesus, mas prefere as chaves familiares, os interesses de família, as ataduras sociais e culturais desse mundo, então não pode ser um autêntico discípulo de Jesus. As famílias (em sentido geral e cultural) transmitem amor; mas às vezes as famílias, os clãs, os grupos, transmitem outros valores muito negativos (inclusive preconceitos e até o ódio de umas famílias contra outras), que um discípulo de Jesus não pode assumir, nem respeitar.

Decidir-se por Jesus deve ser primordial. E em momentos determinados da vida, talvez em situações limites ou concretas, devemos preferir a radicalidade do evangelho, que é a radicalidade do Reino de Deus (da vontade de Deus) às imposições religiosas, sociais e políticas das “nossas famílias”. Isso não significa odiá-las, mas não podemos ter problema de consciência, em nome do evangelho, de “separar-nos” de seu mundo e de suas imposições. Isso é o que deve significar hoje, sem duvida, o “odiar”: separar-nos de seus critérios, de suas imposições injustas e de seus caprichos ou de “tradições ancestrais e sagradas”, às vezes, que não se pode manter se não dignificam ou libertam de verdade. Isto, para a atitude dos cristãos no mundo contra a injustiça, a guerra, a globalização sem misericórdia, deve ser a verdadeira alternativa de identidade. Se não o fazemos, por não trair o entorno “dos nossos”, teremos perdido nossa identidade como seguidores de Jesus e de seu evangelho.

A família fornece ao primitivo cristianismo uma de suas imagens básicas para definir a identidade e coesão social cristã. Neste marco social e ambiental se entendem melhor as palavras de Jesus e as consequências que se seguem para os que as aceitam e tratam de vivê-las. Na antiguidade, a família numerosa tinha muita importância. Não só era a fonte do próprio status comunitário, mas também funcionava como uma empresa familiar, a principal rede de relações econômicas, religiosas, educativas e sociais. A perda de conexão familiar significava a perda dessas redes vitais, assim como a perda de conexão com o país. Mas a comunida cristã podia ter as mesmas funções que a família de origem. A comunidade cristã, faz as vezes de família, é o lugar próprio da boa nova. O Apóstolo Paulo na carta a Filémon (cf. Fl 9b-10.12-17), preso em Roma, tenta por meio de uma carta pessoal ao seu amigo mudar a mentalidade de um cristão, ele diz: “Eu Paulo, prisioneiro por amor de Cristo Jesus, rogo-te por este meu filho Onésimo, que eu gerei na prisão... não já como escravo, mas como irmão muito querido. É isto que ele é para mim e muito mais para ti...” Onésimo, um escravo fugitivo a quem são Paulo batizou em Roma durante o cativeiro, ele o chama de filho e o entrega a Filémon, convidando-o a recebê-lo não como escravo, mas como irmão na comunidade. Nisso consiste o especifico do ato cristão, pensar de uma forma totalmente nova os laços familiares e uma sociedade onde não existe mais escravo nem livres, porque somos todos irmãos.

O discípulo, como o homem que constrói uma torre, ou o rei que deve ir a uma guerra, deve pensar e avaliar o que pretende no compromisso do seguimento. As duas pequenas parábolas que ilustram a exigência radical de Jesus tratam de empreendimentos muito difíceis e problemáticos e, por isso mesmo, tem-se que enfrentá-los com sabedoria, seriedade e não às pressas. Assim é como quem tem que enfrentar a difícil missão de ser discípulo ou discípula de Jesus. Assim Ele quer evidenciar que fazer-se seu discípulo é uma coisa seria: melhor não se apressar se não se está disposto a ir até o final.

Por último, Lucas tirou uma conclusão: “quem não renunciar a tudo que possui, não pode ser meu discípulo” (v. 33) Lucas quer nos ensinar que tudo deve se por em comum, como sinaliza em Atos 4,34, para que não haja necessitados ou indigentes entre os cristãos; ou seja, a razão de renunciar aos bens é para que não haja pobres e inclusive para que haja justiça no mundo. É verdade que não devemos atenuar a força do texto, e a leitura que podemos fazer do evangelho terá distintos tons segundo o contexto cultural e social onde se vive.

Jesus fala na renuncia a todos os bens para ser seu discípulo, não nos pede que cumpramos os mandamentos, que sejamos bons. Pede-nos que sejamos absolutamente disponíveis e que não tenhamos a obsessão do dinheiro. Devemos ser conscientes de que a pobreza e a riqueza existem personificadas: há ricos, poucos; e muitos pobres. Mas, há bens suficientes no mundo para que todos tenham o necessário. O mundo é injusto por causa dos que amam as riquezas e o poder; em muitos casos esses “amores” esses “apegos” quem nos transmite é a família, o clã, os nossos, os interesses de classe e de grupo. Esse mundo se desmorona ante a radicalidade do Reino e da vida de Jesus. Buscar a segurança nos bens deste mundo é por o coração naquilo que nos distancia de Deus (por no deus dinheiro). A renúncia à família e aos bens tem sua lógica e sua espiritualidade profética. Supõe, é verdade, certo escândalo: o escândalo do Reino de Deus.

Esse é o sentido de saber e poder “levar sua cruz” seguindo a Jesus. É um separar-se, uma ruptura a que se propõe. Por isso, o discípulo, como o homem que constrói a torre, ou o rei que deve ir a uma guerra, deve pensar e avaliar o que pretende no compromisso do seguimento. Esse é o sentido de saber e poder “levar sua cruz” seguindo a Jesus. É um separar-se, uma ruptura a que se propõe.


Bibliografia:

Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.

Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado, Tempo Comum semanas XVIII-XXXIV. Lisboa (Portugal), Paulus, 2010.

A desconcertante humildade
DATA: 01| SETEMBRO 2013

As realidades mais belas Jesus as proclamou, as ensinou e as realizou à mesa, numa refeição. Lucas reuniu em seu evangelho alguns dos ensinamentos de Jesus, através de conversas ao redor da mesa.
Na mesa se compartilha a vida, a amizade e os ideais, por isso sempre teve importância compartilhar a refeição com alguém. Os comensais que compartilham a mesa ficam unidos; "comer com outros" foi sempre símbolo de solidariedade, estima, amizade, comunicação interpessoal e festa. O alimento se converte em algo mais do que repor as forças e alimentar-se: É o contexto mais espontâneo da acolhida e da hospitalidade, mais ainda para os orientais do que para nós.
A literatura bíblica nos demonstra que o povo judeu entendeu e praticou de maneira excelente esta linguagem simbólica da refeição. Além da ceia pascal, os judeus tinham várias outras refeições religiosas e festivas, como a refeição relacionada com o início do sábado, as refeições de fraternidade, as refeições familiares etc.
Assim como para os judeus a refeição tem um sentido sagrado, para Jesus a mesa tem um lugar importante em seus ensinamentos. Ele “se serviu da linguagem do ‘comer com’ em seu anúncio do Reino... Como Ele aparece no evangelho compartilhando a mesa com outros: na casa de amigos, como Lázaro ou Mateus, ou de fariseus como Simão, e também de publicanos como Zaqueu, causando escândalo aos fariseus que entendem muito bem esta linguagem como aproximação de Jesus aos marginalizados e ‘pecadores’ da sociedade. Jesus não quer excluir ninguém da salvação e da comunhão com Deus, e o simbolismo do compartilhar com eles a comida é o mais expressivo na hora de proclamar a boa-nova. Multiplica pães e peixes, converte água em vinho, aceita convites ou se autoconvida Ele mesmo: está anunciando com ações simbólicas o perdão e o amor de Deus. Quando fala do Reino, frequentemente o faz em chave de banquete festivo ao qual Deus nos convida, como nas parábolas do filho pródigo ou do banquete do Reino. O gesto da refeição é, para Jesus, uma ação profética com a qual quer dar a entender que o Reino vem, que já está aqui, e que vem para todos.” (Aldazabal, 2002.) 
As refeições com Jesus marcaram, portanto, a sensibilidade dos discípulos, tanto as anteriores à Última Ceia como as posteriores com o Ressuscitado; acabaram centrando todo o novo Povo de Deus em torno de uma mesa: a mesa da Eucaristia, continuação das refeições com o Senhor, onde Ele mesmo, de maneira sacramental é o alimento e o assunto da conversa. Jesus à mesa define o rosto da nova comunidade, convocada em torno da mesa eucarística.
O evangelho de hoje (cf. Lc 14, 1.7-14) nos situa neste ambiente da refeição, na casa de um fariseu, num dia de sábado. (v.1) Trata-se certamente de uma das refeições de fraternidade das comunidades dos fariseus chamadas “haburoth” (“haber” = companheiro). Para essas refeições tinham as “comunidades farisaicas” o cuidado de não convidar ninguém que não cumprisse com as normas estritas de comportamento, de preceitos etc. Não era admitido qualquer um a estas ceias que tinham duas funções principais: eram lugares para o debate e a controvérsia sobre diversos temas de interesse, e serviam aos anfitriões para demonstrar seu status, para competir em prestígio e reconhecimento social com seus convidados. Este último é o motivo pelo qual os convidados buscam reclinar-se nos lugares mais próximos do anfitrião. E é o que Jesus vai censurar, através de duas parábolas (vv.8-14).
Na primeira Jesus se dirige aos comensais a propósito do lugar que devem ocupar quando são convidados: “Quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar... quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”. (v. 10-11) e na segunda parábola se dirige a quem convida para que faça uma boa escolha dos convidados: “Quando ofereceres um banquete convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos, e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te.” (v.13) Claro, que nada é lógico nestas parábolas, porque acontece que quando somos convidados a um banquete gostaríamos de ser os principais; e quando convidamos gostaríamos de fazê-lo levando em conta a importância dos convidados. Mas, não é isso o que se propõe nestas parábolas. Na verdade, “Lucas relata este episódio porque sabe que nas suas comunidades há discórdias. Sabe que, não obstante as exortações do Mestre, os anciãos, os dirigentes dos diversos ministérios, se deixam levar pela ambição de ocupar ‘os primeiros lugares’. Trata-se do eterno problema da Igreja: todos deveriam servir, mas, na realidade, muitos buscam gananciosamente títulos honoríficos e procuram aparecer nos primeiros lugares; alguns se incham de vaidade até mesmo na celebração da mesa eucarística.” (Armellini, 1998.)
“Na verdade os ‘pensamentos’ do Senhor não são os nossos pensamentos, a Sua sabedoria não é a nossa, os Seus projetos são muito diferentes dos nossos (cf. Is 55,8-9). Por isso, todas as vezes que nos aproximamos do Senhor, escutamos a Sua Palavra e observamos o Seu comportamento sentimos a necessidade de converter o nosso coração e de mudarmos de comportamento.
Todos procuramos ser grandes, colocarmo-nos no centro, ocupar os primeiros lugares, ao passo que Jesus, que é o Mestre e Senhor, escolhe para Si o último lugar e propõe a mesma opção para os Seus discípulos (cf. Jo 13,12-15). Embora de condição divina, Ele privou-se de Sua glória, ‘assumindo a condição de Servo e tornado-se semelhante aos homens; por isso, foi exaltado e diante d’Ele se dobra todo o joelho’ (cf. Fl 2,6-11). É esta a lógica desconcertante de Deus e do messianismo insistentemente reafirmado por Jesus e acolhido com compreensão total, não só pelas pessoas, também pelos discípulos e pelos próprios Doze: o Filho do homem terá de ‘sofrer muito’ para entrar na Sua glória (cf. 9,22.44; 12,50; 17,25; 18,31-33)... Perante um Deus que se faz pobre e acolhe o último lugar é necessário que os nossos banquetes de festa, e, sobretudo a mesa eucarística, na qual se deve inspirar toda a vida dos crentes, executem concretamente o revolucionário projeto do Deus que convida a que se coloquem no último lugar para servir, como fez Jesus.” (Casarin, 2010.)
O evangelho como já percebemos, se nos propõe a humildade. Alguém já afirmou que os cristãos dizem que a humildade é uma virtude sobrenatural, mas é uma disposição não natural, quer dizer, contra nossas naturais tendências. Por que, para ser um bom seguidor de Jesus é necessário ser o último?
O que as pessoas consideram como primeiro, para o cristão é último e vive-versa. Então estas diferenças determinam também as escolhas concretas. Os que veem as coisas com os olhos de Deus sabem que devem esforçar-se para ser o primeiro justamente no que os outros consideram último. Na sociedade cada um se considera melhor que os outros. O cristão sabe que Deus dá precedência aos pecadores que se arrependem. Por isso quer considerar-se o último dos pecadores, mas que perdoado é transformado no primeiro.
Na sociedade há uma luta pelo poder. O primeiro é o que impõe sua vontade aos demais, o último é o que vai fazer o que lhe ordenam e que, portanto, não poderá jamais ter um posto de honra no mundo. Os cristãos veem o mesmo problema com olhos diferentes. Sabem que o primeiro ao que é dado todo poder nos céus e na terra é Cristo que alcançou este lugar de um modo especial, submetendo-se aos outros. Os cristãos seguem seu caminho e aprendem de Jesus a ser “manso e humilde de coração”. (cf. Mt 11,29)
Aqui, a mim me parece, não cabe outra explicação para a humildade que o próprio mistério da humildade divina, que sendo o “todo poderoso”, se fez um de nós. ”Talvez a humildade seja então algo diferente do que nós pensamos habitualmente. E, de fato, é o que descobrimos, se olharmos melhor a obra de Jesus. O que Jesus fez para ser humilde? Jesus se abaixou, desceu: não com palavras, ou com os sentimentos, mas com os fatos. Começou quando... ‘humilhou-se e foi obediente até a morte’ (cf. Fl 2,6-8). Durante a vida, depois, foi sempre coerente com esta escolha: Ele, o Mestre, abaixa-se para lavar os pés dos discípulos, comporta-se como ‘aquele que serve’; desce, desce, desce até que – tendo chegado ao ponto mais baixo, no túmulo – chega o Pai para o apanhar, o eleva acima dos céus e o estabelece chefe do universo, colocando tudo sob os seus pés. Eis como Deus mesmo realizou sua Palavra: aquele que se humilhar será exaltado. Doravante, ser humilde significa algo muito simples: ter os mesmos sentimentos de Cristo Jesus (cf. Fl 2,5), comportar-se como Jesus se comportou.
Abre-se hoje uma porta para que se compreenda de um modo novo o que é a humildade evangélica, a humildade é antes de tudo uma questão de fatos, de escolhas, de atitudes concretas, não uma maneira de sentir e de falar de si.
A palavra usada no Novo Testamento para indicar o ato de humilhar-se significa literalmente: abaixar-se, tender para baixo, fazer-se pequeno. Humildade é disponibilidade a descer de nós mesmos, abaixar-se para os irmãos, é vontade de servir por amor, não por algum cálculo ou vantagem ou glória que possam advir para nós mesmos. A humildade é gratuidade”. (Cantalamessa, 2012.)  
A parábola dos primeiros e dos últimos lugares em um banquete e, sobretudo a da gratuidade do convite para o banquete, em que se convidam os pobres porque eles não podem retribuir o convite, não podem responder a nossa generosidade, serve a Jesus para revelar a humildade.
O que é humilde é generoso, misericordioso com os outros. Essa é a razão pela qual a humildade cristã é atitude sábia e princípio de amor.

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Aldazábal, José. A Eucaristia. Petrópolis, Editora Vozes, 2002.
Armellini, fernando. Celebrando a palavra, Ano C. São Paulo, Editora Ave Maria, 1998.
Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado, Tempo Comum, semanas XVIII-XXXIV. Lisboa (Portugal), Paulus, 2010.

Cantalamessa, Raniero. O verbo se faz Carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Ano A,B,C. São Paulo, Ave Maria, 2012.
Uma porta aberta a todos
25|AGOSTO DE 2013


“A liturgia deste domingo fala-nos claramente da caminhada que todos devem fazer para entrar em comunhão com Deus. Não é dada como privilégio a ninguém. Ninguém, nem sequer aqueles que comem e bebem com Ele têm o exclusivo, senão entrando num relacionamento vivo com Jesus e aceitando a lógica da cruz e da ressurreição.” (Casarin, 2010.)
São Lucas nos apresenta no Evangelho de hoje (cf. Lc 13,22-30) Jesus que caminha para Jerusalém. È uma viagem prolongada a que o terceiro evangelista se refere em mais de uma ocasião. Neste detalhe muitos exegetas viram a intenção de apresentar toda a vida pública de Jesus Cristo como um longo itinerário até a Cidade Santa, o lugar do sacrifício supremo do Senhor, e também da vitória total sobre a morte e seus inimigos. Jesus avança, dia a dia, até a imolação de sua vida na cruz, caminha sem trégua até a entrega decidida e generosa à vontade do Pai. É um itinerário longo, e penoso às vezes, que conduz, sem duvida, ao triunfo e a glória. Um recorrer às etapas que conduzem à salvação, um exemplo claro para que também nós façamos de nossos dias um caminho, que nos leva até Jerusalém, até a cruz e a salvação.
Jesus percorre cidades e aldeias ensinando, a salvação é para todos. Possivelmente a propósito deste ensinamento um ouvinte lhe pergunta: “Senhor, é pequeno o número dos que se salvam?” (v.23) Ainda que pareça estranha esta pergunta temos que levar em conta que ela era normal no ambiente farisaico daquele tempo e se segue repetindo de diferentes maneiras e tons no tempo presente. Também em nossos dias são numerosos os que querem ter uma resposta precisa e definitiva sobre o número daqueles que entrarão no céu e por isso se discute tanto sobre a sorte dos que morrem sem estar batizados, dos infiéis, dos hereges e dos pecadores.
À pergunta que lhe fazem Jesus não quer dar uma resposta dizendo o número dos que vão se salvar, se muitos ou poucos. Não era sua missão satisfazer a curiosidade das pessoas neste sentido. Mas, sim indicar uma porta, um caminho para fazer parte de sua comunidade. Jesus responde a seu ouvinte apresentando-lhe a exigência do reino: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão estrar e não conseguirão”. (v.24)
“A imagem da porta estreita usada por Jesus é muito ilustrativa. Quando começava a escurecer, fechavam-se os portões da cidade e dos palácios e abria-se uma pequena porta, por onde só passava uma pessoa por vez, podendo-se assim controlar quem entrava e quem saia. Além de a porta estreita sugerir a penitência, sugere também que a passagem para o Reino é um assunto individual: cada um, com os próprios pés e na própria vez, entra ou sai. Não se entra por delegação. Não posso mandar outro a participar do banquete do Reino no meu lugar. Não posso tomar o lugar de outro. A salvação é uma decisão intransferível.” (Neotti, 2003.)
A porta sugere a ideia de passagem, do limiar entre o conhecido e o que está por trás da porta, o desconhecido. Ela se abre para um mistério; ao mesmo tempo leva psicologicamente a uma ação: abri-la, fechá-la ou ultrapassá-la. Passar para o Reino, para dele participar exige esforço, luta, conversão. Jesus faz-nos um convite irrecusável:esforçai-vos para entrar pela porta estreita” ou o que é igual, tem que fazer-se própria a opção por Jesus e pô-la em prática em um mundo no qual os valores evangélicos não prevalecem. Para Jesus a questão não é, portanto, salvar-se, pois para isto, como Ele disse ao jovem rico, basta cumprir os mandamentos que olham o próximo, mas sim aderir-se ou não à sua mensagem para transformar o mundo, suplantando a injustiça que tem nele.
A salvação, segundo Jesus, começa pondo em prática os valores evangélicos, e não por pertencer a um determinado povo. Qualquer um, “do oriente ou do ocidente, do norte ou do sul, tomarão lugar à mesa do Reino de Deus” (v.29), pois o Reino é uma comunidade de “porta estreita”, à que se entra negando os valores do mundo que se opõem ao Evangelho, mas aberta para quem deseja aderir a sua mensagem humanizadora.
Esse universalismo da salvação, Israel descobriu na dolorosa experiência de sua deportação para a Babilônia, ao viver entre os gentios-pagãos. O livro de Isaías se encerra (cf. Is 66, 18-21) profetizando, abrindo o horizonte a uma visão ecumênica e missionária: O Senhor reunirá todas as nações e todas as línguas para que venham contemplar a sua glória e anunciá-la entre as nações. Utilizando todos os meios humanos de transporte as nações do mundo reconduzirão a Jerusalém os filhos de Israel que estavam dispersos. E esta grande repatriação será como uma oferenda ao Senhor e um reconhecimento de que Ele é o Senhor e Deus das nações. Em recompensa, o Senhor escolherá também dentre os gentios, sacerdote e levitas. De agora em diante, todos serão um só povo eleito.
Mas, de outro modo, a lógica do judaísmo contemporâneo de Jesus e a visão interna da maior parte das grandes religiões compreendida também a católica, tem intentado sempre responder a pergunta: quem ou quantos se salvarão? Um judeu normal teria respondido: se salvam os verdadeiros judeus e se condenam os gentios. Um católico de antes do Concílio: se salvam os que fazem parte da Igreja e se condenam os que estão fora dela. Certamente este estar fora se interpreta com as devidas distinções e matizes. Não faltarão judeus que afirmam que um bom gentio faz parte implícita da comunidade de salvação, assim como também os católicos também falam de uma pertença ou um tipo de catolicismo ou cristianismo implícito. Estas respostas, no fundo, constituem uma escolástica vazia, já que todos sabem que os caminhos de Deus na história são sempre um enigma.
Eu penso que temos que centrar-nos na palavra do Evangelho. O importante não é a sorte dos outros, mas sim a exortação que Jesus nos dirigiu a cada um de nós: “esforçai-vos por entrar pela porta estreita”. A salvação não é um tema de curiosidade, mas sim de compromisso. Jesus acrescenta alguns conselhos preocupantes para nós.
Há pessoas que se consideram com direitos sobre o Reino: são aqueles que se aproximam da porta e pedem que se lhas abra. Suas razões parecem evidentes ao menos para eles: “Nós comíamos e bebíamos em tua presença, e tu ensinaste em nossas praças”. (v. 26) Comeram com o Senhor e escutaram suas palavras. Evidentemente são amigos e podem ter o luxo de dizer: “Senhor, abre-nos a porta!” Mas, o Senhor responde: “Não sei de onde sois; afastai-vos de mim, vós todos, que cometeis injustiças!” (v. 27) Ainda que pareça que sejam amigos na realidade são inimigos. Jesus não os reconhece porque praticam iniquidades.
Os que comeram com Jesus a quem chamam seu Senhor e sem duvida são estranhos são em primeiro lugar os judeus que não se converteram escutando sua Palavra, mas também são os cristãos que também comeram com Jesus (eucaristia), escutaram sua Palavra e lhe chamam de Senhor em suas orações, mas praticam a injustiça, não põem em prática a Palavra de Jesus, não aceitando a mensagem do seu Reino e, portanto, ficam de fora. Visto em si mesma a mensagem de Jesus deve ser apresentada em forma de convite à conversão ou penitência e à confiança absoluta e não como ameaça. Tal é o sentido da palavra salvadora. Vista em relação com aqueles que estão fora é um motivo de esperança.
A justiça de Deus se traduz em forma de salvação para os povos porque aqueles mesmos que buscam com temor a própria salvação esforçando-se por entrar pela porta estreita, devem admirar a providência salvadora de Deus que chamará a seus filhos do Oriente e do Ocidente, do norte e do sul de toda a terra. “Eis que há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos”. (v. 30) Daí que os primeiros – os que desde sempre, pertencendo ao povo de Israel gozaram de ser “o povo eleito”, mas recusaram a mensagem de Jesus – serão últimos – como os pagãos tinham sido –, e haverá últimos – os pagãos, excluídos segundo os judeus do Reino de Deus – que serão primeiros, a condição é de que aceitem por norma de vida a mensagem de Jesus.
Deus oferece sua salvação a todos por igual. Já não bastará pertencer a um povo, a uma raça, a uma cultura para considerar-se salvo, nem a salvação será a questão mais importante a debater. A entrada no Reino ou comunidade cristã, que é porta de salvação, se realizará pela opção pessoal e pela adesão individual a mensagem vivida na prática de cada dia. Quem assim o fizer, pertençam ou não ao povo de Israel, já estão salvos em vida, pois aprenderam que a verdadeira vida começa quando, como Jesus, nos comprometemos a dá-la para que os outros tenham vida abundante.

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado, Tempo Comum semanas XVIII-XXXIV. Lisboa (Portugal), Paulus, 2010.
Neotti, Frei Clarêncio. Ministério da Palavra, Ano C. Petrópolis, 

18|AGOSTO DE 2013
Maria, a mulher bendita por todas as gerações



“Vem! Vou mostrar-te a Esposa, a mulher do Cordeiro!” (Ap 21,9) Com essas palavras de um anjo do apocalipse ao vidente João, somos nesta liturgia convidados a contemplar a Virgem Maria, que como ao pé da Cruz era símbolo da Igreja nascente e peregrina, agora no céu, na nova Jerusalém é a primeira desta Igreja glorificada.
As comunidades eclesiais sempre se identificaram com Maria, pois ela além de ser a Mãe do Salvador é também a irmã que vive os dramas de toda a comunidade cristã, que acompanha os irmãos e irmãs de fé nos momentos difíceis. Aclamada de geração em geração, nela as comunidades descobrem a raiz do seu ser Igreja e de sua missão no mundo. Esta experiência das comunidades cristãs com a Virgem Maria, mulher profundamente identificada com Deus nos é descrita no Apocalipse de São João (cf. Ap 11, 19a.12,1-6a.10) como “um sinal grandioso que apareceu no céu”. Trata-se de uma mulher, a Igreja ou a Virgem Maria “membro eminente e único da igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade.” (LG 53)
Ignoramos como e quando se deu os últimos dias e a morte da Mãe de Jesus e a Sagrada Escritura nada afirma a esse respeito. Desde o final do século IV temos referências a um túmulo vazio em Jerusalém e a celebração de uma festa do “trânsito ou dormição de Maria”.
Pouco a pouco o tema da “dormição” é substituído pelo da “assunção”. Mesmo sem um consenso sobre o que teria acontecido com A Virgem Maria no final de sua vida, a devoção a sua assunção ao céu, glorificada junto de Cristo, sempre foi uma crença geral do povo cristão. 
Depois da definição do dogma da imaculada Conceição (1854), houve um forte movimento mariano para que a crença devocional da assunção de Maria fosse transformada em dogma. Em 1950 a Igreja proclamou o dogma da assunção e na afirmação dogmática, Pio XII não entra em detalhes se Maria morreu ou não. A grande razão teológica é que a Mãe de Deus, a Virgem Maria foi elevada em corpo e alma à glória do céu, estando estreitamente unida a seu Filho e compartilhando o seu destino.
“A palavra assunção significa ‘ser assumido(a) por alguém’. Na teologia tradicional se distingue a ascensão de Cristo da assunção de Maria. O Cristo glorificado, ao terminar sua missão na terra, volta para o Pai que está no céu. Embora o texto de Lucas diga que Jesus é levado para o céu (Lc 24,51; At 1,9), atribui-se ao Filho de Deus encarnado e glorificado uma função ativa, pois ele retorna para a condição de onde veio. Já para Maria, como criatura, atribui-


se uma função passiva: ela é assumida por Deus na sua glória. Maria não entra no âmbito da eternidade por sua própria conta, mas sim devido à ação salvifica de Deus...
À luz da antropologia e da escatologia cristãs, não se compreende a assunção de Maria de forma literal, como se ela subisse ao céu com o corpo que possuía aqui na terra, com ossos, pele, carne e sangue. A assunção é a participação de Maria na ressurreição de Cristo. Não se trata de uma viagem, de um mero deslocamento geográfico, e sim de uma transformação da realidade humana. O corpo de Jesus ressuscitado, como o de Maria assunta ao céu, não é como o de Lázaro (Jo 11,43-44) ou do filho da viúva de Naim (Lc 7,13-15). Essas pessoas, mais cedo ou mais tarde, voltaram a morrer, e seus corpos se degradaram. O corpo de Maria, ao contrário, foi transformado e assumido por Deus, embora não saibamos os detalhes... Importante é crer que Maria já está glorificada junto de Deus, toda inteira. Ela já está vivendo o que está prometido para cada um de nós: participar do banquete da vida, levando consigo o amor e seus frutos cultivados nesta existência.
Cremos que Maria está junto de Jesus, glorificada por inteiro. Deus assumiu e transformou toda a sua história, suas ações e seu corpo.” (Murad, 2012.)
A assunção da Virgem Maria é, portanto, a imagem da Igreja que chegará à sua plenitude nos tempos futuros. E já desde agora, Maria brilha diante do povo de Deus peregrino neste mundo, como sinal de esperança. Sinal de Deus para a Igreja, que caminha na história, em meio a tantos desafios externos e conflitos internos. Como nos diz o Concilio Vaticano II no documento conciliar Lumen Gentium: “Do mesmo modo que a Mãe de Jesus, já glorificada no céu em corpo e alma, é a imagem e primícias da Igreja, que há de atingir a sua perfeição no século futuro, assim também já agora na terra, enquanto não chega o dia do Senhor (cf. 2Pd 3,10), ela brilha, como sinal de esperança segura e de consolação, aos olhos do Povo de Deus”. (LG n. 68)
“Ninguém sofreu tanto com Jesus como Maria e, por isso, ninguém é mais glorificado com Jesus do que ela. Mas, em que consiste a glória de Maria?
Há uma glória de Maria que podemos ver com os nossos olhos na terra. Que criatura humana foi mais amada e invocada na alegria, da dor e no pranto, que nome aflorou com maior frequência do que o seu nos lábios dos homens? E isso não é glória? A qual criatura, depois de Cristo, os homens ergueram mais orações, mais hinos, mais catedrais? Que rosto, mais do que o dela, procuraram reproduzir com sua arte? ‘Todas as gerações me chamarão bem–aventurada’, tinha dito Maria de si mesma ou, melhor, tinha dito dela o Espírito Santo. E vinte séculos cristão estão aí para demonstrar que era verdadeira a profecia. Não é possível que uma pobre mocinha, desconhecida do mundo inteiro, diga de si mesma uma coisa como esta, ou que outros digam dela, sem uma intervenção de Deus. Ou se trata de um exaltado e de um louco, ou de alguém que é inspirado por aquele que conhece o futuro...
Grande foi, pois, a glória de Maria na terra. Mas, por acaso, é esta a glória de Maria, toda a sua recompensa por aquilo que sofreu com Cristo? Nós somos prisioneiros de um conceito de glória que provém do paganismo antigo, e do qual ainda não conseguimos libertar-nos. Conforme este conceito, glória, é algo que diz respeito essencialmente ao conhecimento, à notícia, à opinião. Glória é um claro conhecimento misturado com o louvor. Maria, porém está na glória de Deus, não na glória dos homens. E o que é a glória de Deus, do qual fala a Bíblia? Não diz respeito só à esfera do conhecimento, mas também à do ser. A glória de Deus é Deus mesmo, enquanto o ser é luz, beleza, esplendor e, sobretudo amor... A verdadeira glória de Maria consiste na participação nesta glória de Deus, no ter sido envolvida por ela, no se ter abismado nela. No ser de agora em diante ‘cheia de toda a plenitude de Deus’ (cf. Ef 3,19). Mais do que isso não nos é licito saber ou dizer.” (Cantalamessa, 1992.)
Ao celebrarmos a glória de Maria, a mulher bendita entre todas as mulheres, que Deus Pai associou à ressurreição de seu Filho, “a Igreja, rende graças por todas e cada uma das mulheres: pelas mães, pelas irmãs, pelas esposas; pelas mulheres consagradas a Deus na virgindade; pelas mulheres que se dedicam a tantos e tantos seres humanos, que esperam o amor gratuito de outra pessoa; pelas mulheres que cuidam do ser humano na família, que é o sinal fundamental da sociedade humana; pelas mulheres que trabalham profissionalmente, mulheres que, às vezes, carregam uma grande responsabilidade social; pelas mulheres “perfeitas” e pelas mulheres “fracas” [...] A Igreja agradece todas as manifestações do “gênio” feminino surgidas no curso da história, no meio de todos os povos e nações; agradece todos os carismas que o Espírito Santo concede às mulheres na história do Povo de Deus, todas as vitórias que deve à fé, à esperança e caridade das mesmas: agradece todos os frutos de santidade feminina”. (João Paulo II, “Mulieris dignitatem”, 1988)
Este tema da mulher na Igreja e de sua responsabilidade eclesial esta na afirmação de Bento XVI: “A história do cristianismo teria tido um desenvolvimento muito diferente, se não houvesse a generosa contribuição de muitas mulheres... Além dos Doze, colunas da Igreja, pais do novo Povo de Deus, são escolhidas no número dos discípulos também muitas mulheres... Mulheres que desenvolveram um papel ativo no contexto da missão de Jesus.” (Audiência Geral, 14.02.2007)
Ainda para Bento XVI, “não poucas vezes é a mulher que, com a sua sensibilidade religiosa, com a delicadeza e a doçura pode fazer o marido percorrer um caminho de fé. Penso com reconhecimento em tantas mulheres que, dia após dia, ainda hoje iluminam as próprias famílias com o seu testemunho de vida cristã.” (Audiência do dia 27 de Outubrode 2010)
O Papa Francisco já ressaltou que as mulheres têm um papel essencial e especial na Igreja, no caminho da fé e no abrir as portas ao Senhor... As mulheres são movidas por amor e estão prontas para aceitar este anúncio com fé: acreditam, e imediatamente o transmitem, não o guardam para si mesmas, transmitem-no... Nos Evangelhos as mulheres têm um papel primário, fundamental são as primeiras testemunhas da ressureição. Isso mostra que Deus não escolhe segundo os critérios humanos." (Audiência Geral, 03.04.2013)
Já na entrevista aos jornalistas na volta de sua viagem ao Brasil o Papa Francisco questionado sobre o papel das mulheres na Igreja afirma que: “Uma igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico sem Maria. O papel da mulher na igreja não é só maternidade, a mãe da família. É muito mais forte. A mulher ajuda a Igreja a crescer. E pensar que a Nossa Senhora é mais importante do que os apóstolos! A igreja é feminina, esposa, mãe... Creio que se deva ir adiante com esse papel. Não se pode entender uma igreja sem uma mulher ativa... Acredito que, até agora, não fizemos uma profunda teologia sobre a mulher. É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu penso.”
Realmente não podemos ignorar o papel importantíssimo das mulheres levando adiante tantos projetos pastorais e missionários e também sua contribuição de longa história à Teologia nas principais faculdades de teologia e centros de formação do clero e institutos de vida consagrada. Nossa gratidão a todas as mulheres Igreja, ao contemplar a mulher bendita entre todas as mulheres da terra.

Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Murad, Afonso. Maria toda de Deus e tão humana, compêndio de Mariologia. São Paulo, Paulinas, Santuário, 2012.
Cantalamessa, Raniero. Maria um espelho para a Igreja. Aparecida (São Paulo, Santuário, 1992.



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Um comentário:

  1. Parabéns pelo novo visual do site da Paróquia N.S. de Fátima. Agora é "gostoso" navegar nele e os artigos aparecem mais nítidos, com melhor evidência.
    Agradeço a preciosa colaboração do padre Assis com a sua homilia dominical que reproduzimos em nosso site, junto com mais 200 outras homilias em língua portuguesa, italiana e em espanhol.
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